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Articulação entre Atenção Primária (APS) e Saúde Mental (SM): um diálogo necessário

3.6 Articulação entre Atenção Primária (APS) e Saúde Mental (SM): um diálogo necessário

O debate entre os campos de fronteira da Atenção Primária a Saúde (no Brasil, representada pela Política de Atenção Básica e pela Estratégia Saúde da Família) e da Saúde Mental (no Brasil, representado pela Rede de Atenção Psicossocial) não se constitui tarefa das mais simples. Contudo, existe quase um consenso internacional que a Atenção Primária deve estar em íntima articulação com o campo da Saúde Mental. A Organização Mundial de Saúde - OMS (2008) defende que as equipes de cuidados primários (equivalente às equipes de saúde da família na realidade brasileira) devem ser articuladoras dos processos de cuidado em saúde mental. Em consonância com os modelos de rede integrados anteriormente explicitados neste

25 O estudos de Amorim (2008) apontam que o os SRTs possuíam as seguintes características antes da

regulamentação que os equiparou às Comunidades Terapêuticas (manicomiais): o que podemos apreender é que o SRT enquanto dispositivo híbrido resulta do entrecruzamento entre as demandas de saúde (daí a configuração como serviço) e demandas sociais de toda ordem, sobretudo de alimentação e moradia (daí sua configuração como casa) e a sua peculiaridade reside no fato de que tudo que se venha a produzir nesse dispositivo ou a partir dele tem de considerar irrevogavelmente a complexidade desse entrecruzamento. (p 167).

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capitulo, o diagrama abaixo explicita esta integração:

Figura 13 – Articulação entre APS e Saúde Mental

Fonte: OMS (2008), com marcações do autor desta dissertação

Importante o leitor observar que o conceito “apoio de consultores” existente na figura acima é o equivalente ao apoio matricial discutido neste capítulo anteriormente. Seguindo a linha a respeito de apresentar evidências sobre a importância da articulação entre APS e SM, a OMS (2003) já havia deixado um diagnóstico alarmante a respeito dos impactos do adoecimento por questões de saúde mental:

Os problemas de saúde mental ocupam cinco posições no ranking das 10 principais causas de incapacidade no mundo, totalizando 12% da carga global de doenças. Atualmente, mais de 400 milhões de pessoas são acometidas por distúrbios mentais ou comportamentais e, em virtude do envelhecimento populacional e do agravamento dos problemas sociais, há probabilidade de o número de diagnósticos ser ainda maior. Esse progressivo aumento na carga de doenças irá gerar um custo substancial em termos de sofrimento, incapacidade e perda econômica. (p 19)

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Traduzindo este retrato epidemiológico para a realidade brasileira, faz-se importante elencar alguns dados relevantes sobre a Pesquisa Nacional de Saúde em que aparecem os seguintes resultados:

11,2 milhões de adultos foram diagnosticados com depressão e somente 46,4% deles receberam assistência médica

A PNS estimou que 7,6% (11,2 milhões) das pessoas de 18 anos ou mais de idade receberam diagnóstico de depressão por profissional de saúde mental. As maiores prevalências foram na área urbana (8,0%), no Sul (12,6%) e Sudeste (8,4%), nas mulheres (10,9%) e na faixa de 60 a 64 anos de idade (11,1%). Por níveis de instrução, prevalecem as pessoas com ensino superior completo (8,7%) e as sem instrução e com fundamental incompleto (8,6%). Por grupos de cor ou raça, a proporção de adultos diagnosticados foi maior entre as pessoas brancas (9,0%) do que entre pardas (6,7%) e pretas (5,4%). Aproximadamente metade (52,0%) das pessoas com esse diagnóstico usavam medicamentos para depressão e 16,4% delas faziam psicoterapia. Apenas 46,4% dos que informaram terem sido diagnosticados receberam assistência médica para depressão nos 12 meses anteriores à pesquisa. Os maiores percentuais de atendimento foram em consultório particular ou clínica privada (42,3%) e em unidade básica de saúde (33,2%).

Quanto ao motivo para não receber assistência médica apesar do diagnóstico de depressão, 73,4% alegaram não estar mais deprimidos; 6,6% que não tinham ânimo; 4,6% disseram que o tempo de espera no serviço de saúde era muito grande; 2,4% que tinham dificuldades financeiras; 2,1% que o horário de funcionamento do serviço de saúde era incompatível com suas atividades de trabalho ou domésticas e 10,9% relataram outros motivos. (IBGE, 2014. p 03)

A pesquisa elucida basicamente um dos problemas de saúde mental, a depressão. Contudo, apesar do foco restrito da pesquisa, ela fornece alguns dados importantes sobre a dificuldade da Atenção Primária em manejar os cuidados em saúde. Haja vista a dificuldade relatada de conseguir ajuda por parte dos usuários. Para vencer estas barreiras, o Ministério da Saúde (2013) tem proposto as seguintes ações para execução por diversos profissionais na Atenção Primária:

Entendemos que as práticas em saúde mental na Atenção Básica podem e devem ser realizadas por todos os profissionais de Saúde. O que unifica o objetivo dos profissionais para o cuidado em saúde mental devem ser o entendimento do território e a relação de vínculo da equipe de Saúde com os usuários, mais do que a escolha entre uma das diferentes compreensões

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sobre a saúde mental que uma equipe venha a se identificar.

Abaixo, apresentamos algumas ações que podem ser realizadas por todos os profissionais da Atenção Básica, nos mais diversos dispositivos de cuidado (CHIAVERINI, 2011):

• Proporcionar ao usuário um momento para pensar/refletir. • Exercer boa comunicação.

• Exercitar a habilidade da empatia.

• Lembrar-se de escutar o que o usuário precisa dizer.

• Acolher o usuário e suas queixas emocionais como legítimas.

• Oferecer suporte na medida certa; uma medida que não torne o usuário dependente e nem gere no profissional uma sobrecarga.

• Reconhecer os modelos de entendimento do usuário. (pp 22-23)

Ou seja, a rigor não existe conceitualmente fórmulas prontas institucionais para preparar os profissionais da Atenção Primária a lidar com casos de saúde mental. A literatura tem defendido que os profissionais tenham acesso mínimo a espaços de formação e requalificação de modo que o tema da Saúde Mental deixe de ser algo estranho ou motivador de medo no cotidiano (CARVALHO, 2014).

3.7 O Cuidado em Saúde

O cuidado em saúde é reivindicado como um conceito estruturante desta pesquisa e faz- se importante destacar que a concepção de cuidado a que este projeto incorpora consiste no cuidado enquanto responsabilização para com o usuário. Neste sentido, o cuidado se apresenta muito além do que um conjunto de técnicas para dar conta dos sintomas do sofrimento, pois o ato de cuidar é um movimento ativo de (co) responsabilidade pela globalidade dos processos aos quais os usuários estão envolvidos. Ayres (2004) fornece alguns dos subsídios em consonância com a proposta de cuidado aqui tratada:

A responsabilidade assume relevância para o Cuidado em saúde em diversos níveis, já desde aquele de construção de vínculos serviço-usuário, de garantia do controle social das políticas públicas e da gestão dos serviços, até este plano em que se localiza aqui a discussão. É preciso que cada profissional de saúde, ou equipe de saúde, gestor ou formulador de política se interroguem acerca de por que, como e quanto se responsabilizam em relação aos projetos de felicidade daqueles de cuja saúde cuidam, preocupando-se, ao mesmo tempo, acerca do quanto esses sujeitos são conhecedores e partícipes desses compromissos (p 24).

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entende que a estes dois conceitos estão intimamente ligados para construção de políticas de saúde coerentes com o projeto ético e político do SUS. Neste sentido, Ayres (2009) traz a perspectiva de que o cuidado é um princípio que se destaca nesta articulação:

A ideia de cuidado vem justamente tentar reconstruir, a partir dos problemas e tensões apontados, uma atenção integral à saúde de indivíduos e comunidades, buscando recompor competências, relações e implicações ora fragmentadas, empobrecidas e desconexa. p 15).

Em uma das propostas de discussão do cuidado em aproximação com o fazer da saúde mental, os estudos de Ballarin, Carvalho e Ferigato (2010) trazem o cuidado enquanto expressões de três dimensões principais: a ética, a política e a técnica-instrumental.

Do ponto de vista da dimensão ética, o cuidado estaria ligado a uma perspectiva ontológica de existência. Ou seja, o cuidado seria uma categoria que inclusive precede o sujeito fundamentando esta postura em Ayres (2006) e Andrade et al (2008). Na dimensão política, o cuidado se apresenta da seguinte forma:

Neste sentido, o cuidado é entendido a partir de seu potencial disruptivo, capaz tanto de emancipar pessoas possibilitando a construção de sua autonomia, como de tutelar. A politicidade do cuidado traduz-se como direito de cidadania, em contraposição ao cuidado como submissão e se expressa no triedro: conhecer para cuidar melhor – o que implica na compreensão do contexto sócio-histórico onde são geradas as relações de ajuda-poder na política de saúde, cuidar para confrontar – relaciona-se ao gerenciamento de forças que efetivem controle democrático e re- ordenamento de poderes e cuidar para emancipar – implica na perspectiva de constituição de cenários propícios à desconstrução progressiva de assimetrias de poder. (BALLARIN; CARVALHO e FERIGATO, 2010. p 446)

Sob o prisma da dimensão técnica, baseado em Campos (2006) e Mehry (1994), os autores defendem que o cuidado está intimamente articulado com o acolhimento em saúde, na aposta no potencial da equipe e na pactuação de responsabilização ativa pelas práticas desenvolvidas.

Tanto na perspectiva do cuidado em Ayres (2008, 2009) que defende uma proposta de cuidado enquanto responsabilidade e aproximação com a concretização da integralidade

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enquanto horizonte, quanto nas dimensões do cuidado propostas Ballarin, Carvalho e Ferigato (2010), há elementos conceituais relevantes para refletir sobre a prática cotidiana das equipes sobre a temática da saúde mental. Afinal, sempre há de ficar viva a pergunta: qual a proposta de cuidado as equipes partilham?