• Nenhum resultado encontrado

3 O CASO THE PROSECUTOR V DOMINIC ONGWEN NO TRIBUNAL

3.2 O CASO DE DOMINIC ONGWEN NO TPI

3.2.2 As alegações da acusação

Nesta oportunidade serão brevemente expostos os principais argumentos da promotoria (INTERNATIONAL CRIMINAL COURT, 2016). Em um documento de 285 páginas, a acusação imputou um total de 70 crimes contra Ongwen, divididos entre seis categorias, dentre os crimes contra a humanidade e os crimes de guerra, pelos ataques a quatro campos de refugiados (Abok, Lukodi, Odek e Pajule) proporcionados pelo governo, na região norte Uganda entre 2002 e 2005. Ressalte-se, ainda, que Ongwen é o réu que sofreu mais acusações na história do TPI.

A promotoria entendeu que o LRA era um grupo estruturado, organizado e hierarquizado. Dominic estaria em uma posição de autoridade e controle sobre as tropas. A acusação aponta os diferentes nomes que o réu utilizava para manter contato com os colegas rebeldes via rádios de alta frequência. Ele teria a consciência das circunstâncias de fato e agia como um comandante sênior, sendo o maior em 2005, e participante essencial nas ações do grupo LRA. As esposas compulsórias de Ongwen, bem como ex-comandantes, ex-combatentes e ex-abduzidos do LRA testemunharam a sua participação no conflito armado e no planejamento das ações do grupo como um líder controlador.

O LRA, conforme evidenciou a promotora Fatou Bensouda em seu discurso nas alegações iniciais em corte, era uma organização estruturada e hierárquica. Joseph Kony, o comandante geral, estava no topo da organização denominado “Altar de Controle”. Abaixo deste havia 4 brigadas: Sinia, Gilva, Trinkle e Stockree. As ordens eram dadas de cima para baixo e, de baixo para cima tinha-se os relatórios das operações. Ongwen comandou, a partir de março de 2004, a brigada Sinia (INTERNATIONAL CRIMINAL COURT, 2016).

A título de exemplo, há relatos de ex-combatentes que acusam Dominic de assassinar e espancar pessoas por motivos fúteis, além de estuprar com frieza suas esposas compulsórias. Inclusive, há testemunhas de mortes geradas por tentativa de fugas. Os oficiais subordinados de Ongwen, segundo testemunhas, seguiam as ordens deste para matar imediatamente as pessoas que tentassem fugir, sem necessidade de consulta prévia ou ordem direta, bastando apenas um relato posterior. A promotoria acusa Ongwen de ter o controle da distribuição das mulheres e meninas para os combatentes de seu batalhão e, depois, de sua brigada. O mérito para receber uma mulher vinha do ranking e tempo de serviço.

Testemunhas relatam que a brigada de Dominic era composta majoritariamente por crianças, inclusive muitas com idade média de 6 anos. Estas, tão novas e pequenas, já recebiam treinamento e arrastavam fuzis de modelo AK-47 consigo. A promotoria reconhece que Ongwen foi vítima deste mesmo crime de uso e recrutamento de crianças quando foi abduzido por uma geração anterior do LRA, porém destaca que ele teria 14 anos nesta época, contrariando a defesa que alega a idade de 9 anos e meio.

Uma testemunha, ex-esposa compulsória o réu, diz que ele geralmente era um homem bom, que brincava com os meninos de sua brigada e era amado por todos. Porém a mesma testemunha disse que ele a estuprava quando ainda era muito nova e espancando-a se recusava. Segundo a promotora, “homens legais podem fazer gentilezas e homens gentis podem fazer coisas cruéis. Uma coerência de 100% é rara e o fenômeno de perpetradores vítimas não é restrito a cortes internacionais”. Destaca, ainda, que tal problemática é comum a todas as jurisdições criminais.

A vitimização de uma criança, no passado, não seria uma justificativa ou uma desculpa para esta cometer crimes. Deve-se ter responsabilidade moral pelas suas ações. O processo penal no TPI não se volta para a bondade ou a maldade das

pessoas, mas sim para os atos criminosos praticados por estas. Ongwen será julgado pelo o que fez enquanto um adulto, não enquanto era uma criança-soldado. Nesta senda, as circunstâncias do passado podem servir como uma atenuante.

A promotoria obteve as gravações dos rádios de comunicação do LRA por meio de interceptação realizada pelas organizações militares e de segurança de Uganda. Tais evidências são muito volumosas e trazem diversos tipos de conteúdo que confirmariam as alegações da promotoria. A partir destas e de outras evidências, a acusação entendeu que Dominic tinha o conhecimento e a intenção de realizar os crimes alegados, fato que concretizaria o elemento subjetivo/mental/psicológico do crime. No que diz respeito ao elemento material, a acusação traz evidências da contribuição essencial e de maneira coordenada com outros perpetradores de Ongwen. Assim, os requisitos do art. 30 do Estatuto de Roma (BRASIL, 2002) estariam preenchidos para a responsabilização criminal do réu.

Dominic, segundo a promotoria, teria falhado em agir de forma necessária e razoável dentro de seus poderes, de modo a prevenir os crimes cometidos pelos seus subordinados, nem mesmo os submeteu para serem processados e julgados pelas autoridades competentes. Ele não somente teria deixado de tentar impedir os crimes, como, diante das evidências, teria demonstrado que os apoiou ativamente.

Por diversas vezes ele esteve afastado por dias ou semanas de qualquer autoridade do LRA, podendo ter escapado ou libertado as pessoas que estavam sob seu comando. Ademais, entre julho de 2002 e dezembro de 2005, os registros da Comissão de Anistia evidenciam que cerca de 9.000 membros do LRA se renderam e receberam anistia, porém, Ongwen não optou por isso, mas por continuar as atividades criminosas com os rebeldes.

Apesar das acusações já terem sido citadas em tópico anterior, neste também se faz necessário. Em relação aos crimes contra a humanidade, a promotoria alegou assassinato, tentativa de homicídio, tortura, escravidão sexual, estupro, escravização, casamento forçado como ato desumano, perseguição e outros atos desumanos.

Em relação aos crimes de guerra, a promotoria destacou o ataque contra a população civil, assassinato, tentativa de assassinato, estupro, escravidão sexual, casamento forçado, tortura, tratamento cruel, insultos à dignidade pessoal, destruição de propriedade, saqueamento, bem como o recrutamento e uso de crianças com idade

inferior a 15 anos de idade para participar ativamente de hostilidades.

Quanto à responsabilidade criminal, há quatro modalidades suscitadas pela promotoria entre crimes efetivamente cometidos, diretamente tentados, individualmente, em conjunto com outros coautores e indiretamente por intermédio de alguém, seja essa pessoa criminalmente responsável ou não (indirect co- perpetration), nos moldes do art. 25 (3) (a)3 do Estatuto de Roma (BRASIL, 2002). A

promotoria utilizou-se da jurisprudência do caso Lubanga, condenado pelo TPI por recrutar crianças com idade inferior a 15 anos para combate em conflitos armados, com a finalidade de avançar ainda mais quanto à confirmação dos pressupostos para a caracterização deste tipo de responsabilidade.

Assim, Ongwen foi considerado co-perpetrador pelo crime de alistamento ou uso de crianças na organização hierárquica do LRA, contribuindo essencialmente para a concretização deste crime em conjunto com outras pessoas, a partir de um plano em comum. Indiretamente, foi considerado perpetrador por realizar crimes “através de outros”, pois usou outra pessoa que fisicamente praticou o ato sob seu comando e controle.

Alega-se alternativamente que Dominic ordenou, solicitou ou instigou os crimes em questão, sob forma consumada ou tentada, conforme indica o art. 25 (3) (b) da mesma legislação (BRASIL, 2002). Como cúmplice ou encobridor, ou colaborador de algum modo na prática ou na tentativa do crime, nomeadamente pelo fornecimento dos mecanismos para a sua realização, nos moldes do art. 25 (3) (c) (BRASIL, 2002), Ongwen foi acusado pelos ataques somente em Pajule (um dos campos de refugiados já citados).

Ademais, há acusações contra o réu por outras contribuições para a concretização de um crime, ou para a sua modalidade tentada, realizado por um grupo de pessoas que agem com um mesmo propósito, por força do art. 25 (3) (d) (BRASIL, 2002). Por fim, há acusação pelo comando e controle efetivo das ações criminosas, haja vista seu posicionamento de liderança no grupo LRA, conforme o art. 28 (a) (BRASIL, 2002).

Documentos relacionados