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Em relação a todo o material empírico coletado, os conteúdos referentes à educação musical proposta pelo projeto social participante são os que aparecem melhor estabelecidos, organizados e fundamentados conscientemente pela equipe profissional responsável, tendo-se que ao caracterizá-la, todos os entrevistados discorreram sobre essa com maior apropriação e segurança em suas falas. De modo geral, os objetivos institucionais formalizados, elencados e apresentados no website do projeto, diferentemente dos indicados nas entrevistas, dão destaque para a musicalização infantojuvenil no sentido do desenvolvimento e da habilitação da prática instrumental, especialmente; como também, por meio dessa, buscam apresentar um repertório musical ampliado da música popular brasileira e internacional. Em nenhum desses objetivos, o estudo da teoria musical foi indicado, ao contrário, foi pouco mencionado nas entrevistas. Ademais, a teoria musical está disposta em segundo plano na estruturação do método pedagógico adotado. De acordo com o material investigado, o modelo T.E.C.L.A é organizado pelas etapas da Técnica, Execução, Composição, Literatura e Apreciação, e dentre essas, o ensino- aprendizagem se baseia, principalmente, pelas três primeiras etapas.

Essa primeira disposição do planejamento pedagógico já indica uma relação de disparidade cisória entre teoria e práxis, o que, por sua vez, nos leva a questionar quanto ao tipo de sentido e finalidade estabelecidos para a educação musical por esse projeto: será que esta educação de fato compreende o sentido amplo e cultural da educação (COSTA, 2017)? Para qual requer uma práxis reflexiva, que é indissociável do conhecimento teórico como substrato para se desenvolver uma percepção musical reflexiva acerca dos conteúdos sociais e culturais imanentes da estética musical (ADORNO, 1993, 1995, 2011).

Como já dito anteriormente, apesar de as formações humana e cultural terem aparecido em todas as falas como um dos sentidos atrelados à educação musical, o sentido e a finalidade da resiliência se sobrepôs a esta, o que infere que esta educação musical esteja mais planejada para corresponder a uma função social assistencialista a que com o comprometimento com uma educação musical planejada para a formação cultural. Deste modo, restringindo a sua potencialidade para a formação de uma consciência sensível, cujo princípio do pensamento

criativo (ADORNO, 2006), na verdade, deveria ser a pedra angular de qualquer educação estética. De acordo com Costa, baseado nas ideias de Adorno, essa educação: :

[...] é pautada na consciência das percepções culturais e sociais como princípio formativo. Reconhecer os pontos de tensão existentes na relação entre universal e particular, objetividade e subjetividade, sujeito e objeto é fundamental. Nessa proposta educativa, o sujeito deve refletir sobre si mesmo e sobre o contexto social. E sendo a música mediadora desse processo, o caminho percorrido deve ter como intenção proporcionar o reconhecimento de como forma e conteúdo são oferecidos como estímulos a novas percepções, ou, como possibilidade de emancipação e alienação. Dessa forma, o sujeito deve compreender a essência da obra artística em sua aparência, o que se daria com o desenvolvimento da criatividade e da crítica, com o momento da interpretação e a apreciação. O objetivo é alcançar a emancipação em uma consciência (est)ética da sociedade, do indivíduo, da cultura e da vida (COSTA, 2017, p.11).

Retomando os dados empíricos, com a orientação dessa conceituação de educação estética, verificou-se o intento de uma educação musical que viabilize uma percepção musical dotada de juízos críticos em detrimento de uma educação que se limite à reprodução instrumental mecânica, conforme é indicado nos seguintes trechos das entrevistas realizadas:

[...] mas que não seja uma coisa totalmente quadrada, que eles só aprendam a nota no pentagrama e que sejam reprodutores, máquinas, reprodutores daquilo que estão aprendendo, mas eles também são estimulados a criar, a improvisar (A., coordenadora pedagógica, entrevista 1, Anexo D).

Outra preocupação que é nossa não é tanto quanto tipo assim: o aluno tirou 8, isso não é interessante. O aluno entendeu? Bem mais que “ah, mas eu tirei quanto?” – Sei lá quanto você tirou! Você entendeu isso daqui? Você vai conseguir usar isso daqui na sua prática de conjunto? Isso aqui que você está estudando, você vai conseguir usar quando você subir no palco? Pode até ser que a gente pense em nota para fechar, quanto eu vou atribuir de nota. Mas, você consegue compreender que há uma preocupação de que o aluno realmente compreenda aquilo e saiba usufruir daquelas ferramentas. Muito mais do que você prendê-lo: “oh, é aqui e vai!”. Eu passei por esse tipo de estudo, ninguém merece! Não, trabalhamos aqui de forma mais ampla, de modo que leva o aluno a compreender a música, a manipular o seu material sonoro, entender que ela tem forma, que o material sonoro vem desde a escala, tudo que é o som, o ritmo, a tonalidade.. Mas eu vou entender que essa música tem uma forma, eu consigo envolver essa apreciação, essa formação cultural que desenvolva intérpretes e apreciadores. Que é diferente do “ah, põe uma música aí! Ah, eu ouvi, Ah, eu decorei a letra desta música”. Não! Você entendeu a forma desta música, você consegue compreender esta música, como ela é. E se você tiver que interpretar? E o valor que a música tem pra você? Então, essa formação musical que não

forma tão somente o músico, que pode se tornar um profissional futuramente, ou não, mas que forma um ser humano! (E., professor de música, entrevista 5, Anexo D).

Apesar disso, foi observado que o sentido configurado ao objetivo da formação de uma escuta pensante pelos entrevistados se distingue do sentido de escuta estrutural proposto por Adorno (2011), segundo o qual:

[...] compreende-se aquilo que se apreende em sua necessidade, que decerto nunca é literalmente casual. O lugar dessa lógica é a técnica; para aquele que também pensa com o ouvido os elementos se tornam imediatamente atuantes como elementos técnicos, sendo que nas categorias técnicas se revela essencialmente, a interconexão de sentido (ADORNO, 2011, p.60).

O sentido de senso crítico apresentado pelos educadores foi referenciado pelas capacidades que se limitam ao reconhecimento técnico-estrutural estético da música, à interpretação das letras de músicas, a pensar sobre as sensações despertadas pelos alunos ouvintes e a fazer algumas associações perceptivas; não sendo evidenciada em nenhum momento a preocupação quanto ao desenvolvimento de percepções críticas quanto às relações de sentido e à consistência estética entre as partes e o todo da obra musical, entre forma e conteúdo, essência e aparência (ADORNO, 1993, 2005, 2011; COSTA, 2017), assim como também não foi identificada a preocupação quanto à contextualização histórica da música e quanto à reflexão sobre os possíveis aspectos sociológicos inerentes à formação musical, bem como sobre as possíveis implicações sociais e ideológicas da linguagem musical (ADORNO, 2011). O que demonstra, no trato com a música, ausência de considerações filosóficas sobre a arte, mais especificamente, no sentido de haver capacidades para se pensar a realidade, ou seja, de haver uma análise sociológica da música de modo a se pensar sobre a “[...] dinâmica histórica dos objetos, seu próprio ‘teor de verdade’” (ALMEIDA, 2007, p.345). Tendo-se em vista essa compreensão da estética e da educação estética como proponentes da formação humana, segundo a leitura adorniana por Costa:

A necessidade da estética, mais especificamente da experiência estética, para a formação humana, se torna evidente para Adorno (2008a) quando se percebe o quão profundas são suas reflexões e críticas em relação a como o homem tem se posicionado diante da natureza e de outros, no que se refere ao domínio de condições para sua subsistência ou ao domínio social (ADORNO;

HORKHEIMER, 1985). A estética se revela como algo necessário (ADORNO, 2008a). Por esse princípio, “[...] a necessidade da arte não é aceitar que a estética prescreva normas quando ela se encontra em causa, mas desenvolver na estética a força da reflexão que, por si só, dificilmente poderia levar a cabo” (ADORNO, 2008a, p. 517). A estética compreendida por essa via se configura como algo importante por dar condições ao indivíduo de refletir e criticar de forma consciente a obra e o contexto em que está inserida, sua essência. Conclui-se então a importância de uma Educação Estética, no que Adorno apresenta como fundamental para a formação humana (COSTA, 2017, p.135).

De maneira geral, percebeu-se um entendimento de ensino de música pautado centralmente na sua relação instrumental, alheia ao exercício reflexivo quanto à essência estilística da arte e quanto à formação de juízo fundamentado acerca da consistência de uma obra musical. Na verdade, foi identificado o predomínio de atividades que privilegiam a experimentação, a reprodução técnica e a improvisação musical, buscando-se, nessa musicalização, segundo um dos entrevistados:

[...] ensinar a marcação de compasso, a reconhecer e a tocar as notas, a usar a baqueta nas técnicas de baqueta, usa os teclados também para aprender a usar os dedos certos, muitas coisas. Mas o objetivo é bem simples assim: marcar o tempo, conseguir tocar no tempo e tocar uma escala de cinco notas, um pentacorde. E, em coisas bem simples assim acaba acontecendo coisas bem legais, uma sonoridade legal (B., professor de música, entrevista 2, Anexo D).

A relação com a música torna-se mecânica e, portanto, falsa: ela passa a ser um mero instrumento para a formação de um entendimento atômico pedagogicamente determinado por meio do reconhecimento fragmentário das melodias isoladas (ADORNO, 2005), em detrimento da liberdade para o envolvimento com a música, pelo interesse em conhecer aquilo que ela é, desviando-se da sua essência, reservada ao entendimento reflexivo e individual da sua estrutura formal, de seu todo harmonioso – no caso da música vívida, autêntica e que possui consistência, tal qual a boa música séria (ADORNO, 1986, 2005, 2011). O que compromete a experiência estética e, por sua vez, a formação cultural, recaindo à semicultura. Conforme Adorno:

A experiência – a continuidade da consciência em que perdura o ainda não existente e em que o exercício e a associação fundamentam uma tradição no indivíduo – fica substituída por um estado informativo pontual, intercambiável e efêmero, e que se sabe que ficará borrado no próximo instante por outras informações (ADORNO, 2005, p.15).

Observou-se que a tentativa dos educadores de se aproximar do repertório musical, trazido pelos próprios alunos, possuía apenas a finalidade de aplicá-lo para ensinar música. Segundo alguns dos entrevistados, esses são utilizados como forma de se obter o envolvimento e o interesse dos alunos e para que, a partir disso, possam dissecar tais estruturas musicais a fim de que sejam apresentadas suas unidades estéticas mais básicas e, dessa forma, os alunos possam iniciar uma leitura de identificação musical, tal como se segue no trecho a seguir:

Então, a música mais simples que eles possam conhecer, dentro do ambiente deles – dentro da família, da comunidade –, a gente explica pra eles que essa música tem forma, que essa música tem cadência. Então, aproveita esses elementos para ensiná-los musicalmente, principalmente, para instigá-los para conhecer outras coisas, né. (A., coordenadora pedagógica, entrevista 1, Anexo D).

Mesmo havendo a afirmação de alguns dos entrevistados sobre o reconhecimento e a inclusão do repertório musical de seus alunos, foi observada, ao mesmo tempo, a sua depreciação estereotipada por parte daqueles, e esse se restringiu, na verdade, a uma estratégia de transição para novos repertórios musicais considerados mais elaborados pela equipe profissional responsável pelo projeto de educação musical; com exceção de um dos professores de música, que mostrou ao menos uma iniciativa de problematizar algumas das preferências musicais de seus alunos mais novos devido à incompatibilidade dos conteúdos de realidade apresentados, em algumas letras de música, com a capacidade de elaboração infantil pressuposta. Tal como se segue nas falas a seguir:

[...] a gente pensa também num estudo, num repertório entre aspas um pouco mais formal, mas que também é utilizado bastante pelas escolas de música que a gente vê por aí, ampliando repertório (A., coordenadora pedagógica, entrevista 1, Anexo D).

Quando a gente encontra um aluno que gosta disso [refere-se ao funk], a gente tenta entrar na dele e trabalhar junto no universo que ele está, a gente não exclui, né, mas eu sempre tento puxar a sardinha para o nosso lado, tento mostrar outras coisas, que eles não gostam porque, na verdade, não têm oportunidade, as coisas acontecem muito longe (B., professor de música, entrevista 2, Anexo D).

Hoje, lamentavelmente [...] já mudou muito, mas nos primeiros dias era bem complicado, porque os repertórios que vinham era sobre tragédia, era o repertório da realidade, nem vou falar que era repertório da realidade deles, é

repertório que eles ouvem, que a família ouve. Ah, aí, tem o funk num sei lá das quantas, tem o da mulher que saiu com o cara… Músicas muito adultas, na verdade. A mulher que saiu com o cara e que se matou depois. É bem sinistro! Crianças pedindo para tocar isso! Aí, depois, a história do aborto. Não só o funk, mas principalmente o funk, entendeu. [...] De você cair o queixo, de você falar assim: “como eu vou fazer para sugerir algo diferente?”. E algumas crianças até insistiam e eu quieto. Daí, ‘você não vai tocar essa música?’. E eu tentando uma forma de não passar aquela música, porque… porque, ‘ah, mas é a realidade’, mas essa música não tá muito forte? ‘Ah, mas a realidade é essa!’. ‘Mas não é essa a realidade das coisas?’ Estou falando de crianças de dez anos falando isso! Eu dizia: ‘é uma realidade, mas será que a gente não pode construir uma realidade diferente? Então, se você está vendo tanta coisa ruim, vamos tirar um momento para a gente ver coisas mais bonitas? Basta de sofrimento, se a vida está tão sofrida, vamos achar um espaço pra gente sofrer menos e tornar a coisa mais divertida?’. E, aí, claro, partir para a seleção de um repertório bem definido, bem direcional, né, e que conquistasse eles pelo prazer de fazer as músicas. Alguns pelo desafio de uma música nova, de uma música em um outro idioma, muitas vezes, em inglês, ou em hebraico, cantos simples que são possíveis de serem feitos. E, aí, aos poucos, ir ganhando essa nova situação. E, hoje, graças a Deus, é possível trazer um repertório diferenciado (E., professor de música, entrevista 5, Anexo D).

O que nos levou a constatar que, nesse planejamento educacional, tanto não houve a organização de um estudo investigativo sobre o contexto social e psicológico do público atendido (ADORNO, 2006), muito menos a sua consideração objetiva – o que iria favorecer uma compreensão mais adequada quanto ao tipo de gosto musical de seus alunos a ser trabalhado e, por meio disso, poderia colaborar com a desconstrução das perspectivas estereotipadas dos próprios educadores acerca das comunidades periféricas e de seus alunos que lá residem – como já indicado anteriormente; como também, esses repertórios musicais deixaram de ser trabalhados e problematizados reflexivamente com seus alunos de modo que eles pudessem ser introduzidos ao exercício de reflexão, tanto sobre os seus estilos musicais preferidos (rap, funk e forró), quanto à possibilidade de ser iniciado o exercício da auto reflexão a respeito do próprio comportamento musical (ADORNO, 2011). O que indica uma educação musical dissociada da dimensão histórica (e, consequentemente, do próprio objeto), da compreensão das particularidades culturais de seus alunos e que está vinculada a uma noção conceitual limitada de consciência, enquanto capacidade formal de pensar (ADORNO, 2006; ADORNO; HORKHEIMER, 2006). O que contraria a perspectiva adorniana de uma educação para a formação do indivíduo autônomo. Para Adorno:

[...] aquilo que caracteriza propriamente a consciência é o pensar em relação à realidade, ao conteúdo – a relação entre as formas e estruturas de pensamento do

sujeito e aquilo que este não é. Este sentido mais profundo de consciência ou faculdade de pensar não é apenas o desenvolvimento lógico formal, mas ele corresponde literalmente à capacidade de fazer experiências. Eu diria que pensar é o mesmo que fazer experiências intelectuais. Nesta medida e nos termos que procuramos expor, a educação para a experiência é idêntica à educação para a emancipação. (ADORNO, 2006, p.151).

Para Adorno, a compreensão de conhecimentos musicais, como de qualquer outro, não se limita à sua capacidade de apreensão pela identificação e reconhecimento das unidades estéticas, da abstração dos conceitos de estilos ou das considerações ontológicas sobre a música (ALMEIDA, 2007), mas se lançam à “[...] consideração sobre a obra singular e a história de formas [...]” (ALMEIDA, 2007, p.363). Nesta perspectiva, o conhecimento é a capacidade ativa do pensamento enquanto capacidade de relação e, assim sendo, é intrínseco à aptidão para a experiência estética musical e para a noção que compreende a sua mutabilidade e o seu dinamismo dialético histórico (COSTA, 2017). Ou seja, a educação estética que vise a formação de indivíduos pensantes não parte, ela própria, da adoção e replicação de conceitos atemporais e de classificações estilísticas nominalistas por momento histórico, uma vez que isso organiza antemão e de modo artificial uma percepção identitária do ouvinte, configurando um caráter definitivo e um núcleo imutável das estéticas, como também, o próprio curso histórico não se organiza em rupturas bruscas e acabadas entre um momento e outro (ADORNO, 1993).

Contrária a um sistema de ensino-aprendizagem, que se limita ao desenvolvimento das capacidades de reconhecimento e identificação musical, que se restrinja ao patamar de uma racionalidade genérica e que faz perdurar a coisificação humana, a educação estética para a formação cultural requer condições para que os alunos possam não somente apreender conteúdos teóricos formais e os mecanismos referentes às habilidades de tocar um instrumento musical, mas que, também, possam apropriar-se deles de modo a estabelecer relações de sentido e a tensioná- los reflexivamente (ADORNO, 1995).

A experiência estética é o campo no qual os alunos poderiam compreender uma obra por ela mesma e não mediada por conceitos fechados, de modo a que se faria possível o início do desenvolvimento de uma consciência que compreenda os seus próprios antagonismos e a sua relação com o todo social. A arte enquanto práxis humana pode tanto expressar uma força criativa autêntica e ser, ao mesmo tempo, ideológica (ADORNO, 1993). À educação musical caberia, pois, a formação de uma escuta pensante no sentido de se ter no horizonte o

desenvolvimento processual de uma lógica musical concreta e consciente quanto aos seus determinismos sociais e históricos imanentes à própria disposição técnica musical (ADORNO, 1993, 2011), de modo a vir a ser um campo de superação do domínio ideológico da indústria cultural pelo desenvolvimento formativo das capacidades crítica e reflexiva estética, tendo-se como uma das principais finalidades política-pedagógicas a formação de juízos estéticos bem fundamentados (ADORNO, 1995, 2006). Para os quais, a análise estética da arte, enquanto fenômeno social, e a crítica musical decorrente vêm a ser também crítica social.

A partir da consideração da perspectiva da Teoria Crítica, a dialética entre autonomia e dominação, inerente à dialética entre o particular e o universal, é campo de conhecimento e pensamento reflexivo indispensáveis para a formação de uma consciência crítica, a qual compreende os tensionamentos e ambivalências presentes nas relações humanas, políticas, culturais e sociais, como também em sua própria práxis decorrente. Diante disso, pensar em uma educação musical para a formação humana emancipatória implica o comprometimento com a filosofia da música enquanto pensamento crítico (ADORNO, 2006; ALMEIDA, 2007). O planejamento pedagógico, por sua vez, deve compreender a sua dialética e ter como objetivo a formação de uma consciência dialética. Para a qual é fundamental o julgamento estético musical embasado na análise da relação entre as unidades estéticas e o todo musical, isso devido a duas principais razões: primeiramente, porque “O que valida uma obra de arte é o modo com que os elementos se articulam dentro da estrutura musical” (COSTA, 2017, p.28); segundo, porque a arte, enquanto práxis, expressa a condição humana na sua relação com o todo social, sendo a sua própria condição diante das leis gerais sociais a mimese da dinâmica psicossocial da dominação sobre a autonomia, além de que a capacidade para a formulação de um juízo estético sobre a arte pode, também, vir a ser um entendimento crítico social (ADORNO, 1993). O que reforça a relevância da educação estética com o sentido e a finalidade de uma educação para a formação de uma consciência sensível e crítica e, assim sendo, para a emancipação e para a individuação, que, segundo Adorno (2006), trata-se do único caminho possível para a resistência objetiva contra o estado da dominação social mantido pela consciência reificada.

No tocante ao desenvolvimento de uma leitura reflexiva quanto à forma estética, essa infere no campo educativo musical a construção processual de uma análise dinâmica, a qual venha a compreender: 1) uma análise sobre a qualidade de articulação entre as suas partes e o todo musical, pautada na sua coerência de sentido, uma vez que a forma consiste na organização

objetiva imagética dos conteúdos, ou assim o é em uma obra de arte (ADORNO, 1993); 2) uma análise sobre o tipo de relação estabelecida entre forma e conteúdo, ao que se refere à profundidade elaborativa estética dos conteúdos de verdade de uma obra (ADORNO, 1993), tendo-se que “A essência da obra de arte necessita da reflexão pelo caráter transgressor inerente a