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Ilustraçao 35 Loja online da FPV

3.3 A ARTE AFRO-BRASILEIRA NA HISTÓRIA DA ARTE BRASILEIRA

Devemos aos africanos, e aos seus descendentes em nosso país, importante contribuição artística desde o período colonial aos dias atuais, através de um patrimônio material e imaterial que, em muitos momentos, foi forjado e proibido de ser manifestado, e em outros, enaltecido e valorizado, quer pelo talento das mãos e mentes negras, quer pelo tema que o negro sempre gerou no imaginário brasileiro, o que não seria diferente na História da Arte oficial.

Para Araujo e Moura (1994, p. 43), “Poucos países incluídos na diáspora africana têm a história de suas artes tão marcada por homens de etnia negra” como o Brasil. E o destaque africano perante a superioridade europeia no período colonial ocorre sob diversos aspectos, como no domínio dos metais, através da fundição, igualmente na ourivesaria, na medicina, na mortuária, e em tantos outros setores da criação e produção humana, o que fez com que o europeu percebesse a capacidade e a inteligência dos africanos, colocando à prova o mito de que estes não detinham conhecimento ou domínio quanto às habilidades e tecnologias de ponta da época. Apesar desta constatação, os europeus continuaram com seus métodos de exploração africana e com o sistema escravista para justificar a expansão colonial.

A fundição dos metais, tecnologia que os africanos possuíam, era proibida no Brasil pelos afro-brasileiros, bem como outras atividades artesanais e artísticas que não fossem a serviço da Igreja, apesar de alguns africanos e seus descendentes conseguirem permanecer em ofícios como ourives e joalheiros com as técnicas trazidas da África. Dentre as habilidades artísticas do africano no Brasil, destaca-se a escultórica através da intimidade com a madeira, reverberando no feitio da arte afro-brasileira ligada a tridimensionalidade nas igrejas barrocas e nos ex-votos. Para Rodrigues (1976), na escultura, os negros revelam com segurança e apuro sua capacidade artística, comprovada em presunções indutivas como no testemunho de fatos e documentos. Igualmente, destacam-se a pintura dos tetos das igrejas e da estatuária no período colonial.

Cunha (1983, p. 982) afirma que a arte escultórica de Ifé e Nok21, com tradição aproximada de dois mil e quinhentos anos, prolongou-se de maneira distinta na expressão afro-brasileira. Apesar de estudiosos duvidarem da origem desses povos, que poderiam ter vindo do Egito e até da Grécia, há outros que acreditam tratar-se de povos da realidade negro-

africana assimilada pela civilização egípcia. Vê-se a insistência de pesquisadores favoráveis a teorias raciais em subjugar o domínio da tecnologia negro-africana, tentando delegar a procedência dessa habilidade a povos de outras origens.

A arte afro-brasileira dá seus primeiros passos desde a vinda dos africanos ao Brasil no século XV, quando foram escravizados. No entanto, temos pouca documentação e obras desse período, pois muitos africanos e afrodescendentes eram impedidos de manifestar suas expressões artísticas, culturais e religiosas. Realizadas pelos africanos e seus descendentes no período barroco22, encontram-se principalmente esculturas de anjos com traços mestiços e a pintura nas igrejas, realizadas numa época em que a produção da arte era uma atividade vista como inferior e depreciativa no mundo aristocrático que o Brasil vivia.

Cunha (1983) afirma que o negro contribuiu de modo definitivo na desvinculação das artes plásticas brasileiras de sua tutela portuguesa, quando assumem características próprias que as definem nos séculos XVII e XVIII, no período barroco. Como salienta Viana (2008, p. 55), surge “um barroco de estrutura européia [sic] marcado pela expressividade africana”, pois, os africanos e seus descendentes tiveram acesso à produção artística nas igrejas e a produção se dava na coletividade, com os ajudantes auxiliando o mestre. Mesmo com a inegável participação do negro na arte barroca, Marques (1988) afirma que, como toda cultura corporativa, o barroco brasileiro igualmente possuía estruturas rigorosas de hierarquias, com linhagens de mestres sucedendo-se sem o devido reconhecimento do artista quanto à sua competência espiritual, conferida ao homem de Letras, como na Renascença.

Tratava-se de uma época em que os ofícios – incluindo a arte – eram menosprezados pelos senhores brancos e seus filhos, relegando ao povo – neste caso, prioritariamente negros e mestiços – essa prática, o que fez com que a arte barroca ganhasse características tipicamente brasileiras e africanas. Para Pinacoteca do Estado de São Paulo (1997, s/ p.) “[...] esta significativa presença africana nas artes brasileiras até um período tão tardio viria sem dúvida marcar de modo definitivo a nossa identidade, por um estranho retorno sobre as próprias matrizes africanas que nela se imbricam”.

Artistas destacaram-se em distintas regiões do Brasil, porém, com dados imprecisos quanto à história de suas biografias, bem como à autoria de seus trabalhos, como Francisco

22 Para Strickland (2004), a arte barroca uniu a técnica avançada da Renascença com a emoção, a intensidade e a dramaticidade do Maneirismo, tornando-se o estilo mais suntuoso e ornamentado na história da arte. O estilo barroco surgiu no final do século XVI e meados do século XVIII, inicialmente na Itália, em resposta a Reforma promovida por Martinho Lutero. No Brasil, trazida pelos portugueses, sofre modificações consideráveis e ganha aspectos abrasileirados, como traços nos rostos de anjos e figuras humanas que remetem ao fenótipo do negro, por conta da participação de negros e mestiços na execução da arte barroca.

das Chagas, o Cabra, e Manoel Inácio da Costa, na Bahia, Francisco Xavier de Brito e Francisco Vieira Servas, em Minas Gerais, bem como Inácio Ferreira Pinto no Rio de Janeiro. Grandes artistas que projetaram a maestria de seu trabalho na arte brasileira, reconhecidamente alvos de maior profundidade em estudos a seu respeito - não numerosos, mas qualitativos – foram o Aleijadinho e Mestre Valentim. Para Oliveira (1988), todos os artistas supracitados - negros e representantes de uma cultura moldada por parâmetros europeus, essencialmente portugueses em suas origens - possuem em comum, raízes profundas no imaginário do povo brasileiro, de sentido identitário nacional, o que justifica esta notoriedade para além da História da Arte brasileira.

Antônio Francisco Lisboa (c.1738-1814), o Aleijadinho, escultor e arquiteto do Estado de Minas Gerais, considerado um grande artista numa época em que poucos se destacavam, principalmente tratando-se de afro-brasileiros, e que para alguns estudiosos é considerado o maior artista da arte colonial do Brasil e o maior artista barroco das Américas, deu toque particular nos trabalhos que produziu e nas igrejas que projetou com destaque para entalhes em madeira nas portas, além dos traços negros conferidos aos santos e anjos.

Ilustração 1: Anjo-Atlante, Igreja do Carmo de Sabará, MG, Séc.

XVIII, Aleijadinho

Valentim da Fonseca e Silva (c. 1745-1813), o Mestre Valentim, foi um artista nascido em Minas Gerais e exerceu as profissões de escultor, entalhador e urbanista no Estado do Rio de Janeiro, lugar que escolheu para morar e deixar o seu legado artístico.

Embora os dois artistas tenham nascido em Minas Gerais, Aleijadinho nunca saiu do Estado, enquanto Valentim passou boa parte da infância e adolescência em Portugal. Isso veio a influenciar definitivamente suas produções artísticas. Para Oliveira (1988), na arte de Aleijadinho as inovações ganham maior projeção e efeito duradouro, pela condição autodidata, além da ajuda do pai, famoso arquiteto e mestre de obras, e também pelo fato de nunca ter saído de Minas Gerais, ao passo que Valentim sofre forte influência por conta do longo contato com Portugal, de tradições artísticas sedimentadas por dois séculos de colonização.

Aleijadinho teve sua vasta produção marcadamente de natureza religiosa, enquanto Valentim realizou trabalhos, igualmente de cunho religioso, mas também de natureza civil e urbana. Aleijadinho ganhou mais destaque na arquitetura devido ao maior número de feitos realizados, citando dois projetos importantes em igrejas, o da Ordem Terceira de São Francisco de Assis de Ouro Preto e o da homônima de São João del Rei. Valentim realizou obras que hoje fazem parte da área do urbanismo paisagístico e equipamentos urbanos, como chafarizes e o Passeio Público do Rio de Janeiro, que, segundo Oliveira (1988, p. 65), “seria suficiente à notoriedade póstuma de Valentim, ainda que nada mais tivesse ele realizado em toda sua carreira artística”.

Para Oliveira (1988), os anjos realizados por Valentim (apenas quatro) possuem traços essencialmente portugueses, os de Aleijadinho (cerca de oitenta) possuem traços fisionômicos abrasileirados, remetendo-nos ao fenótipo do negro e do mestiço. Segundo o autor, Aleijadinho, aproxima-se de traços elaborados pelo rococó23 germânico, visto que as referências do artista eram de imagens obtidas de livros. No que tange às tendências artísticas, para o autor, ambos transitaram entre o barroco e o rococó, variando conforme a produção, assimilando características do estilo rococó, já em vigência na Europa, advindo de um barroco que persiste em vigorar no Brasil.

23 Segundo Strickland (2004), o Rococó deriva de rocaille, referente a conchas e seixos que ornamentam grotas e fontes. Surgiu como um estilo de decoração de interiores, com cunho não-funcional, destacando a ornamentação delicada e curvilínea em mobílias, pisos, roupas, louças, carruagens, entre outros .

Igualmente importante temos o mineiro Manoel da Costa Ataíde, o Mestre Ataíde (1762-1830) realizando pinturas com perspectiva nos tetos das igrejas. Segundo Valladares (1998), entre suas obras destacam-se o forro da nave de São Francisco de Assis de Ouro Preto e a nave do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos de Congonhas do Campo, sendo o primeiro considerado o exemplo majestoso do acervo pictórico do barroco brasileiro.

Fonte: <http://www.descubraminas.com.br/Turismo/DestinoAtrativoDetalhe.aspx? cod_destino=2&cod_atrativo=2>. Acesso em: 12 fev. 2012.

Segundo Cunha (1983), o negro contribuiu de forma cabal na desvinculação das artes plásticas brasileiras da arte portuguesa, assumindo características próprias com notável influência do elemento africano desde o período barroco, arte a serviço da Igreja. Apesar de passados quase trinta anos do texto de Cunha, é atual sua afirmação de que “não se tem insistido bastante ou explorado com a devida profundidade toda a diversificação e extensão do elemento africano na cultura material brasileira” (CUNHA, 1983, p. 990), o que nos faz crer que há um vasto campo para pesquisa nesta área ainda a ser realizada.

O período barroco constituiu uma época em que a arte esteve muito próxima das camadas populares e no qual negros e mestiços tiveram contato direto com a arte. No entanto, paulatinamente ocorreu um declínio desta participação, com a vinda dos artistas europeus que compunham a Missão Artística Francesa para o Brasil, em 1816. A arte feita pelo povo passa

Ilustração 2: Forro da Nave de São Francisco de Assis, 1774, de Manoel da Costa Ataíde

a ser desvalorizada, bem como sua participação deixa de ter destaque, e o acesso à arte legitimada torna-se restrito às elites brasileira e portuguesa.

No período compreendido entre o fim do barroco e os anos 1930 e 1940 do século XX, há pouca atividade afro-brasileira no sistema legitimador de arte, pois compreende o período acadêmico e a arte vigente pelo sistema de arte não está ao alcance das camadas populares. Alguns artistas negros conseguiram transpor as barreiras da indiferença e da hostilidade na Academia Imperial de Belas Artes, um ambiente que preconizava a arte acadêmica, com cânones rígidos em suas normas e regras, totalmente distintos dos vigentes e produzidos pela arte até então.

Com a Missão Artística Francesa, vinda para o Brasil por conta da transferência de D. João VI, rei de Portugal, para a Colônia brasileira, surge o Academicismo, ou Neoclassicismo24, como estilo de arte vigente e a arte deixa de abordar temas vinculados à Igreja. Segundo Araujo (2010), com a normatização do ensino das artes, a Academia Imperial de Belas Artes - que teve sua instalação definitiva em 1826 - começa a definir critérios baseados no talento artístico de cada um, reconhecendo a obra e o autor, substituindo a antiga prática coletiva na elaboração e produção da arte. Alguns artistas negros conseguiram chegar à Academia, sofrendo preconceitos e injustiças quanto ao seu mérito como artistas acadêmicos, além das dificuldades para a maioria que esbarravam em fatores econômicos, no entanto, em outros espaços os negros continuaram suas atividades artísticas.

Para Marques (1988), é uma fase da qual resta pouco da criatividade espontânea do artista brasileiro e que até o mandato de Manuel de Araújo Porto-Alegre, em meados do século XIX, pautou-se por uma “necessidade de elevar o nível cultural do ambiente” (MARQUES, 1998, p. 134), exigindo a formação dos artistas e a execução da arte, paralela aos moldes das escolas europeias. Para o autor, a Academia Imperial de Belas Artes exerceu uma relação dualista e contraditória com os artistas negros e mestiços, ora posicionando-se como uma barreira, dificultando consideravelmente o acesso à condição de artista, ora servindo como veículo de ascensão social, proporcionando ao negro recém saído da condição de trabalhador escravo o estatuto de trabalhador intelectual em uma sociedade prioritariamente segregacionista em sua divisão do trabalho.

24 Segundo Proença (2005), Academicismo é a retomada de características artísticas e estéticas da cultura clássica greco-romana e Neoclassicismo vem do fato das concepções clássicas tornarem-se a base para o ensino nas academias, as escolas de belas-artes mantidas pelos governos europeus.

Na área da comunicação visual, os irmãos Amaral (Crispim, Manoel e Amaro) e Alexandre Eulálio ganham destaque na caricatura, remontando a uma tradição entre os negros do início do século XVII, com João Pedro, o Mulato, na região compreendida entre “Coritiba e Nossa Senhora do Desterro” (MARQUES, 1988, p. 138), com suas instigantes crônicas visuais. Crispim do Amaral (1858-1911) destaca-se também pelo desenho da fachada do Teatro Amazonas (1894-1896) em Manaus, que consiste em uma obra de estilo neoclássico de alto valor.

Na Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro surgem grandes artistas negros como os irmãos Timótheo da Costa (João, 1879-1932 e Arthur, 1882-1922), Estevão Roberto da Silva (1844-1891), considerado por Marques (1988) o maior pintor de frutas e naturezas-mortas, Antônio Rafael Pinto Bandeira (1863-1896), Horácio Hora (1853-1890), Antônio Firmino Monteiro (1855-1888), Rafael Frederico (1856-1936), Emmanuel Zamor (1840-1917), Benedito José Tobias (1894-1963) e, por fim, o escultor Francisco Manuel Chaves Pinheiro (1822-1884). Segundo Amaral (2010), Estevão Roberto da Silva e Antônio Rafael Pinto Bandeira não receberam a premiação merecida da Academia por discriminação, o que fez com que o segundo cometesse suicídio aos 33 anos de idade, não suportando a ideia de seu trabalho não ser reconhecido por sua condição étnico-racial.

Ilustração 3: Retrato de mulher, Década de 1930, Óleo sobre Madeira, de Benedito José Tobias

Muitos artistas negros destacaram-se na arte oitocentista, necessitando, ainda, de maiores estudos de suas vidas e seus respectivos trabalhos, que nos trazem a convicção de que a arte acadêmica brasileira foi muito bem representada pelos negros que conseguiram superar os entraves sociais e raciais da época, deixando um legado pós-barroco de suas produções artísticas. Segundo Marques (1988), se fosse preciso sintetizar de forma extremista o maior contributo destes artistas para o imaginário pictórico do Brasil, certamente seriam os nomes dos irmãos Timótheo da Costa, Estevão da Silva e Pinto Bandeira, residindo neles o maior sentido da presença negra na pintura brasileira.

Com a vinda dos imigrantes europeus no fim do século XIX, a mão-de-obra afro- brasileira torna-se desprezada, fazendo com que o negro vivesse em um constante desafio para afirmar-se “como elemento integrante e criador da cultura e civilização brasileiras” (CUNHA, 1983). Não obstante, o negro continuou realizando seus trabalhos de artista-artesão buscando ter seus feitos valorizados, exercendo-os com virtuosismo, em contraponto aos desmandos de grupos que negavam sua obra, delegando os créditos aos europeus ou até mesmo aos indígenas brasileiros.

Outra expressão realizada fortemente pelos negros são os ex-votos, constituindo-se de pinturas, desenhos, e no Brasil mais acentuadamente de esculturas em madeira ou feitas de outros materiais, representando partes do corpo debilitadas, especialmente a cabeça, cuja pessoa doente ou um parente do morto encomendava a um artista como forma de agradecimento a alguma graça alcançada, um milagre ou para o descanso do ente querido falecido. Apesar de esta prática estar inserida na tradição católica, não pode ser considerada arte religiosa, muito menos arte católica (MUSEU OSCAR NIEMEYER, 2004), pois remete ao mundo mágico pelo seu uso, mesclando culturas como fenômeno de arte e de tradição afro- brasileira pela sua origem. Segundo Morais (2003, p. 68) “voto e ex-voto são práticas universais que se perdem na memória do tempo”, ligando o homem ao divino ou aos seus agentes terrenos como os santos católicos ou os orixás do Candomblé, nos quais o “voto antecipa a graça e (o) ex-voto agradece o milagre alcançado”. Nesta miscigenação de elementos religiosos, de matrizes branca e africana, as pessoas enfermas e seus familiares ligam-se ao transcendental como forma de crença na cura. Para Lody (2005), “os ex-votos como arte e manifestação mítico-mágico-religiosa permanecem uma temática aberta a novas investigações”, o que confere a necessidade de estudos mais aprofundados nesta área.

Ilustração 4: Ex-votos

Fonte: < http://www.museuafrobrasil.org.br>. Acesso em 12/02/2012.

A arte e a estética também estiveram presentes nas manifestações religiosas de matrizes africanas, como nos terreiros de Candomblé, Xangô, Mina e Tambor, que foram por muito tempo, proibidas e reprimidas em nosso país. Por conta de tais ações, os africanos e seus descendentes tiveram que reinventar suas simbologias religiosas, muitas vezes externando sentimentos e proferindo crenças que não condiziam com suas práticas e concepções religiosas originais. Segundo Conduru (2007), houve múltiplas formas de resistência, e as transformações ocasionaram adaptações, persistência e modificações nas práticas religiosas, e por consequência, na cultura material e na arte. Em muitos casos, o acesso aos elementos simbólicos que compõem os espaços das religiões afro-brasileiras é negado aos que não fazem parte do credo, o que para Conduru (2007, p. 31), “a plasticidade nunca está dissociada do rito e da vivência”.

Artefatos simbólicos estão presentes nessas religiões na forma de imagens de divindades que mesclam santos católicos com deuses africanos, que ganham a condição de orixás. Para Conduru (2007), a indumentária dos religiosos que personificam os orixás, bem como as baianas com seus vestidos e saias brancas, os colares e adereços, sinalizam influências de outras culturas, como de indígenas, ciganos e orientais. Os altares e a disposição dos elementos que fazem parte dos rituais, próprias do espaço religioso interno, bem como os elementos que de modo discreto são dispostos nos espaços externos aos terreiros, constituem uma estética que marcadamente denota a criatividade e uma ética que persiste na religiosidade.

Ilustração 5: Quarto do Ariaxé, Altar de Mãe Filhinha, Cachoeira, Bahia, s/d, Fotografia

Fonte: ARAUJO (2006)

Numa época em que a repressão e as perseguições policiais eram intensas quanto às manifestações afro-religiosas, acontece a Semana de Arte Moderna, ocorrida em 1922, na qual se pôde observar uma arte fervorosa em retomar as origens, com artistas que vão beber na fonte europeia os acontecimentos atuais na arte, rompendo com a estética acadêmica e transmutando em características brasileiras o que consumiram na Europa. Nessa época

ressurge o interesse em estudar a presença negra no Brasil, fazendo eclodir o reaparecimento de artistas e temas negros a partir da década de 1930 (CUNHA, 1983). Surgem artistas como Tarsila do Amaral, Emiliano Di Cavalcanti e Lasar Segall, com temas que remetiam ao negro e ao seu universo mítico.

Destacamos Heitor dos Prazeres (1898-1966), expoente importante na referida arte

naïf, que tinha esta denominação de conotação depreciativa, designando a arte “primitiva” realizada por artistas autodidatas que não utilizam as convenções acadêmicas da arte. Sua característica inconfundível são os personagens de suas obras na ponta dos pés, revelando leveza e simplicidade em atividades corriqueiras da vida cotidiana, bem como representava-os com o corpo virado para frente e a cabeça para o lado.

Ilustração 6: Sem Título, 1964,

Óleo sobre Tela, de Heitor dos Prazeres.

Agnaldo Manoel dos Santos (1926-1962), artista aprendiz de Mário Cravo Júnior (1923) conquistou o domínio sobre a escultura por ter sido lenhador, inspirado na obra do seu mestre, em fotografias sobre arte africana e nos ex-votos trazidos por Pierre Verger (Salum, 2000). Teve forte influência africana, mas soube criar seu próprio estilo com traços rudes e precisos, mesclando uma busca aos antepassados e uma constante permanência na