• Nenhum resultado encontrado

ORGANIZAÇÃO ESPACIAL DAS NOTAS HARMÔNICAS

No capítulo I vimos que a estrutura harmônica tonal é frequentemente construída em terças sobrepostas (posição cerrada), as quais podem ser reestruturadas resultando em posição aberta (ver exemplo 30 no subcapítulo

“Espaçamento”). Um exemplo bastante comum de estruturação de um acorde é a organização de suas notas a quatro vozes, onde as duas notas mais agudas (contralto e soprano) ficam dispostas na clave de sol, e as duas notas mais graves (tenor e baixo) são escritas na clave de Fá (ver capítulo II, exemplo 81). A maneira como um acorde se apresenta estruturalmente pode mudar drasticamente a sonoridade harmônica, mesmo que as notas deste acorde permaneçam as mesmas. O leitor poderá aqui se perguntar: qual a melhor forma de organizar as notas de um acorde?

135 Não há uma resposta simples. Fatores tais como: a instrumentação utilizada, as características idiomáticas dos instrumentos; a necessidade ou não de preenchimento harmônico em tessituras graves, médias e agudas; o tipo de textura sonora empregada, a quantidade de vozes disponíveis, dentre outros fatores, influenciam diretamente na disposição estrutural dos acordes. Para exemplificar, vamos utilizar a rearmonização presente no exemplo 168, aplicando-a em duas diferentes situações musicais:

Violão

EXEMPLO169

No exemplo 169 vemos uma harmonização característica do violão, a qual consiste em utilizar posições cerradas e abertas, e acordes com dobramentos e omissões de notas. Por ser um instrumento transpositor, o trecho acima soa uma oitava abaixo da rearmonização apresentada no exemplo 168. Contudo, seria perfeitamente possível escrever o exemplo 169 uma oitava acima. A escrita para violão tende a não fixar o número de notas harmônicas, variando sua quantidade conforme as possibilidades de digitação e o preenchimento harmônico desejado. O acorde C7(13), por exemplo, é apresentado com apenas 3 notas (as notas características: terça, sétima e décima terceira). Já o acorde EM7 é apresentado com 5 notas (com dobramento da quinta do acorde):

Saxofones

EXEMPLO170

O exemplo 170 apresenta uma escrita reduzida para quinteto de saxofones (2 altos, 2 tenores e 1 barítono) com uma escrita típica de harmonização em bloco, onde as notas harmônicas tendem a se movimentar na mesma direção (ascendente ou descendente). Os acordes estão apresentados na posição aberta (compasso 1) e cerrada (compassos 2 e 3). Nesse tipo de formação instrumental, de uma maneira geral, quanto mais aguda a tessitura, maior o espaçamento dado às vozes harmônicas. Outro fator que influencia na decisão de modificar a altura das notas harmônicas diz respeito à clareza da melodia presente nas notas de ponta (neste

136 caso, as notas executadas pelo saxofone alto 1). Intervalo de segunda menor entre a voz soprano e a nota imediatamente inferior a ela tende a obscurecer o entendimento da melodia. Contudo, é bastante comum o emprego deste intervalo nas vozes harmônicas que não se encarregam da melodia (evitar o emprego de intervalos de nona menor, principalmente em acordes não-dominantes, sob o risco de descaracterizar a sonoridade tonal destes). Dobramentos também podem ocorrer. O saxofone tenor 2 dobra a nota Dó com o saxofone tenor 1 (ver o quarto tempo do compasso 122). É comum a inversão dos acordes. O saxofone barítono se encarrega de tocar não apenas a tônica, mas quaisquer notas pertencentes aos acordes.

Em uma escrita vocal, no entanto, ocorre uma diferente demanda de construção harmônica. Na música vocal, é comum a presença de um “apoio” sonoro que possibilite aos cantores ter uma referência. As dissonâncias, embora possíveis, devem ser tratadas com mais cautela, tanto na relação vertical (entre as vozes harmônicas) quanto horizontal (saltos dissonantes entre as vozes melódicas). Um entendimento mais profundo sobre como as disposições sonoras harmônicas funcionam em contextos instrumentais diversos é um assunto mais relacionado aos estudos de arranjo e composição, tópicos que fogem ao escopo do presente livro.

Caso o leitor tenha interesse neste tópico, existe uma miríade de publicações nacionais e internacionais que versam muito bem sobre esta temática.

ADIÇÃOESUPRESSÃODENOTASHARMÔNICAS

Em algumas situações o instrumentista, arranjador ou compositor pode não desejar incluir determinadas notas ou, ao contrário, buscar construir novas sonoridades harmônicas por meio de combinações diversificadas. Veja os exemplos abaixo:

EXEMPLO171

Estes são apenas alguns exemplos das muitas possibilidades de inclusão de acordes com adição ou omissão de notas harmônicas. A cifra C2, no exemplo 171, simboliza um acorde com segunda (ou nona) sem a inclusão da terça. A cifra C5, muito utilizada por guitarristas no gênero Rock, também omite a terça do acorde.

Em ambos os casos os acordes são ambíguos, ou seja, não definem suas

22 A linha que liga o Ré# da clave de sol (terceiro tempo do compasso 1) ao Dó da clave de Fá (quarto tempo do compasso 1), e novamente ao Mi da clave de Sol (primeiro tempo do compasso 2) indica as notas tocadas pelo saxofone tenor 2.

137 características de acorde maior ou menor. Já a cifra Csus4( 7)

139

omit simboliza um acorde com a omissão da sétima.

HARMONIZAÇÃOMODALLIVRE

Em outras situações o interesse da harmonização está mais voltado para a ambiência harmônica do que para uma estruturação específica. O compositor ou arranjador estabelece uma sonoridade modal específica, ficando o instrumentista livre para estruturar os acordes de acordo com o modo estabelecido:

EXEMPLO172

A partir das indicações acima, o instrumentista poderá tocar livremente quaisquer acordes ou aglomerações harmônicas pertencentes aos modos descritos no exemplo 172 (buscando, é claro, não justapor intervalos que descaracterizem a sonoridade acordes). Por exemplo:

EXEMPLO173

HARMONIAQUARTAL

Além de terças sobrepostas, os blocos harmônicos também podem se estruturar em intervalos de quarta, criando uma sonoridade dissonante e não convencional.

Dizemos que determinada harmonia é quartal quando a sua estruturação intervalar prioriza o intervalo de quartas, podendo eventualmente aparecer outro intervalo (geralmente a terça, a quarta aumentada e a quinta justa). No tonalismo, a harmonia quartal preserva as estruturas fundamentais do acorde, aumentando ou diminuindo a exigência de acordo com o número de vozes disponível:

Cinco vozes – terça (com exceção de acordes de décima primeira, em que a terça é substituída pela quarta), sétima e trítono se o acorde for dominante;

Quatro vozes – terça ou sétima;

Três vozes – o acorde pode ser incompleto e deve priorizar apenas intervalos de quarta.

138 Na construção de um acorde quartal não podemos empregar notas evitadas e intervalos de nona menor em acordes não-dominantes, sob o risco de prejudicar a identidade tonal do acorde. Veja abaixo como o processo é feito:

Determine e a cifra e escala de acorde

EXEMPLO174

Obs.: Nos modos presentes no exemplo 174, as notas marcadas em preto são as notas evitadas.

Estruture o acorde priorizando intervalos de quarta

EXEMPLO175

Vejam que a harmonização antecipa o acorde do compasso seguinte, uma vez que as notas melódicas são antecipações. A rearmonização empregou intervalos não-quartais sempre que a quarta resultaria no emprego de uma nota evitada. No acorde G7/4sus, devido a sua característica estrutural, evitou-se o emprego da nota Si. No acorde C6, utilizamos Fá# ao invés de Sol para adicionar a nota característica do modo lídio e incluir uma sonoridade dissonante na harmonização.

CLUSTERS

A estrutura supercerrada ou clusters prioriza o intervalo de segunda, podendo também eventualmente aparecer outro intervalo (geralmente a terça ou quarta). As estruturas fundamentais de cada acorde devem estar presentes aumentando ou diminuindo a exigência de acordo como o número de vozes:

Cinco vozes – terça (com exceção de acordes de décima primeira, onde a terça é substituída pela quarta), sétima e trítono se o acorde for dominante;

139

Quatro vozes – terça ou sétima;

Três vozes – o acorde pode ser incompleto (priorizar apenas intervalos de segunda, ou usando terça apenas entre a primeira e segunda voz para que a nota melódica não seja obscurecida).

Veja como é feito o processo:

✔ Determine e a cifra e escala de acorde (ver exemplo 174);

✔ Construa o acorde priorizando intervalos de segunda ou utilizando os outros intervalos já mencionados onde não seja possível empregar a segunda (de acordo com o número de vozes).

EXEMPLO176

Note que há terças presentes apenas onde não seria possível colocar intervalos de segunda. Assim como na rearmonização quartal, evitou-se utilizar a nota Si no acorde G7/4sus.