Ao longo presente trabalho, restou evidente que o fenômeno das crianças soldado é um problema mundial que necessita da atenção da comunidade internacional. Os jovens que são utilizados como soldados em conflitos armados sofrem doutrinação e coação, na medida em que são obrigados a cometer crimes sob a ameaça de morte e grave lesão corporal. As vítimas que hoje são crianças podem se tornar adultos criminosos no futuro, como é o caso de Dominic Ongwen, atual réu do TPI. Diante da sua complexa situação, surge a discussão acerca da responsabilidade criminal de ex-crianças-soldado perante esta corte.
Após a análise da problemática que as envolve, nota-se que ex-crianças-soldado podem não sofrer responsabilização criminal. Os argumentos que sustentariam essa possibilidade foram expostos ao longo deste trabalho, como a ausência do elemento psicológico, que seria a intenção de cometer os atos ilícitos, por conta da contínua coação, da impossibilidade de fuga e do medo. Ademais, há também o argumento de que ex-crianças-soldado podem não compreender a ilicitude de suas ações, em razão do comprometimento de seu desenvolvimento moral pela experiência duradoura de guerra, violência, coação e doutrinação.
Para além do mero juízo de subsunção das ações aos tipos penais descritos no Estatuto de Roma, há uma realidade influenciada por diversas variáveis a serem estudadas por outros ramos que não somente o Direito, como a psicologia, a sociologia e a própria medicina. Com tais estudos interdisciplinares, toda a complexidade do fenômeno das crianças-soldado poderia ser melhor compreendida pelo TPI e, desta forma, a melhor justiça seria aplicada.
Por mais que ex-crianças-soldado sejam vítimas e que haja argumentos ao seu favor, a exclusão da responsabilidade criminal não deve ser automática. Muitos dos maiores criminosos que a humanidade já viu tiveram um passado sofrido que, de certa forma, influenciou a sua condução criminosa, porém não deixaram de ser punidos. O preâmbulo do Estatuto de Roma (BRASIL, 2002) indica que um dos objetivos do TPI é pôr um fim à impunidade dos autores dos crimes de maior gravidade, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto, além de contribuir para a prevenção destes crimes.
Portanto, uma análise casuística deve ser realizada pela corte, para que as vítimas dos mencionados crimes tenham satisfeitas as suas pretensões, até porque a reparação destinada a estas, tais como a restituição, a indenização ou a reabilitação, somente é determinada contra o réu em caso de condenação. Caso houvesse a exclusão da responsabilidade automática de ex-crianças-soldado, um precedente perigoso seria estabelecido e a insegurança jurídica tomaria conta do TPI.
É necessário que a comunidade internacional dê apoio aos programas de Prevenção, Desarmamento, Desmobilização e Reintegração de crianças soldado, a fim de inibir a “reincidência” de voluntários para as guerras e novas abduções de ex- recrutas. A sociedade como um todo deve assumir sua responsabilidade de cuidar das crianças e, conforme já demonstrado neste trabalho, há diversos tratados internacionais que endossam essa ideia.
O caso de Dominic Ongwen ainda está em fase de julgamento e somente os juízes da Corte são competentes para avaliar todas as provas, testemunhos e indícios, os quais contribuirão para a formação de seus entendimentos. Cabe a este trabalho somente analisar a possibilidade de excluir a responsabilidade criminal de ex- crianças-soldado a partir do caso Ongwen sem se ater, entretanto, ao juízo decisivo do referido processo.
A responsabilidade criminal de Ongwen pode ser excluída e atribuída à Kony, quem supostamente detinha o domínio do fato, ou seja, controle de suas ações. Contudo, este pode não ser o entendimento da Corte e o terrível passado de Dominic servir apenas como uma atenuante em sua sentença condenatória, conforme alega a promotoria. Ongwen é o primeiro réu do TPI que já foi vítima dos crimes que cometeu, haja vista sua trágica história como criança-soldado, e seu caso pode não ser o último.
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