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O cineclubismo é, segundo Giovanni Alves (2010, p. 11), “um movimento cultural capaz de formar não apenas público, mas sujeitos humanos comprometidos com a transformação histórica da sociedade burguesa” o que envolve ir além da mera exibição do filme. Segundo o autor, trata-se de um exercício de democracia radical, porque exige a participação do público, bem como seu engajamento crítico.

Na visão de Inês Teixeira (2010, p. 117), “é urgente e necessário, tanto quanto será belo, o encontro, o romance do cineclubismo com a escola”. Regina Leivas (2010, p. 95) corrobora essa afirmativa ao argumentar que “a aproximação entre escola e movimento cineclubista poderá ser extremamente benéfica para ambos” numa perspectiva da “Pedagogia da Imagem”. O apelo justifica-se em razão da pouca inserção da imagem nos currículos escolares. Isso em virtude da crença amplamente difundida de que a imagem é uma evidência por si mesma. E que, portanto, ninguém precisaria ser ensinado a ver.

Contrariando o senso comum que nos traz essa noção, Flávio Brito (2010, p. 76) chega a crer que “se a alfabetização letrada se tornou um requisito básico para cidadania, podemos ampliar esse entendimento ao mundo contemporâneo, onde a compreensão dos elementos expressivos das linguagens audiovisuais adquire valor semelhante.”. Leivas argumenta nesse mesmo sentido levantando o seguinte questionamento:

Desconhecer os clássicos da literatura é considerado como imperdoável, uma lacuna na formação dos jovens que necessitam tomar contato com este “tesouro da juventude”. Mas, em relação às produções cinematográficas? Não necessitariam conhecê-las também? Não constituiriam uma parte da produção cultural de suma importância a ser conhecida e considerada como relevante em educação? (LEIVAS, 2010, p. 88)

Diante dessa lacuna denunciada pela autora, escola e cineclube, ambos, teriam a missão de “alfabetizar para 'ver'” (LEIVAS, 2010, p. 87).

Contudo, Macedo (2010) nos adverte que reconhecer a vocação pedagógica das imagens cinematográficas não significa domesticar o olhar. Se a escola deve incorporar para si as práticas cineclubistas, ela deve ter clareza da primazia que o debate assume nessas

instituições de educação não-formal. Pois uma vez que o público “já nasceu na frente da televisão e se socializa principalmente através das mídias audiovisuais”(MACEDO, 2010, p. 49), as visões de mundo devem ser construídas coletivamente mediante a valorização dos conhecimentos prévios dos participantes. Isso não significa abandonar objetivos pedagógicos, mas sim criar uma atmosfera que favoreça a aprendizagem. No dizer de um poeta popular: “deixa acontecer naturalmente”. Se a escola deseja se espelhar nessa atmosfera convidativa do cineclube, ela deve incorporar o dialogismo no cerne de suas propostas curriculares.

Um novo modelo de escola em que a dimensão afetiva da subjetividade humana seja colocada em relevo deve resgatar a arte do papel coadjuvante que tem desempenhado nos nossos currículos (MORIN, 1997 apud LEIVAS, 2010, p. 88). O lúdico e a fruição estética que a prática do cineclubismo pressupõe pode nos estimular a pensar que a escola não deve apenas preparar para a vida, mas também viver a vida. Ao mesmo tempo a criticidade na recepção da obra cinematográfica exercitada devido a uma discussão qualificada vem a se somar à dimensão racional dos processos formativos valorizados pela escola.

O ponto de vista assumido aqui é que mesmo quando educadores, educandos e gestores não possam criar cineclubes nas suas respectivas escolas, tal como defendido por muitos militantes do movimento cineclubista (ALVES, 2010), pois nem sempre isso é possível, a escola deve tentar se aproximar do cineclube em alguns de seus princípios e procedimentos. Para tanto, é preciso que haja investimento na formação de professores com o intuito de que se tornem, eles mesmos, os espectadores críticos que são incumbidos de formar (LEIVAS, 2010).

O espírito lúdico, democrático, voluntário e colaborativo que permeia as práticas cineclubistas refletem valores a serem incorporados pelas instituições escolares. Tais valores coincidem com o que existe de mais precioso na cibercultura, trazendo em seu bojo a já referida cultura participativa. É nesse sentido que o cineclubismo, ou o uso do cinema na escola inspirado nas práticas cineclubistas, pode ser identificado a uma prática de letramento digital. A formação de uma cidadania digital não consiste meramente no treinamento de um usuário, apto a operar uma máquina. Ela se manifesta na introjeção de determinadas atitudes conducente à adoção de uma postura crítica, responsável e solidária dentro e fora do meio virtual.

Felipe Macedo (2010) vê no cineclubismo o “arquétipo da organização do público audiovisual” (p. 38). O público do audiovisual teria, por sua vez, o mesmo estatuto

revolucionário que o proletariado tivera em outra etapa da modernidade. Esse ponto de vista não é de todo delirante se considerarmos que as classes dominantes contemporaneamente apropriaram-se dos meios de produção dos bens simbólicos com o mesmo ardor que os meios de produção de bens materiais. As corporações transnacionais e as oligarquias nacionais apoderaram-se tanto dos meios de comunicação quanto de uma parcela expressiva da rede privada de educação formal, assumindo, por assim dizer, uma posição estratégica dentro dos aparelhos ideológicos, moldando mentalidades mediatizadas pela linguagem audiovisual. Na contra-hegemonia dessa luta de classes estaria o cineclube, com seu projeto alternativo de visão de mundo.

Essa perspectiva pode ser suspeita de mania de grandeza, mas suas diretrizes não são infundadas, haja vista a centralidade que o audiovisual alcançou em nossa sociedade espetacularizada. Ademais, elas apontam para a necessidade de assumir uma posição num embate político que não pode ser desconsiderado. Também a escola é chamada a posicionar-se nessa “luta pela hegemonia no controle dos meios de produção e circulação da reprodução simbólica da realidade” (MACEDO, 2010, p. 39). Pois se quiser ser uma escola reprodutora da sociedade não há motivo para questionar as representações dominantes que circulam pela mídia, seja esta audiovisual ou não, e, por conseguinte fincam raízes em nossa sociedade.

Um dado relevante para dimensionar a importância do cineclube na atualidade é o de que apenas 10% dos municípios brasileiros têm sala de cinema (MACEDO, 2010, p. 33). Frente a essa exclusão, as seguintes palavras de um importante cineclubista adquirem pertinência

Numa sociedade em que os meios de representação simbólica se tornaram centrais na reprodução do modo de vida e das relações sociais, o proletariado moderno não se define apenas por não possuir os meios de produção, mas também especificamente por não possuir os meios de produção simbólica; não apenas por ter somente sua força de trabalho para negociar no mercado mas, igualmente e complementarmente, sua atenção, sua subjetividade (MACEDO, 2010, p. 41).

Essa exclusão, da ordem de 90% da população, aponta para a grandeza da tarefa que os cineclubes se propõem a assumir. Diante desse vácuo, encontra-se a maioria absoluta da população que, a despeito disso, constitui o público audiovisual. Essa circunstância aliada ao fato de que a maior fatia do que o público brasileiro consome, em termos de cinema, pertence ao mercado estrangeiro, ajuda a entender a promulgação da Lei n. 13.006, de 26 de junho de 2014, que obriga a exibição de 2 horas por mês de filmes nacionais nas escolas. Desse modo, faz bastante sentido a formação de cineclubes, inclusive nas escolas, como meio de

organização do público, buscando a uma proposta de educação, que deve ser entendida como um “processo de autoformação, de construção de uma consciência social capaz de construir uma alternativa histórica transformadora” (MACEDO, 2010, p. 53).