• Nenhum resultado encontrado

Tendo em vista o contexto propositivo dos projetos socioeducativos culturais musicais, mais propriamente, a habilitação em música não é condição suficiente para a elaboração de propostas político-pedagógicas que garantam a experiência formativa por meio de uma educação musical, mas sim uma formação do educador que supere possíveis deformações profissionais – no que se refere à ilusória conclusão de se bastar em uma atuação docente centralizada no ensino de conhecimentos técnicos-formais profissionalizantes e de reproduzir categoricamente normas e métodos já estipulados e consolidados – pela capacidade reflexiva de ir além por meio da autoconscientização do acadêmico-docente, e na qual se possa apreender o sentido e o potencial

formativo das disciplinas e cursos assistidos (ADORNO, 2006). Como base sólida para uma educação emancipatória, e uma vez que cabe aos educadores tamanha responsabilidade do desenvolvimento intelectual e da consciência sensível de seus alunos, é indispensável a formação da consciência dos próprios educadores, tendo-se que “as chances para uma tal atuação são tanto mais favoráveis quanto mais conscientes forem eles próprios” (ADORNO, 2006, p.45). Isso exige deles árdua disposição para o caminho individual e institucional para a autocrítica e, por sua vez, para a formação de uma consciência esclarecida – caso contrário, “a própria falta de emancipação é convertida em ideologia” (ADORNO, 2006, p.35) – e, simultaneamente a isso, exige capacidade para se construir um sentido de educação musical que articule as suas diferentes dimensões de ensino-aprendizagem, conhecimentos teóricos-conceituais e prática instrumental com as diferentes formas de organização e estruturação de cada instituição educacional, com a compreensão crítica acerca dos mecanismos da (pseudo)formação e da semicultura, com a consciência elaborada quanto às condições de mediar o condicionamento social e adaptativo com a possibilidade objetiva para a experiência estética musical formativa. De acordo com a concepção de Figueiredo (2005), a formação profissional do educador musical, hoje, implica idealmente em uma busca de “equilíbrio” entre a formação musical, a formação pedagógica e, por fim, a dimensão sócio institucional, necessária no sentido de aproximar “os educandos daquilo que os mesmos encontrarão em suas atividades reais como educadores musicais nas escolas e em diversos espaços educativos” (FIGUEIREDO, 2005, p.22). Desse modo, uma formação que torne possível se debruçar e avançar sobre os diversos desafios e dificuldades concretas presentes no contexto da educação e da pseudoformação por meio de um conhecimento e de práticas de ensino-aprendizagem conscientes e consistentes (ADORNO, 2006). No caso do projeto social participante desta pesquisa, isso se infere, de modo geral, na dificuldade de articular planejadamente estratégias de enfrentamento frente às esferas-problemáticas relacionadas à trama educacional formativa sem que se recaia ao assistencialismo. Anterior à práxis docente pontual, especializada e interventiva, para a formulação de um projeto institucional, segundo Adorno (2006), é necessário o retorno para o espírito filosófico enquanto “autoconscientização viva do espírito” (p.55).

Mais especificamente no que se refere ao escopo de projetos sociais educativos que visam promover a inclusão social por meio de um trabalho educativo formativo, a realização efetiva dessa finalidade só é possível mediante a escolha adequada de seus meios, a começar pela

experiência de inclusão social dentro dos seus próprios espaços e relações entre os educadores e alunos, sendo a forma de planejamento político-pedagógico um dos principais meios para que isso se dê de forma consistente.

Uma vez que usualmente defendem uma proposta de educação no sentido de se fazer valer e se reconhecer o direito das pessoas socialmente marginalizadas enquantos cidadãos de direito, como para a organização social comunitária para o enfrentamento de problemáticas locais cotidianas, para além de outros processos de auto-aprendizagem e aprendizagem coletiva, como a capacitação de habilidades técnicas e profissional de seus alunos para a entrada no mercado de trabalho (PERES et al., 2008; GOHN, 2009), tal como verificado na fala dos entrevistados desta pesquisa, cabe aos educadores um “papel ativo, propositivo e interativo” (GOHN, 2009, p.33), que compreenda a perspectiva comunitária, papel próprio do educador social. Essa desafiadora tarefa envolve no exercício do planejamento educacional formativo a importante consideração de que, conforme Gohn:

A escolha dos temas geradores dos trabalhos com uma comunidade não pode ser aleatória ou pré-selecionada e imposta do exterior para o grupo. Eles, temas, devem emergir de temáticas geradas no cotidiano daquele grupo, temáticas que tenham alguma ligação com a vida cotidiana, que considere a cultura local em termos de seu modo de vida, faixas etárias, grupos de gênero, nacionalidades, religiões e crenças, hábitos de consumo, práticas coletivas, divisão do trabalho no interior das famílias, relações de parentesco, vínculos sociais e redes de solidariedade construídos no local. Ou seja, todas as capacidades e potencialidades organizativas locais devem ser consideradas, resgatadas, acionadas. (GOHN, 2009, p. 33)

Para Adorno (2006), a educação para a emancipação e para a formação cultural requer uma prática docente cujo exercício se dê pela tentativa reflexiva e autocrítica permanente de modo a garantir a liberdade e certa autonomia em seu campo de trabalho e, decorrentemente, a subtrair uma dinâmica metodológica de ensino-aprendizagem, bem como os seus resultados esperados e fixados, estabelecida previamente por um conceito de esclarecimento, de ciência, heterônomo (ADORNO; HORKHEIMER, 2006) que desconsidera os próprios sujeitos participantes. Na atual conjuntura educacional, encontra-se ainda muito por fazer nisso. Tal como pensava este autor no momento histórico de sua análise:

[...] que os futuros professores tenha uma luz quanto ao que eles próprios fazem, em vez de se manterem desprovidos de conceitos em relação à sua atividade. As limitações que, bem sei, se abatem sobre muitos, não são invariáveis. A auto- reflexão e o esforço crítico são dotados por isso de uma possibilidade real, a qual seria precisamente o contrário daquela dedicação férrea pela qual a maioria se decidiu. Esta contraria a formação cultural e a filosofia, na medida em que de antemão é definida pela apropriação de algo previamente existente e válido, em que faltam o sujeito, o formando ele próprio, seu juízo, sua experiência, o substrato da liberdade (ADORNO, 2006, p.69).

À vista disso, o tipo de educação musical proposta e, inerente a isso, a qualidade de planejamento político-pedagógico vão depender também da qualidade da formação dos educadores e do comprometimento com a formação cultural de seus alunos, visto que são eles os mediadores diretos neste processo dentro do contexto escolar ou de outras instituições educacionais. Podem, assim, favorecer tanto uma relação de consumo musical, “reforçando os padrões musicais incentivados pela mídia […]” (URIARTE, 2004, p.251, 252), como, por outro lado, ampliar e diversificar o repertório musical de seus alunos e assisti-los à formação de uma escuta na qual haja a formulação de julgamentos bem fundamentados tal como o bom ouvinte (ADORNO, 2011). Isso, por sua vez, de modo mais abrangente, revela que o papel do educador tanto pode contribuir para a manutenção da “atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural” (ADORNO; HORKHEIMER, 2006, p.104), como para a formação cultural. Para que isso seja concretamente viável, de acordo com Uriarte (2004, p.255), aos professores cabe “[...] estar cada vez mais atentos aos processos e às estratégias que levam à aprendizagem, e para ZABALZA (2004), somente a partir do conhecimento desses processos é que virá o aprimoramento, o ajustamento dos métodos de ensino”.