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Como o filme passaria a ser utilizado dessa aula em diante, além das gravações em áudio e vídeo, já realizadas desde a aula anterior, o professor passou a documentar suas experiências por meio de um diário de campo. O relato feito aqui, a partir deste momento mais profusamente e com mais detalhes, tem como referência de pesquisa o material gravado e o diário de campo, assim como as próprias lembranças do professor-pesquisador.

Na primeira parte da aula em cada turma, o professor devolveu os exercícios entregues na aula anterior. Exercícios estes já então corrigidos. Após fazer observações acerca do desempenho dos estudantes e pontuar determinadas correções, que tomaram um tempo significativo da aula, passou então para o tema da aula que seria o cinema soviético e a Revolução Russa.

Nessa parte da aula, o professor sugeriu aos alunos que formassem grupos de quatro ou cinco estudantes e entregou a cada um desses grupos uma “Ficha de Análise do Documento Histórico” cujo modelo pode-se encontrar em anexo (apêndice G). Esse instrumento foi formulado pelo próprio professor com base em estudos realizados na área de Metodologia do Ensino de História. A principal fonte para a sistematização desse modelo adveio do livro “O Professor-Pesquisador em Educação História” (OLIVEIRA, 2011).

A maior parte da aula foi ocupada em familiarizar os estudantes com essa ferramenta cujo objetivo é municiar a percepção do “aprendiz de historiador”, auxiliando o educando a pensar historicamente. Ela pode ser aplicada a qualquer tipo de fonte histórica: periódicos, cartas, leis, canções, etc. No caso em questão, ela seria utilizada para analisar filmes. É do nosso entendimento também que se trata de um instrumento capaz de viabilizar uma maior eficácia no processo de mediação simbólica que a assistência ao filme permite. Ao longo deste capítulo, ocupar-nos-emos de demonstrar essa asserção, bem como problematizaremos os seus limites.

A ficha foi explicada ponto por ponto, o que talvez tenha contribuído para tornar a aula um pouco enfadonha, pois a participação da turma foi nula. Ao invés de pedir para que os estudantes a lessem e tirassem suas dúvidas ou se pronunciassem de algum modo sobre o assunto, o professor se limitou a fazer uma demorada exposição acerca do tema, tornando algo que deveria ter sido lúdico num exercício quase burocrático e criando talvez uma predisposição negativa dos estudantes em relação à atividade. Essas observações foram feitas pelo professor-pesquisador, após a aula (registradas no diário de campo). Elas subsidiaram a formulação da hipótese segundo a qual, ao trabalhar com o cinema, a atividade será mais eficiente se a apresentação do filme for breve e for possível criar uma atmosfera de “leveza” em torno da sua exibição. Essa problematização foi, portanto, útil na elaboração do plano de ação.

Ainda sobre a ficha de análise do documento histórico, é preciso destacar certos apontamentos com vistas a elucidar para o leitor os fundamentos metodológicos que

sustentam a prática docente em presente análise. Como se pode observar no modelo, a ficha subdivide-se em três seções: identificação, interpretação e conclusões. A primeira seção trata de interrogar acerca de três questões cruciais: “quem?” “onde?” e “quando?”. Essas questões permitem situar o documento num contexto histórico específico no sentido de viabilizar a sua leitura e interpretação crítica. Elas apontam para a necessidade de averiguar o lugar de fala do sujeito histórico que produziu tal documento, empreendendo uma pesquisa acerca da sua autoria e das instituições a qual pertence. Essa abordagem possibilita esclarecer a visão de mundo, os valores, a ideologia e os filtros culturais implicados na forma e conteúdo do documento a ser analisado no preenchimento da segunda seção da ficha.

A segunda seção é a parte da análise propriamente dita. Distinguindo “conteúdo” e “forma” é possível atentar para os aspectos estéticos, por exemplo, da obra cinematográfica. A premissa da qual partimos é a de que a sensibilidade dos educandos merece ser estimulada. Mas, além da necessidade de uma educação artística, é preciso aguçar o senso crítico para o discurso implícito na forma em que a mensagem é transmitida, porque às vezes “o meio é a mensagem” (MCLUHAN, 1964). Um filme mudo e preto e branco comunica determinadas emoções e ideias que um filme colorido, sonoro e 3D não o faz. E vice-versa. Não é apenas uma questão de carência de cores, som e tridimensionalidade. Como afirma Rojo (2012), diferentes modalidades requerem distintos letramentos. Por exemplo, será preciso que os atores “exagerem” na pantomima, no cinema mudo. Essa expressividade permitirá gerar um efeito cômico ou dramático desejado. Ainda exemplificando, o reconhecimento desses artifícios possibilita identificar uma estratégia de ridicularização de um personagem, por representar uma conduta rejeitada dentro do sistema de valores dos realizadores do filme (HALL, 1973). Recorrendo à caricatura das expressões faciais e gestuais, que às vezes podem ultrapassar a intenção de provocar o riso, denunciando um certo julgamento sobre o que é ridículo. Veremos como isso se dá ao analisarmos o filme exibido e debatido.

A terceira seção da ficha de análise do documento histórico refere-se às conclusões a respeito do documento. Trata-se de apreender os objetivos, declarados ou não, conscientes ou não, do documento histórico analisado. Bem como o impacto que teve o artefato dentro do processo histórico como um todo. Após toda a análise feita das seções anteriores, a partir dos dados pesquisados e da interpretação realizada, o estudante deverá ser capaz de inferir a finalidade e o relevo histórico do documento. Visamos construir através desse método uma

“aprendizagem por descoberta” e deslocar a centralidade da construção do saber do educador para o educando.

Já no fim da aula, o filme começou a ser exibido. O filme chama-se “As Aventuras Extraordinárias de Mr. West no País dos Bolcheviques” (AS AVENTURAS…, 1924) e possui apenas 77 minutos. Essa duração relativamente curta foi um dos critérios pelos quais o título foi escolhido, uma vez que se julgou não ser necessário tantas aulas para exibir o filme na íntegra. Como já aludido anteriormente, o fator tempo é determinante na sala de aula da referida escola. Como, aliás, é em qualquer sala de aula. Entretanto, obviamente, a exibição do filme não foi concluída. Ela seria retomada na aula seguinte. Em condições, diga-se de passagem, menos que ideais.

Jamais ao longo do nosso experimento nos faltou uma televisão para exibir um filme para a turma. Entretanto, nesta aula específica e na aula seguinte, a televisão teve de ser transportada para a sala de aula, pois a sala de vídeo já fora agendada por outro professor com antecedência. Essa circunstância nos fez incorrer em prejuízo por três motivos, além do já apontado motivo de não haver silêncio nos minutos que sucedem o intervalo “oficial” das aulas. Primeiro, a claridade da sala de aula interfere com a atmosfera de exibição do filme. As salas de aula da escola não dispõem de interruptor para apagar as luzes. Sendo a única forma de desligá-las pelo disjuntor do quadro geral da escola, ou seja, desligá-las resultaria no corte de toda a energia da sala, inclusive a que mantém o televisor ligado. Outrossim, por tratar-se a sala de aula de um ambiente muito mais espaçoso do que a sala de vídeo, os estudantes tendem a se sentar distantes do televisor, o que dificulta a leitura das legendas, diminui a visualização do filme em si, como também contribui para que os alunos se dispersem com maior facilidade. O pior inconveniente é o tempo que leva para instalar o televisor ao computador, o que consome ainda mais o nosso pouco tempo de aula. Mesmo que nada disso seja uma tragédia e a exibição do filme tenha transcorrido normalmente, é pertinente pontuar as limitações encontradas no nosso trabalho.

Desejamos oferecer ao leitor uma sinopse da obra escolhida para abordar a temática da Revolução Russa. Mr. West é um pequeno burguês estadunidense intrigado com a nação russa. Ele deseja conhecer o país, mas é alertado pelos seus pares de que o lugar é povoado por bárbaros desumanos. Mesmo assim, Mr. West contrata um guarda-costas, Jeddy, o caubói, e se lança na aventura de conhecer a “Terra dos Bolcheviques”. Lá chegando, ele é furtado e, ao se perder de Jeddy, é ludibriado por um bando de vigaristas, que o convencem a dar-lhes

seus “dólares americanos” em troca de proteção contra os “selvagens” bolcheviques. No final, Mr. West é resgatado das artimanhas desses malfeitores, por seu leal guarda-costas e a ajuda de um policial russo, “um verdadeiro bolchevique”. Mr. West descobre que a Rússia é, na realidade, uma maravilha moderna e escreve para a sua esposa mandando-lhe pendurar um retrato de Lenin no seu quarto. Essa é a narrativa que se desdobraria ante os olhos dos educandos nesta e na seguinte aula. Comentaremos alguns aspectos centrais desse filme ao relatarmos a próxima aula.

3.6 As Aventuras Extraordinárias do Terceiro Ano com o Cinema Bolchevique 2 (Aula