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A enorme possibilidade de substituições de um determinado acorde-base traz alguns questionamentos importantes. Entre eles, podemos citar:

1. Quais acordes usar na substituição?

2. Quais as tensões que esses acordes podem ou não possuir?

3. Quais são as notas mais agudas desses acordes e como elas se relacionam com a melodia da canção16?

4. Como movimentar as vozes externas e internas desse acorde durante a progressão harmônica?

Para respondermos aos questionamentos acima, é necessário abordar dois tópicos importantes ao pensamento horizontal: (a) como criar uma linha melódica harmônica a partir das notas mais agudas dos acordes substitutos; e (b) como estabelecer uma relação sonora suave entre as notas mais agudas dos acordes substitutos com a melodia da canção.

16 Neste livro utilizamos a palavra canção de forma genérica, podendo englobar quaisquer melodias vocais ou instrumentais.

83 CONSTRUÇÃODELINHASMELÓDICASHARMÔNICAS

Em Dó maior, na progressão ii7 – V7 – I7M figuram os acordes Dm7 – G7 – CM7. Sabendo que podemos adicionar tensões a esses acordes, nós o movimentamos dentro da escala escolhida, criando um sentido melódico sobre as notas mais agudas do acorde. O acorde Dm7, por exemplo, utiliza a escala de Dó maior (Ré dórico) em sua rearmonização e, portanto, todas as notas pertencentes à escala de Dó podem ser utilizadas para adicionar tensões sobre esse acorde17:

EXEMPLO123

Criaremos agora um sentido melódico sobre as notas mais agudas dos acordes, vislumbrando uma melodia originada através da movimentação harmônica18:

EXEMPLO124

Observe que, neste primeiro momento, com exceção da voz soprano, não há uma preocupação em buscar um movimento linear com as demais vozes do acorde. Essa linearidade será ulteriormente trabalhada durante a elaboração de um arranjo, ou, se for o caso, durante a própria execução de um instrumento de harmonia (piano, guitarra, violão, cavaquinho, bandolim etc.).

Caso algum outro instrumentista esteja tocando um instrumento que firme harmonicamente a função do acorde de Ré menor, podemos tocar apenas os acordes do campo harmônico de Dó maior. A harmonização abaixo utiliza os acordes de F, C, Am, F, F, C e Dm:

EXEMPLO125

17 É importante que a terça do acorde esteja sempre presente em qualquer formação, para que a sonoridade característica de acorde menor não seja perdida, a não ser que a intenção seja obscurece-la.

18 Não esquecer que a melodia criada através das notas mais agudas dos acordes irá contrapor com a melodia do canto.

84 Observem que estamos realizando rearmonizações sobre o acorde-base com função subdominante Dm7, tal acorde poderia ser substituído por outros acordes-base de mesma função, como por exemplo os graus IV (FM7) ou vi7(Am7) e suas respectivas escalas de acorde e campos harmônicos.

O acorde dominante, por sua qualidade de acorde de tensão, permite que muitas escalas sejam utilizadas em sua rearmonização (dependendo do gênero musical, é claro). Entre as escalas já abordadas sobre esse acorde figuram quase todas as notas cromáticas, com exceção da sétima maior, a única nota não presente nessas escalas.

Assim, podemos formar uma escala cromática para rearmonizar o acorde dominante, deixando a sétima maior sem harmonização. O exemplo abaixo apresenta algumas das muitas possibilidades de rearmonização sobre o acorde G7:

EXEMPLO126

Além disso, podemos harmonizar o acorde-base G7 com acordes presentes nas escalas de acorde da dominante, mas que não possuem necessariamente a tônica na dominante. No exemplo abaixo, foram utilizados na harmonização das notas cromáticas os seguintes acordes: B°, Db7(9), Db7(#9), D°, E, F, Aaum, G, G#°

G(11), C#aum:

EXEMPLO127

Obs.: Enarmônicos foram utilizados.

A partir da escolha de uma determinada escala de acorde, além dos acordes pertencentes ao campo harmônico desta escala, podemos também harmonizá-la com acordes de outras escalas, mas de mesma função harmônica tonal. Veja abaixo a seguinte linha melódica construída a partir de Sol lócrio b4 (Láb menor melódico) harmonizada com os acordes G#°, G, E, F, G7, Db7(9):

EXEMPLO128

85 O acorde I7M na tonalidade de Dó maior resulta no acorde-base CM7. Como foi visto, o modo utilizado é o lídio em Dó (escala de Sol Maior). O procedimento é o mesmo: harmonizamos com as notas ou acordes da escala de sol Maior, não deixando faltar a terça do acorde, para que ele não perca sua sonoridade característica:

EXEMPLO129

O exemplo a seguir apresenta a aplicação do pensamento horizontal em uma rearmonização. A partir de uma determinada progressão harmônica, construímos uma progressão fundamentada nas escalas de acordes elegidas. Neste caso, para o acorde ii7 utilizamos o modo dórico, para o acorde V7 o modo lócrio b4 e para o acorde I7M o modo lídio:

EXEMPLO130

Optou-se por utilizar tétrades harmônicas na substituição dos acordes (com exceção do acorde C). Conforme visto anteriormente, tríades também podem ser utilizadas, além de quaisquer combinações sonoras associadas à escala de acorde, desde que não descaracterizem o acorde-base do qual essa escala é construída.

Na tonalidade menor o princípio é o mesmo. Abaixo segue um exemplo de harmonização na tonalidade menor utilizando o modo lócrio M2 no grau ii7(E), o modo frígio no grau V7 (A7), e o modo eólio grau i (Dm7):

EXEMPLO131

86 O exemplo 131 utiliza um procedimento similar ao exemplo 130. Porém o grupo de notas harmônicas, em algumas situações, não apresentou a quinta do acorde (ver, por exemplo, o acorde C7 utilizado como substituto do acorde-baseE). Alguns acordes substitutos do acorde-base A7 também não apresentam a quinta ou sétima.

O objetivo, nesta situação, foi evitar a nota Ré (ver os acordes E e Gm7), uma vez que essa nota é a quarta justa do acorde-base e, portanto, nota de aproximação.

O pensamento horizontal possibilita diversas formas de aplicação. Podemos criar novas progressões harmônicas a partir de uma harmonia-base pré-estabelecida. Enquanto um instrumento harmônico (violão, piano, guitarra etc.) firma a harmonia-base, por exemplo, outro instrumento harmônico pode realizar substituições de acordes de acordo com as escalas elegidas, possibilitando, assim, novas sonoridades. Pode-se também rearmonizar a partir da própria melodia de uma canção, buscando construir um arranjo instrumental, ou ainda acompanhar a melodia criando “melodias harmônicas” que irão atuar em conjunto com a melodia da canção. Neste caso, a relação musical entre ambas as melodias deve ser considerada. É o que abordaremos a seguir.

MELODIADACANÇÃOVERSUSMELODIAHARMÔNICA

Ao rearmonizarmos uma determinada canção, devemos levar em consideração a relação de sua melodia com a melodia originada através da nota mais aguda de cada acorde substituto. O princípio abordado no subcapítulo “Relação melodia-harmonia” (ver capítulo II) entra em vigor aqui: a correspondência entre a nota mais aguda do acorde, ou de suas notas de tensão, com os pontos harmônicos da melodia da canção (geralmente notas de valor rítmico longo ou notas presentes nos tempos fortes do compasso).

A rearmonização abaixo (atirei o pau no gato) apresenta novas notas de tensão e uma movimentação harmônica que possibilita a criação de uma melodia linear na voz soprano dos acordes. Tal melodia atua em contraponto com a melodia da canção:

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Faixa 13

REARMONIZAÇÃO7

Atirei o pau no gato

Clique na partitura para acessar a faixa 13

EXEMPLO132

Observe a relação contrapontística entre a voz soprano dos acordes e a melodia da canção19:

Relação entre a voz soprano dos acordes e a melodia da canção

EXEMPLO133

19 Algumas notas foram modificadas enarmonicamente para melhor facilitar suas relações intervalares com a melodia da canção.

88 A relação intervalar entre a voz soprano da harmonia e os pontos harmônicos da melodia priorizou intervalos de 3ª, 4º e 5ª (o violão soa uma oitava abaixo da nota escrita). A harmonização soa, portanto, suave e a linearidade da voz soprano proporciona um contraponto descendente com a melodia. Veja, no exemplo 132, que as vozes intermediárias dos acordes também se movimentam de maneira mais linear, considerando, é claro, as possibilidades idiomáticas do instrumento. A escolha de uma nota de tensão próxima a nota localizada no ponto harmônico da melodia da canção (como o intervalo de segunda menor, por exemplo) poderá gerar um efeito extremamente dissonante e, talvez, indesejado em um dado contexto harmônico, conforme evidenciado no exemplo a seguir:

(a)

(b)

EXEMPLO134

Vejam, no exemplo (a), que a escolha do acorde A7(139 ) implica em um choque de segunda menor entre a voz soprano do acorde e a melodia da canção. Mesmo que nota Sol (ponto harmônico da melodia da canção) configure como a sétima deste acorde, a dissonância gerada entre ambas as notas não é aliviada. Ao dispormos a nota Fá# uma oitava abaixo, como no acorde A7(13) presente no exemplo (b), o intervalo de nona menor originado entre a tensão harmônica e a melodia da canção não possibilita, também, uma harmonização mais suave. Contudo, em muitas situações, não há problema em gerar tais tensões (principalmente em arranjos instrumentais). Acompanhamentos ao canto, porém, demandam um maior cuidado, uma vez que o cantor poderá perder a referência harmônica que dá suporte ao seu canto.

Tensões que carregam intervalos dissonantes (principalmente a segunda menor) com a melodia de uma determinada canção são proibidas se desejamos uma

89 harmonização mais suave? A resposta é não. Há diversas situações em que estes intervalos podem configurar entre os acordes substitutos e os pontos harmônicos da melodia de uma canção. Uma dessas situações é quando tais intervalos aparecem como notas de passagem ou apojaturas (ver capítulo V). Para exemplificar, veja a rearmonização 8 construída sobre a canção Terezinha de Jesus:

Faixa 14

REARMONIZAÇÃO8

Clique na rearmonização para acessar a faixa 14

EXEMPLO135

A rearmonização acima utiliza acordes do campo harmônico de Ré eólio (com uma incursão do acorde B°, presente no modo Ré dórico) sobre o acorde-base de função tônica Dm7 (compassos 1-3). A melodia gerada pela nota soprano da movimentação harmônica cria um contraponto com a melodia da canção, apresentando um contorno ascendente (compassos 1-3) seguido por um salto de oitava (terceiro tempo do compasso 3 para o primeiro tempo do compasso 4), possibilitando a continuidade melódica em uma tessitura sonora mais característica do violão. Veja abaixo, a relação intervalar da melodia da canção com a voz soprano dos acordes substitutos:

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EXEMPLO136

As relações intervalares entre ambas as melodias priorizaram intervalos de Uníssono, 3ª, 4ª e 5ª e 6ª (violão soa uma oitava abaixo). Apesar de carregarem uma dissonância forte, intervalos de segunda maior também são frequentemente utilizados. A presença do intervalo de segunda menor no segundo tempo do quarto compasso não quebra a suavidade da harmonização. A tensões harmônicas apresentadas pelo violão (notas descendentes Sol, Fá# e Fá presentes no compasso 4) atuam como notas de passagem. As funções melódicas (nota de passagem, apojatura, bordadura etc.) podem ocorrer tanto na melodia da canção quanto na melodia gerada pela voz soprano dos acordes substitutos (tais funções serão mais profundamente tratadas no capítulo V).

Outra situação em que presenciamos a presença de uma segunda menor encontra-se no terceiro tempo do primeiro compasso, onde a nota Fá da melodia da canção é apresentada sobre o acorde Am/D (ver exemplo 135), ocasionando um choque entre esta nota e a quinta do acorde (nota Mi). Neste exemplo, tal choque não quebra a suavidade da rearmonização. Dois são os motivos: (a) sonoramente, a nota Fá se inclui no acorde transformando-o em acorde de Dm7(9); e (b) os acordes atuam como “acordes de passagem” criando um sentido de resolução entre um acorde e outro.

No compasso 6 do exemplo 135 vemos o emprego de uma nota evitada (4ª justa) em relação ao acorde substituto: o Sib da melodia da canção é executado sobre o acorde FM7(9). Ocorre aqui a mesma situação relatada anteriormente. A nota melódica Sib atua como uma apojatura que resolve na nota Lá (quinta justa do acorde Dm7). Neste exemplo em específico, o acorde FM7(9) atua como substituto da tônica da tonalidade. Outro fator relevante nessa rearmonização é a presença do acorde C7(13) como substituto com função subdominante (substituto do acorde-base Gm7). Dois pontos de vista podem ser mencionados que justificam a utilização deste acorde: (a) trata-se de um acorde presente no campo harmônico da escala de

91 Sol menor melódico, escala de acorde utilizada para harmonizar sobre o acorde-base Gm7; e (b) conforme veremos no capítulo a seguir, este acorde também pode ser interpretado como uma dominante secundária que resolve na tônica secundária FM7(9) (maiores detalhes no capítulo IV).

Até o momento, vimos que o critério, tanto da escolha dos acordes substitutos, quanto das tensões harmônicas que tais acordes irão carregar, está diretamente relacionado a: (a) escala do acorde-base; (b) intenção melódica da voz soprano e (c) relação intervalar com a melodia da canção. O movimento linear é desejável, tanto nas vozes externas (soprano e baixo) quanto nas vozes internas dos acordes substitutos. Indubitavelmente, a movimentação das vozes dos acordes estará subordinada ao idioma do instrumento harmônico ou da formação instrumental utilizada.

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