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CAPÍTULO 1 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO, A CIÊNCIA E O CAMPO

1.3 PIERRE BOURDIEU e sua contribuição para o estudo da produção do

1.3.1 O conceito de campo e sua relação com a organização social

Podemos dizer que a teoria da ação de Bourdieu surge da análise que ele faz da complexidade que envolve a sociedade e as relações que nela se desenvolvem em sua própria vivência de pesquisador e em seu processo de constituição como sociólogo. Essa teoria refere-se

a uma reflexão sobre a pluralidade das lógicas correspondentes aos diferentes mundos, ou seja, aos diferentes campos enquanto lugares onde se constroem sensos comuns, lugares-comuns, sistemas de tópicos irredutíveis uns aos outros (BOURDIEU, 1990, p. 34).

O empreendimento epistemológico desse autor partiu da convicção de que não se pode capturar a lógica do mundo social “a não ser submergindo na particularidade de uma realidade empírica, historicamente situada e datada, para construí-la, porém, como ‘caso particular do possível’” (BOURDIEU, 2005, p. 15). É nesse sentido que, durante seu percurso de constituição de cientista social, ele vai construindo conceitos fundamentais (habitus, campo e capital), que possibilitam analisar o mundo sob a ótica da realidade relacional, das relações de poder que nela

12 É importante ressaltar que Bourdieu não empregava o conceito de práxis em seus estudos que, para ele, é um conceito que tem um ligeiro ar de grandiloqüência teórica e aparenta marxismo convencional. Ele sempre falou simplesmente de prática. Mesmo assim, as análises do seu trabalho e da sua teoria nos autorizam a utilizar o termo acima na medida em que nas suas formulações estava sempre de forma mais ou menos implícita a noção de práxis na sua utilização de conceitos como habitus, estratégias..., como ele próprio explica em Coisas Ditas (BOURDIEU, 1990).

se engendram, das forças que atuam sobre os agentes e daquelas que os agentes carregam na construção histórica da realidade social.

Essa é uma lógica que se recusa a tratar a realidade como estática, passível apenas de regularidades, que se recusa a tratar o homem como sujeito pré- determinado e que se recusa a ver o espaço social, construído a partir de uma lógica estruturada e imutável.

A noção de espaço contém, em si, o princípio de uma apreensão relacional do mundo social: ela afirma, de fato, que toda a ‘realidade’ que designa reside na exterioridade mútua dos elementos que a compõem. Os seres aparentes, diretamente visíveis, quer se trate de indivíduos quer de grupos, existem e subsistem na e pela diferença, isto é, enquanto ocupam posições relativas em um espaço de relações que, ainda que invisível e sempre difícil de expressar empiricamente, é a realidade mais real (...) e o princípio real dos comportamentos dos indivíduos e dos grupos (BOURDIEU, 2005, p. 48-49).

Essa noção de espaço (e sua relação com a epistemologia genética) é importante para entendermos o conceito de campo em sua teoria da ação. O campo é um espaço social que possui uma estrutura própria, relativamente autônoma em relação a outros espaços sociais. É um espaço estruturado de posições ou de postos, cujos proprietários dependem de suas posições dentro desses espaços e que podem ser analisados independentemente das características dos seus ocupantes, mas, em parte, essas características são determinadas pelos seus ocupantes (BOURDIEU, 1983).

Nesse sentido, a sociedade é considerada como um vasto campo social desigual, cabendo ao trabalho do sociólogo descobrir as homologias estruturais entre a posição na sociedade e os diferentes campos sociais construídos pela análise sociológica. Ela é formada por um conjunto de campos sociais, mais ou menos autônomos, atravessado pela luta de classes. Os campos surgem devido ao processo de diferenciação progressiva do mundo social, afinal, a evolução das sociedades traz novos universos, novos domínios (os campos), resultante da divisão social do trabalho. É o processo de diferenciação que permite a distinção de uns e de outros nos campos (funções religiosas, econômicas, científicas, jurídicas, políticas, etc.).

Bourdieu (1983) complementa sua reflexão dizendo que um campo se particulariza como um espaço onde manifestam relações de poder, o que significa

que ele se estrutura a partir da distribuição desigual de um quantum social, que determina a posição de um agente específico no seu seio. Essa compreensão da realidade social a partir de espaços sociais e de campos de poder rompe com a tendência de pensar a sociedade a partir de uma classificação abstrata, como a divisão da sociedade em classes, proposta por Marx.

Falar de espaço social é resolver, ao fazê-lo desaparecer, o problema da existência e da não-existência das classes [...]: podemos negar a existência das classes sem negar o essencial do que os defensores da noção acreditam afirmar através dela, isto é, a diferenciação social, que pode gerar antagonismos individuais e, às vezes, enfrentamentos coletivos entre os agentes situados em posições diferentes no espaço social (BOURDIEU, 2005, p. 49).

É necessário destacar que a cada campo corresponde um habitus (sistema de disposições incorporadas), próprio do campo e para que ele funcione é preciso que haja objetos de disputa e pessoas prontas para disputar o jogo, dotadas de

habitus que impliquem no conhecimento e no reconhecimento das leis imanentes ao

jogo. Apenas quem tiver incorporado o habitus próprio do campo tem condição de jogar o jogo e de acreditar n(a importância d)esse jogo. Cada agente do campo é caracterizado por sua trajetória social, seu habitus e sua posição no campo.

É importante compreender que, ao utilizar o conceito de habitus, Bourdieu (1983) o faz por dentro (enraizado em) de sua concepção epistemológica (que está prenhe de pressupostos gnoseológicos e ontológicos). Ou seja, o habitus é algo que se adquiriu, que se incorporou sob forma de disposições permanentes. É uma noção que se refere a algo histórico, “que é ligado à história individual, e que se inscreve num modo de pensamento genético (...), de fato, o habitus é um capital, que sendo incorporado, se apresenta com as aparências de algo inato” (p. 105).

Na definição e esclarecimento do conceito de campo, Bourdieu (1983, p. 107) o diferencia do conceito de aparelho (conceito utilizado por Althusser). Para ele, a noção de aparelho está vinculada ao pior dos funcionalismos: “é uma máquina infernal, programada para realizar certos fins”.

Um aparelho (ou instituição total) remete a algo mecanicamente submetido a uma intenção central, enquanto que a noção de campo é entendida como campo de forças, e também de lutas que visam transformar esse campo de forças (BOURDIEU, 2003b). O sistema escolar, o Estado, a Igreja, não são aparelhos, mas

campos que, em certas condições, podem funcionar como aparelhos e são estas condições que ele examina.

Num campo, os agentes e as instituições estão em luta, com forças diferentes e segundo regras constitutivas deste espaço de jogo, para se apropriar dos lucros específicos que estão em jogo neste jogo. Os que dominam o campo possuem os meios de fazê-lo funcionar em seu benefício; mas devem contar com a resistência dos dominados. Um campo se torna aparelho quando os dominantes possuem os meios de anular a resistência e as reações dos dominados. Isto é, quando o baixo clero, os militantes, as populares etc., não podem fazer mais do que sofrer a dominação; quando os movimentos são de cima para baixo e os efeitos de dominação são tais que a luta e a dialética constitutivas do campo cessam. Existe história enquanto existem pessoas que se revoltam, que fazem história (BOURDIEU, 1983, p. 106-107).

Essas referências e essa definição de espaço e de campo e sua articulação com a noção de habitus tornam evidentes que este autor considera as dimensões subjetivas do fenômeno social tal como é próprio das abordagens crítico-dialéticas. Também podemos destacar que ao falar dos diversos tipos de capital, ele vai defender que a dominação social não é só econômica, mas também cultural. Pensando a educação nesse contexto, podemos entendê-la como um campo pouco valorizado em diversos aspectos, o que reflete na produção do conhecimento sobre a mesma. Mesmo considerando que um campo tem uma autonomia relativa, e que as lutas que nele ocorrem têm uma lógica interna, o seu resultado nas lutas externas a ele (econômicas, sociais, políticas) pesam fortemente sobre a questão das relações de força externa. Aqui no nosso país, por exemplo, as diferenças (econômicas, políticas, sociais) que marcam as regiões do Centro-Sul em relação às regiões do Norte-Nordeste também se refletem no campo da pesquisa em educação.

Especificamente aqui no nosso estudo, é significativo o conceito de campo científico, na medida em que estamos interessados em discutir o funcionamento de um campo que envolve a pesquisa e o debate sobre o conhecimento, com o foco na produção do conhecimento sobre política educacional.

Podemos considerar a produção do conhecimento em política educacional um campo acadêmico de pesquisa ou subcampo do campo da pesquisa educacional. Nesse caso, o mesmo sofre as interferências e é marcado por processos característicos ao campo que lhe dá origem. Como exemplo, podemos destacar,

considerando que os objetos de estudos vão emergir da realidade sócio-histórica, o ‘modismo’ da pesquisa que acomete o campo da educação de tempos em tempos, seja na dimensão epistemológica, seja na dimensão temática, que também vai se abater nos estudos que versam sobre a política educacional.

Nesse âmbito temático, por exemplo, a década de 90 do século passado vê surgir/se firmar a pesquisa sobre educação como política pública tomando o lugar das pesquisas sobre planejamento e administração técnico-burocrática que era foco das pesquisas no período anterior. Ou seja, assim como o período em tela vai ser palco de debates sobre a temática política educacional, as pesquisas vão refletir esse momento, próprio de uma dinâmica relacional que acomete os campos revelando a própria dinâmica do real. Daí a proliferação de núcleos/linhas de pesquisa sobre política educacional nos PPGEs e a problematização do tema por várias instâncias, como associações de classe ou entidades científicas.