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CAPÍTULO 1 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO, A CIÊNCIA E O CAMPO

1.2 A Ciência e os Paradigmas de Pesquisa – a revolução de um campo ou

1.2.3 As abordagens crítico-dialéticas como alternativa paradigmática

As abordagens crítico-dialéticas8 podem ser tomadas como uma alternativa à visão positivista, principalmente no campo das Ciências Sociais. Originando-se com os construtos de Marx, autores diversos podem ser colocados no conjunto dessas abordagens como Poulantzas, Althusser, Bourdieu, Habermas. A abordagem de base materialista histórica de Marx, por exemplo, buscou contribuir com o trabalho de investigação ao associar as visões de mundo e de homem, e os fenômenos a elas inerentes, com o determinismo da estrutura econômica.

Reconhecemos que as abordagens crítico-dialéticas nos possibilitam uma reflexão mais aproximada de estudos que visam captar as caracterizações de forças sociais e políticas que influenciam, ou mesmo determinam, a estruturação/organização do conhecimento. Isto porque busca a superação da aparência imediata do real e ampliação de compreensões conceituais simplistas e abstratas. Por esse motivo é que nos valeremos dos estudos de Bourdieu como teoria fundamental dessa pesquisa, conforme apresentaremos mais adiante. Por ora, vamos discutir algumas características básicas dessa abordagem.

A abordagem crítica desenvolvida por Marx, conhecida como materialismo histórico-dialético, parte de uma crítica ao materialismo ideológico, expondo o caráter contemplativo e de passividade da atividade humana que tal abordagem

8 Sanchez Gamboa (2000) identifica como crítico-dialética as abordagens que no nível teórico questionam a visão estática da realidade implícita nas abordagens positivistas; que expressam a pretensão de desvendar o conflito de interesses; manifestam um interesse transformador das situações, resgatando sua dimensão histórica e desvendando suas possibilidades de mudança. No nível epistemológico, expressam inter-relação do todo com as partes e vice-versa, da tese com a antítese, dos elementos da estrutura econômica com os da superestrutura social, política, jurídica e intelectual, etc.

encerrava. Defende uma visão prática e revolucionária da atividade humana diante da compreensão e da transformação da realidade.

A sistematização de seu método de investigação passa a ser exposta a partir das críticas que ele formula à Economia Política do século XVII. Para ele, os economistas desta época não usaram um método correto, já que partiam da aparência imediata do real, de uma totalidade viva, tal como população, Estado, Nação..., o que os levava a uma visão caótica do todo e a conceitos simplistas e abstratos desta realidade. Assim, ao tratar do Método da Economia Política, Marx (1983) analisou e criticou os métodos científicos usados pelas Ciências Sociais e propôs nova abordagem epistemológica e metodológica para a economia política, em que argumentou a favor de um método que se construísse a partir de categorias simples e concretas para gerar uma visão mais crítica da realidade. Para ele, o concreto é um produto da elaboração de conceitos a partir da observação imediata e da representação.

O concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações, logo, unidade da diversidade. É por isso que ele é para o pensamento um processo de síntese, um resultado, e não um ponto de partida, apesar de ser o verdadeiro ponto de partida da observação imediata e da representação (MARX, 1983, p. 16).

Uma vez que ele considera as diferenças históricas e sua repercussão na forma como a sociedade e sua economia se estruturam, a Ciência Social deveria concentrar-se no estudo e na identificação da evolução histórico-ideológica dos fenômenos presentes na sociedade que se deseja analisar. Ao refletir de forma totalizante e relacional sobre a realidade social, o pesquisador acabaria por revelar as contradições, as relações de exploração e de expropriação do homem pelo homem, buscando entendê-las no contexto dos processos históricos peculiares a cada formação social.

O materialismo histórico-dialético se constitui a partir de uma concepção de mundo e de homem (dimensão ontológica), que pressupõe a materialidade do mundo (os fenômenos, objetos e processos que se realizam na realidade são materiais, são simplesmente aspectos diferentes da matéria em movimento). Assim, ressalta que a matéria é anterior à consciência, que o mundo é conhecível e que o homem atua, transforma e é condicionado pela realidade histórica. Mas também se constitui numa dimensão gnosiológica, “já que estuda o conhecimento e a teoria do

conhecimento como expressões históricas” (TRIVIÑOS, 1987, p. 53). Ou seja, o materialismo histórico-dialético se constitui numa prática técnica de conhecimento do real, mas que depende, também, de uma “postura intelectual e de uma visão social da realidade” (MINAYO, 1992, p. 76).

Nesse paradigma de investigação, o interesse central da Ciência Social é o fato de que os homens não são apenas objetos de investigação, mas são sujeitos em relação histórica uns com os outros, e com consciência histórica. O objetivo da ciência, então, é compreender as relações que estes sujeitos estabelecem entre si, com os processos de trabalho, com a organização social, os fenômenos históricos que compreendem o viver social. Diferente da fenomenologia, essa compreensão não é apenas descritiva, ela é sócio-histórica “que deve dar conta da coerência e da força criadora dos indivíduos e da relação entre as consciências individuais e a realidade objetiva” (MINAYO, 1992, p. 69).

Advoga, também, o caráter total da existência humana e da ligação indissolúvel entre a história dos fatos econômicos e sociais e a história das idéias. O conceito de totalidade é utilizado também como instrumento interpretativo do real sendo, então, fundamental no processo de pesquisa. Explicado metodicamente da seguinte forma: - compreender as diferenças numa unidade ou totalidade parcial; - buscar compreensão das conexões orgânicas, isto é, o modo de relacionamento entre as várias instâncias da realidade e o processo de constituição da realidade parcial; - entender, na totalidade parcial em análise, as determinações essenciais e as condições e efeitos de sua manifestação.

No interior dessa concepção de totalidade dinâmica do real é que se coloca o princípio da união dos contrários, que abrange as totalidades parciais e as totalidades fundamentais, o que significa perceber que existe uma relação dialética: entre os fenômenos e sua essência; entre as leis e o fenômeno; entre o singular e o universal; entre o particular e o geral; entre a imaginação e a razão; entre a base material e a consciência; entre teoria e prática; entre o objetivo e o subjetivo; entre indução e dedução.

A percepção dessa lógica dialética impõe ao pesquisador uma forma de apreender o conhecimento, de abordar a realidade, que o distinguirá dos positivistas e dos fenomenólogos, pois o levará a compreender as objetividades e subjetividades, inerentes aos fenômenos sociais, à sua totalidade real, o que implica

dizer que as estratégias metodológicas devem/podem abranger uma diversificação em face aos objetivos da pesquisa de cada um.

As abordagens crítico-dialéticas têm procurado, no nível metodológico, realizar uma síntese entre os elementos das abordagens empíricas e das abordagens fenomenológicas. A síntese não é ecletismo, mas uma nova maneira de ver, conceber e organizar categorias, muitas delas originadas dentro de outras visões, mas recriadas em novas condições sob novos interesses cognitivos, de forma que, no nível técnico, busca utilizar técnicas quantitativas e qualitativas, e, no nível teórico, desenvolver estudos sobre experiências, práticas pedagógicas, discussões filosóficas ou análises contextualizadas, a partir de um prévio referencial teórico. No nível epistemológico, busca uma inter-relação do todo com as partes e vice-versa, da tese com a antítese, dos elementos da estrutura econômica com os da superestrutura social, política, jurídica e intelectual, etc. E seus critérios de cientificidade fundamentam-se na lógica interna do processo e nos métodos que explicitam a dinâmica e as contradições internas dos fenômenos e explicam as relações entre homem-natureza, entre reflexão-ação e entre teoria-prática (razão transformadora) (SANCHEZ GAMBOA, 1998).

Assim, nessa abordagem, a concepção de ciência não renuncia à distinção entre fenômeno e essência que se inter-relacionam entre si formando uma lógica interna, ou estrutura que tem uma dinâmica (gênese e história). A ciência é tida como produto da ação do homem, como uma categoria histórica, um fenômeno em contínua evolução inserido no movimento das formações sociais. Considera a origem empírica objetiva do fenômeno e a compreensão e interpretação dos mesmos, que são necessários à construção do conhecimento (o concreto do pensamento). Considera a ação como a categoria epistemológica fundamental.