• Nenhum resultado encontrado

Pelas disposições discursivas e pelas formas de atuação e intervenção propositivas dos coletivos e movimentos culturais mapeados, pela leitura de autores contemporâneos sobre as experiências musicais dos ouvintes de funk e do rap, e pela consideração do caráter interventivo de projetos socioeducativos e culturais, pôde-se identificar que, apesar das evidentes especificidades e finalidades quanto às suas respectivas formas de relação com a arte e com a cultura, em todas essas esferas busca-se, cada qual à sua maneira, responder às problemáticas estruturais de desigualdades, invisibilidade, discriminação e exclusão social das comunidades periféricas e que, dentre os diferentes modos de enfrentamento dessa realidade hostil (da crítica

social à ostentação estereotipada), tanto os coletivos e movimentos culturais como essas produções musicais buscam por meio da arte e da cultura criar espaços para a socialização, para a democratização dos bens culturais, para a exultação do próprio repertório local, para a construção da auto estima comunitária e individual; também, buscam desconstruir preconceitos e estereótipos sociais, prover condições para a expressividade e criatividade, para a denúncia, reflexão e crítica social, para garantia dos direitos universais não garantidos às populações das periferias. É evidente como as produções e intervenções artísticas e culturais, e suas práticas educativas correspondentes, convergem com fins específicos da luta social, principalmente no que diz respeito à luta por reconhecimento e à resiliência: a arte enquanto função social e política.

A arte e a cultura, pela sua potencialidade expressiva e de oposição ao todo social, são campos de conhecimento favoráveis para se produzir maior visibilidade, valorização e respeito tanto às causas sociais desses grupos, como aos repertórios estéticos e culturais específicos dessas comunidades (GOHN, 2009; 2015) de modo a se fazer oposição ao discurso dominante e, assim sendo, à “história única”, que inviabiliza a formação de uma intersubjetividade por meio da qual seja possível “[...] reconhecer-se reciprocamente como pessoa de direito” (HONNETH, 2003, p.138), havendo, pois, pouca “[...] possibilidade duma relação entre iguais” (ADICHIE, 2009), semelhante à arte engajada.

Antagônicos às determinações sociais opressoras e excludentes, esses grupos buscam desconstruir o estigma e a invisibilidade social projetados sobre as periferias justamente pelo evidenciamento artístico do seu repertório cultural, por meio da qual fazem críticas e denúncias sociais acerca de conteúdos temáticos legítimos, como também buscam dar visibilidade às suas potencialidades comunitárias, convergindo a um processo de formação de uma identidade cultural independente da periferia. Isso de modo que a arte e a cultura são consideradas, sobretudo, por um tipo de compreensão que elege enfaticamente a sua potencialidade política social, cujos conteúdos estéticos podem manifestar imediatamente as suas intenções. Dentre essas, o evidenciamento valorativo de um conjunto de características (étnicos raciais, de gênero, da cultura popular, da história e da memória, por exemplo) socialmente hostilizadas e que, como forma de enfrentamento social, essas são condensadas em um novo produto: a identidade de “ser periférico”. Sendo assim, as práticas interventivas e educativas artísticas e culturais, a identidade de ser da periferia e a arte engajada encontram-se afiliadas.

O processo da formação identitária se constitui por meio de relações grupais nas quais seus membros se reconhecem, se sentem representados, resguardados e fortalecidos por essa coletividade, compartilhando com os demais algo em comum. No tocante ao contexto territorial do presente estudo, as comunidades periféricas compartilham entre si as realidades determinadas de desigualdades sociais, de invisibilidade e exclusão social. Essas problemáticas sociais se encontram historicamente vinculadas ao fator étnico racial, sendo as periferias onde se concentram as maiores densidades de pessoas afrodescendentes na cidade de São Paulo (IBGE, 2010 apud CEERT, 2015); isso, por sua vez, se articula com a história e com a memória do genocídio negro desde os tempos da escravidão, e também com a história de resistência dos quilombos e com a herança cultural e religiosa de matrizes africanas. São repertórios bastante evidenciados na divulgação de parte dos coletivos e movimentos mapeados, bem como da cultura hip hop, cujos conteúdos estéticos, somados às peculiaridades desses territórios, transvestiram-se fortemente em uma identidade da cultura popular periférica de modo que por sua visibilidade, valorização e reconhecimento, as próprias pessoas que lá residem também o sejam, uma vez que essa identidade, em tese, os compreende e os representa. Estabelece-se, assim, nessa relação disposta entre arte, cultura e luta social, uma mobilização identitária ativa e positivada de “ser periférico”, tal como foi constatado por Tommasi:

O “fazer por nós mesmos” em vez de esperar que o poder público supra a falta de equipamentos e de serviços culturais que caracterizam os bairros de periferia; a ideia de resgate, a valorização da identidade territorial periférica; a afirmação da autonomia, que se expressa também, às vezes, na recusa a se submeter à normatização implícita nos editais, a denúncia das condições precárias dos serviços públicos da região, o tema do desemprego sempre presente, do trabalho precário, da exploração, são conteúdos importantes da produção cultural periférica paulista. Expressões como “o mundo é diferente da ponte para cá” (a ponte é a que cruza a marginal, na zona sul da cidade), ou “periferia é periferia em qualquer lugar”, extraídas das letras dos Racionais Mc’s, são paradigmáticas dessa postura política. Afirmar com orgulho de “ser da periferia” é uma experiência inédita. Nesse sentido, ser ou não da periferia é um dado fundamental que legitima a fala. [...] O acionamento identitário dos artistas periféricos paulistas opera uma afirmação política enquanto reivindicação do pertencimento territorial a uma periferia simbolicamente unificada como alteridade, contraposta ao centro dominante; apela para o reconhecimento político de uma alteridade positivada. Representa, como eles dizem, um “ato de resistência”. (TOMMASI, 2013, p.26)

Os processos identitários das periferias, mais especificamente, ocorrem no cotidiano dos bailes funks, nos grupos musicais de rap, na cultura hip hop, na aparição exponencial de DJ’s e MC’s provindos das favelas, dos morros e das quebradas; na própria formação grupal dos movimentos e coletivos artísticos e culturais das periferias, nas gírias e modismos locais, nas tendências estilísticas de denúncia social e também por meio das práticas educativas propostas por projetos sociais comunitários, entre outros, além do próprio núcleo familiar, religioso etc. Dinamismos que aparecem conjuntamente atrelados aos dispositivos modernos de meio de comunicação, como as tecnologias de audiovisual e a própria internet (websites e redes sociais), bem como estruturam-se, por exemplo, nas propostas informais que visam à integração comunitária por meio da poesia de rua nos saraus culturais, onde todos têm o direito para suas declamações no modelo “microfone aberto”. No entanto, concomitantemente a isso, ao determinar uma estética particular identitária independente da cultura dominante, corre-se o risco de, contraditoriamente, converter-se a esta última e reproduzi-la pelo tipo de relação estabelecida com a arte (como produção cultural) e pelo tipo de relações grupais correspondentes.

A formação identitária evidencia, pela necessidade desse tipo de movimento grupal a própria condição do Eu enfraquecido determinado pela estrutura social da dominação, que impedido de autodeterminar-se, recorre às mínimas condições de sobrevivência que mais se aproximariam de um processo de individuação, mas que, na verdade, se limitam à autoconservação. Ao mesmo tempo que a identidade consiste em uma tentativa de diferenciação grupal da sociedade massificada e excludente, esta não se dá pela consciência emancipada, mas sim por ideais exteriores coletivistas-reacionárias (ADORNO, 2006); do mesmo modo, ao buscar se opor ao ajustamento social homogeneizante, ao fazê-lo pela ideia de uma identidade positivada e valorativa, esta mais se vincula a uma contingência de reconhecimento e respeito social mediante a sua aceitação do que pela possibilidade de oposição singular ao todo social, sendo esta última possibilidade de um tensionamento elementar de uma sociedade democrática de fato e de direito. Logo, o dinamismo grupal subjacente à identidade acaba por, paradoxalmente, recair na reprodutibilidade de mecanismos da dominação social: a adaptabilidade, a indiferenciação e a racionalidade administrativa. Impõe sobre o grupo uma representatividade estática e genérica – como na indústria, fixa “cada um no estágio do mero ser genérico” (ADORNO; HORKHEIMER, 2006, p.128) – em detrimento das diferenças qualitativas de cada membro e da condição da autonomia individual para autodeterminar-se dentro desse grupo. Na totalidade da identidade, o

sujeito singular deixa de ser considerado com a devida atenção e respeito. Ou seja, a ênfase recai mais sobre a identidade do que sobre a individuação, convergindo com o domínio do aparato da racionalidade técnica como forma de se administrar os meios de um enfrentamento social. O que significa ser uma forma de resistência grupal contraditória, pois nesta não há uma verdadeira emancipação. Para Adorno, em Cultura y administración:

Las organizaciones tendentes a fines dentro de la sociedad antagónica, han de perseguir necesariamente fines particulares: al precio de los intereses de otros grupos. Por eso se ven obligadas al endurecimiento y la concretización. Si fueran a la baja, de cara a sus miembros y a las pretensiones inmediatas de éstos, siempre de un modo manifiesto, entonces no serían capaces de funcionar (ADORNO, 2004, p.117).

A frágil, ou então, a ausência de compreensão quanto à dialética entre autonomia e dominação, e quanto a tudo a que essa remete, corrobora com a cegueira das boas e legítimas intenções de reconhecimento mútuo, respeito social e autonomia humana dessas, visto que, como se pôde verificar, isso impede a autoconscientização quanto à identificação de mecanismos administrativos, próprios da racionalidade técnica (inerente à razão dominante), presentes na práxis e nas relações estabelecidas entre esses grupos e seus membros e, em decorrência, dá-se a saber uma soberania do universal sobre o particular, situação contrária ao que se propõe a resistência à dominação social pela autonomia e, assim sendo, pela emancipação. Para Adorno:

Numa democracia, quem defende ideais contrários à emancipação, e, portanto, contrários à decisão consciente independente de cada pessoa em particular, é um antidemocrata, até mesmo se as idéias que correspondem a seus desígnios são difundidas no plano formal da democracia. As tendências de apresentação de ideais exteriores que não se originam a partir da própria consciência emancipada, ou melhor, que se legitimam frente a essa consciência, permanecem sendo coletivistas-reacionárias. Elas apontam para uma esfera a que deveríamos nos opor não só exteriormente pela política, mas também em outros planos muito mais profundos (ADORNO, 2006, p.142).

Se mantida a ideia de uma identidade independente mas que funciona com base em uma estrutura das tendências, generalizações e da padronização em prejuízo à possibilidade de uma relação coerente de sentido com as particularidades individuais daqueles que compõem tais grupos e manifestações coletivas, bem como de uma psicologia que se proponha à real

democracia, a substância de sua resistência será mais volátil do que se aparenta ser. Concordante com Adorno:

Su independización se la impone a la organización la autoconservación, mientras que ella simultáneamente se distancia mediante esta independización de sus objetivos y de los seres humanos de los que se compone. Al final entra necesariamente en contradicción con éstos para poder perseguir sus objetivos de un modo adecuado (ADORNO, 2004, p.117).

A dialética entre autonomia e dominação é o aspecto crucial para se pensar sobre a disposição histórica entre o particular e o universal e, deste modo, entre o caráter humano criador e a coisificação humana, ou seja, a própria disposição contraditória inerente à formação do indivíduo pensante enquanto diferenciação autodeterminada da coletividade. Nos levando a nos confrontar com a constatação de que, conforme Crochik (2001, p.20), “como o indivíduo só pode se diferenciar pela introjeção da cultura e essa é contraditória por envolver, em um mesmo movimento, tendências regressivas e emancipatórias, ele só pode se desenvolver mediado por essa contradição”. E se tratando da realidade vigente, a do mundo administrado, não podemos nos furtar quanto aos mecanismos operantes da razão dominante; na verdade, é preciso conscientizar- se quanto à sua perspicácia e alcance subjetivo, não podendo subestimá-los ao que se refere à sua influência na formação da racionalidade reacionária e ativista, a qual pode sucumbir a uma falsa consciência esclarecida e democrática e de forma oculta e subjacente a esta pode estar a operar a racionalidade administrativa. O mesmo pode ocorrer com a arte, a cultura e a educação.

A arte, a cultura e a educação apresentam potencialidades políticas e sociais para a formação do sujeito autônomo, para a formação do pensamento e para a formação cultural, uma vez que essas são campos de forças que reclamam a dimensão do particular contra o universal, seja quando essas dimensões estejam conciliadas entre si, fundamento de uma sociedade democrática operante; seja quando o universal se impõe sobre o singular, irreconciliável a este último, o que caracteriza a ordem da dominação social (ADORNO, 1993, 1995, 2004, 2006). Sendo que, como se pode observar, esta última disposição é incompatível à arte, à cultura e à educação quanto à condição de sua liberdade, espontaneidade, experiência, autenticidade e reflexão crítica, ou seja, sua autonomia.

Por se tratarem de objetos históricos, a necessidade desses campos de saber transformam- se conforme o seu momento social, que, a depender das normas e da racionalidade do todo social,

eles podem passar da esfera do pensamento criador, sensível e crítico para a sua conversão em outra coisa dominada e esvaziada da sua potencialidade de resistência pela autodeterminação. Deste modo, de acordo com Adorno (2004, p.121), “[...] la reproducción de la fuerza de trabajo se sigue del estándar cultural históricamente conseguido en cada caso, no es ninguna categoría natural estática”. No entanto, o risco da compreensão desses conceitos é o de tomá-los de forma dissociada da história e dos seus determinantes sociais, como invariantes fixos, e, portanto, sobrepor essa compreensão à própria práxis possível, em detrimento da consciência crítica quanto à sua real objetividade e consistência, tal como ocorre no esclarecimento positivista (ADORNO; HORKHEIMER, 2006). Em relação a isso, segundo Crochik, “[...] no tocante à formação, não deve unicamente se voltar ao material cultural existente mas também ao tipo de relação que somos obrigados a desenvolver com eles” (ADORNO, 2001, p.30).

Na sociedade vigente, a razão dominante do capitalismo tardio opera por meio da racionalidade administrativa, a qual submete a tudo e a todos à heteronomia, ao sentido de utilidade e ao controle de fábrica (ADORNO, 2004). Nesse contexto, a arte e a cultura são convertidas em forças estéticas produtivas e em bens culturais – da autonomia estética ao entretenimento –, a potencialidade da educação para a formação de indivíduos pensantes é reduzida à pseudoformação, a uma educação domesticada e ideológica, cuja racionalidade, contraditoriamente, passa ser a mesma da racionalidade administrativa: a aptidão a experiências formativas e o pensamento esclarecido como exercício permanente deixam de ser objetivos reais, tornam-se apenas um palavrório mimético desses, fins aparentes. O que representa, neste momento da sociedade regida pelo capital, o domínio dos interesses econômicos, bem como sua irracionalidade adjacente, sobre a humanidade, segundo Adorno (2004, p.121), “[...] frente al beneficio en el sistema total, lo útil en sí, que no fue jamás algo inmediatamente favorable para los seres humanos, se convirtió en algo secundario, arrastrado por la maquinaria”.

Isso pode ser analisado, por exemplo, pelos tipos de organizações grupais e pelas relações nelas estabelecidas, como também, pelo tipo de relação estabelecida com a arte e pela sua consistência estética. Considera-se que, em todas essas dimensões de relações e práxis, a qualidade da relação entre o universal e o particular, entre o todo e a unidade, é mediada por determinantes sociais e psicológicos – sendo que, na verdade, esses são indissociáveis entre si. Para a resistência objetiva da dominação social e do autoritarismo, é preciso não somente ter consciência dos seus aspectos sociológicos mas também conscientizar-se quanto à sua psicologia.

Como propõe Adorno (2006) no tocante à educação após Auschwitz para o esclarecimento crítico, faz-se necessário pensar a realidade de forma a se produzir “[...] um clima intelectual, cultural e social que não permite tal repetição; portanto, um clima em que os motivos que conduziram ao horror tornem-se de algum modo conscientes” (ADORNO, 2006, p.123). Para isso, há a necessidade da própria auto reflexão para se pensar sobre a real coerência de sentido e objetividade da práxis. Questão relativa, por sua vez, ao conhecimento teórico e ao pensamento crítico para que, deste modo, seja desarmado o predomínio da irracionalidade racionalizada na práxis e para que se evite cair no convencimento quanto às realidades ilusórias da transformação social que se pretende atingir. A resistência e a transformação social objetivas não são possíveis sem a formação do Eu e sem o pensamento. Que, de acordo com Adorno:

O mundo, que a razão subjetiva tendencialmente só se limita ainda a reconstruir, na verdade deve ser continuamente transformado conforme sua tendência à expansão econômica e, contudo, sempre permanecendo o que é. O que mexe com isso é amputado do pensar: sobretudo, a teoria que quer algo mais que reconstrução. Dever-se-ia formar uma consciência de teoria e práxis que não separasse ambas de modo que a teoria fosse impotente e a práxis arbitrária, nem destruísse a teoria mediante o primado da razão prática...Pensar é um agir, teoria é uma forma de práxis; somente a ideologia da pureza do pensamento mistifica este ponto. O pensar tem um duplo caráter: é imanentemente determinado e é estringente e obrigatório em si mesmo, mas, ao mesmo tempo, é um modo de comportamento irrecusavelmente real em meio à realidade. Na medida em que o sujeito, a substância pensante dos filósofos, é objeto, na medida que incide no objeto, nessa medida, ele é, de antemão, também prático. Mas a irracionalidade sempre novamente emergente da práxis - seu protótipo estético são as ações casuais com as quais Hamlet realiza o planejado e fracassa na realização - anima incansavelmente a ilusão de uma separação absoluta entre sujeito e objeto. Quando se simula que o objeto é pura e simplesmente incomensurável em relação ao sujeito, um cego destino captura a comunicação entre ambos (ADORNO, 1995, p.204, 205).

No tocante à perspectiva sociológica da arte, por sua vez, isso se transpõe na tênue relação entre arte e ideologia, e no caso da arte engajada, na dialética entre o elemento social e do em-si das obras de arte (ADORNO, 1993). À luz da compreensão conceitual dialética em Adorno (2011), a de que “a criação artística submete-se às leis gerais de desenvolvimento social, mas possui também, como forma especial de consciência, suas particularidades, suas leis específicas” (FEDOSSEJEN et al., 1984, p.404 apud ADORNO, 2011, p.30), reflete-se sobre a estética, a arte e a cultura a partir da sua fenomenologia social, no que diz respeito, sobretudo, ao tipo de

relações estabelecidas entre o todo social e suas particularidades (do indivíduo-criador-artista, da própria obra e da pessoa-espectador). Assim sendo, abre-se um campo investigativo vasto e complexo sobre o tipo (consistência e coerência de sentido) das relações entre a autonomia das leis específicas da arte e o uso da técnica; a real capacidade estética para a reflexão crítica e o conceito de esclarecimento adotado; seu valor de uso enquanto crítica social (além mercadoria) e o valor de troca; a experiência estética e a produção/consumo cultural, e, por fim, se há possibilidade de formação de uma consciência sensível no contexto da realidade contemporânea, marcada pelo empobrecimento da experiência e pelo predomínio das forças produtivas. Cabe, pois, indagar se a elaboração artística e as manifestações culturais autênticas ainda são possíveis na sociedade do capital, onde, segundo Adorno (2011, p.16), “apenas não se paga para respirar!”, sem que estejam totalmente entregues ao monopólio cultural burguês e à sua administração; a conversão da dimensão estética reflexiva crítica para a de produção cultural; a normatização global das estéticas; o esclarecimento pragmático; o valor de uso reduzido à utilidade de consumo e, por assim dizer, substituído pelo valor de troca; o entretenimento e a semicultura (ADORNO; HORKHEIMER, 2006). Nos levando, ademais, a também problematizar a ideia de arte engajada à luz da compreensão de arte autônoma, visto que, para Adorno:

A ambigüidade das obras de arte como obras autônomas e fenômenos sociais deixa facilmente oscilar os critérios: as obras autônomas induzem ao veredicto da indiferença social e, por fim, do espírito reacionário e sacrílego; inversamente, as que, no plano social, julgam unilateralmente e de um modo discursivo negam assim a arte e negam-se, com ela, a si mesmas. A crítica imanente deveria eliminar tal alternativa (ADORNO, 1993, p.277).

A análise sociológica do material estético permite identificar as formas pelas quais a sociedade é organizada e regida: ao compreender as formas estéticas como “conteúdo