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Retomando a trajetória conceitual e histórica da pluriatividade é indispensável considerar três (03) fatores que contribuíram para o reconhecimento da relevância acadêmica e social da pluriatividade a partir de 1980 nos países europeus (SCHNEIDER, 1999):

1) De ordem conceitual: o uso da noção de part-time-farming era impreciso e dificultava a separação do chefe da família da função produtiva da propriedade; 2) O deslocamento etimológico: por iniciativa de pesquisadores de países ligados à

Comunidade Econômica Européia (CEE, atualmente União Européia-UE) para estudar em profundidade as unidades familiares rurais que combinavam a

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agricultura com outras atividades, formulando a pesquisa Arkleton Trust Project, na qual se adotou a unidade familiar como unidade de análise e não o chefe da propriedade rural ou o tempo de trabalho gasto em atividades agrícolas;

3) Os debates em torno da reforma da Política Agrícola Comum (PAC), iniciados no final da década de 1980 e concluídos em 1992.

Estes três fatores demonstram que a emergência da pluriatividade ocorreu na inter-relação de fatores macro e micro estruturais. Verifica-se que a utilização do termo pluriatividade permite incorporar os fenômenos da multiplicidade de formas de rendas de trabalho nas unidades rurais.

Assim, a pluriatividade permite apreender a propriedade como uma unidade de produção e reprodução não baseada apenas na agricultura, além de possibilitar separar a alocação do trabalho dos membros da família de suas atividades principais, contemplando a separação do trabalho efetivo das suas rendas (SCHNEIDER, 1999, p. 186).

Segundo Romero (2003, p.5), o crescimento da pluriatividade e dos empregos não-agrícolas, especificamente no Uruguai, está articulado à própria dinâmica da família, pois é no âmbito da unidade familiar que se “realizan las decisiones relativas a las estrategias de sobrevivencia del grupo domestico y de reproducción de los activos aplicados en la explotación agrícola”.

Portanto, a pluriatividade está mais propícia a ocorrer numa unidade produtiva com maior número de membros ocupados em diferentes atividades. O desenvolvimento das práticas pluriativas possibilita caracterizar a unidade como multidimensional, na qual se pratica a agricultura e outras atividades, tanto dentro como fora da propriedade, pelas quais são recebidos diferentes tipos de remuneração e receitas (rendimentos, rendas em espécie e transferências) (FULLER apud ROMERO, 2003, p. 5).

Ainda com base nas argumentações de Romero (2003, p. 5), a pluriatividade deve ser entendida não como produto de uma decisão individual qualquer, mas “de una opción precisa de cierto tipo de trabajo, con permanencia en el tiempo, en la retribución y perspectivas de carreras bien determinadas”. Esta assertiva ressalta que a pluriatividade não é resultado de uma lógica individual, mas está imbricada nas decisões no âmbito da família.

Contudo, a individualização do trabalho é uma das principais facetas das transformações nas famílias pluriativas e não-agrícolas. Isso se deve pela inserção dos membros em atividades externas à agropecuária e, também, pela redução das áreas cultivadas com lavouras. Nos bairros rurais pesquisados no Município de Presidente Prudente, mais

precisamente nas famílias pluriativas e não-agrícolas, é complicado falar em produção familiar, por dois motivos: 1) a atividade agropecuária não absorve mais todos os membros das famílias; 2) a saída dos filhos da propriedade na busca de uma inserção no mercado de trabalho urbano.

Assim, as mudanças societárias no meio rural proporcionaram novas facetas, novas dinâmicas e novas complexidades nas relações de trabalho, articulando profundamente todos os setores da economia e criando uma nuvem nebulosa entre o rural e o urbano. Dentre as mudanças apresentadas por Conterato; Schneider (2005) sobre a agricultura e o mundo rural, merecem destaque: a maior competitividade entre as regiões produtivas; o desenvolvimento de inovações no campo da biotecnologia e da genética; e, a preocupação ambiental. Pode-se acrescentar, também, a busca de especialização produtiva e a alusão do rural como espaço de consumo e de lazer.

Conterato; Schneider (2005) mencionam alguns fatores que podem levar à pluriatividade: a modernização técnico-produtiva; a queda das rendas agrícolas e o aumento dos custos da produção agrícola em decorrência da dependência cada vez maior dos insumos, maquinários e do capital financeiro e rentista; as políticas de estímulos às atividades rurais não-agrícolas e a contenção das migrações32; as mudanças nas relações de trabalho; a dinamização do mercado não-agrícola; e o reconhecimento da importância da agricultura familiar.

Estes fatores são tanto de ordem macro como micro, ou seja, a expansão da pluriatividade e das atividades não-agrícolas dependem da interação das variáveis endógenas e exógenas, do micro e macro. Isso porque a decisão de desenvolver uma atividade não- agrícola combinada ou não à agricultura depende da composição da família, do tamanho da propriedade, da faixa etária dos membros em idade ativa, além do mercado de trabalho local, do contexto político e da conjuntura econômica vivenciada.

É pertinente a concepção de pluriatividade que Conterato; Schneider (2005, p.6) expõem, caracterizando-a como a “combinação das múltiplas inserções ocupacionais das pessoas que pertencem a uma mesma família”. Tais inserções podem ser desde atividades agrícolas exercidas tanto dentro como fora da unidade familiar, até as atividades não-agrícolas praticadas no interior ou não da propriedade rural.

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Esse fator é predominante nos países desenvolvidos, onde o Estado cria políticas de estimulo à dinamização do rural, não apenas como local de produção agrícola, mas também como moradia, lazer, preservação ambiental e cultural. E, mais do que isso, a superprodução agrícola e o pagamento elevado dos subsídios aos produtores rurais afetam diretamente as mudanças na PAC.

Apóia-se na perspectiva de Conterato; Schneider (2005), Schneider (2003) e Sacco dos Anjos (2003) sobre o equívoco de associar a pluriatividade com formas marginais, ou seja, como se a pluriatividade tendesse apenas à proletarização e o espaço rural se comportasse como homogêneo e unívoco. Ao contrário, a pluriatividade se comporta como uma estratégia de reprodução social, na qual a família e os indivíduos traçam decisões tanto no plano imediato como alicerçado num planejamento racional.

As características da pluriatividade variam de acordo com o indíviduo- membro que a exerce, pois tal processo social acarreta efeitos distintos sobre o grupo doméstico e sobre a unidade produtiva, de acordo com variáveis como o sexo ou posição na hierarquia da família de quem a pratica. O mesmo pode-se dizer das condições sociais e econômicas locais, do ambiente ou do contexto, em que ocorre a pluriatividade. Nesse caso, variáveis exógenas à unidade familiar, como o mercado de trabalho e a infra- estrutura disponível [...] (CONTERATO; SCHNEIDER, 2005, p. 6/7). Levar em consideração as variáveis endógenas e exógenas permite dar um caráter mais abrangente e integrador à pluriatividade, pois a busca de renda por parte das famílias rurais está estritamente articulada aos dois fatores (lógica interna da família e o ambiente externo). Se a região tem um potencial turístico, agrícola ou industrial, os meios e mecanismos para a prática destas atividades serão distintos. A adoção de estratégias depende deste jogo de variáveis.

Utilizando as contribuições de Etxezarreta (2003) mencionadas por Sacco dos Anjos (2003, p. 88), pode-se afirmar que a pluriatividade deve ser analisada numa postura integradora entre as dimensões macro e micro, pois a combinação de atividades não ocorre apenas pelas características internas da família, mas também “por el contexto econômico y social que le rodea y por las políticas económicas que le afectam”. Assim, a dimensão teórica e operacional da pluriatividade deve ser enquadrada como um fenômeno que abarca elementos endógenos e exógenos.

A pluriatividade, portanto, não se trata de um fenômeno conjuntural, mas sim do resultado de um amplo processo de transformação da agricultura, em correspondente sincronia com a dinâmica da economia em geral e no marco da profunda reestruturação que atravessa o modo de produção capitalista (SACCO DOS ANJOS, 2003, p. 91).

Segundo Graziano da Silva (1999), a pluriatividade, na maioria das vezes, se associa a um fator complexo, a combinação de vários tipos de atividades exercidas por um ou mais membros da família, podendo configurar-se em duas formas básicas:

1) Por meio do mercado de trabalho relativamente indiferenciado, que combina desde a prestação de serviços manuais até empregados temporários nas indústrias tradicionais (agroindústria, têxtil, vidro, bebidas etc.);

2) Por meio da combinação de atividades tipicamente urbanas (setor terciário) e a agropecuária.

Para Graziano da Silva (1999), a generalização da agropecuária em tempo parcial nos países desenvolvidos decorre da redução do tempo de trabalho necessário dos produtores e aponta dois aspectos favoráveis ao desenvolvimento da pluriatividade:

 O crescimento da mecanização das atividades agrícolas e da automação das atividades criatórias;

 Os programas de redução das áreas cultivadas (set-aside) e/ou extensificação da produção agropecuária.

Assim, a pluriatividade está atrelada a 5 (cinco) aspectos primordiais nos países desenvolvidos:

1. O desmonte das unidades produtivas em função da possibilidade de externalização de várias atividades anteriormente realizadas nas propriedades através da contratação de serviços externos;

2. A especialização produtiva crescente, permitindo o aparecimento de novos produtos e de mercados secundários, como, por exemplo, de animais jovens, de mudas e de insumos;

3. A formação de redes, vinculando fornecedores de insumos, prestadores de serviços, agricultores, agroindústrias e empresas de distribuição comercial;

4. O crescimento do emprego qualificado no meio rural, especialmente de profissões técnicas e administrativas, de conteúdos tipicamente urbanos, como motoristas, mecânicos, digitadores e profissionais liberais, vinculados às atividades rurais não-agrícolas;

5. A melhoria na infra-estrutura social e de lazer, maior facilidade de transporte e meios de comunicação, possibilitando maior acesso aos bens públicos, como previdência social, saneamento básico, assistência médica e educação, além da melhoria substancial na qualidade de vida para os que moram nas zonas rurais.

Nos países em desenvolvimento, onde a conjuntura e a situação social, cultural, política e econômica são diferentes, a pluriatividade não se mostra invisível e oculta. Nos países latino-americanos, especificamente, está crescendo a busca por ocupações não- agrícolas e a combinação destas com a agricultura. No Brasil, está ocorrendo o crescimento

das atividades não-agrícolas relacionadas à proliferação de indústrias e agroindústrias e às novas demandas em termos de moradia, lazer, preservação ambiental e serviços.

Observa-se que a pluriatividade e o desenvolvimento de atividades não- agrícolas constitui-se numa das alternativas das famílias rurais para elevar a renda e garantir a permanência no campo. Contudo, essa característica não é generalizada, ou seja, há áreas em que a pluriatividade tem um caráter transitório, enquanto em outras ela se manifesta como indispensável e consubstanciada nos empregos assalariados e domésticos. Portanto, caracterizar a pluriatividade como uma alternativa inquestionável para elevar a renda da população rural é equivocada. É necessário analisar a correlação das variáveis endógenas e exógenas.

Não se pode caracterizar o meio rural brasileiro somente como agrícola, porque o conjunto de atividades não-agrícolas responde cada vez mais pela nova dinâmica populacional do meio rural brasileiro (GRAZIANO DA SILVA, 1999).

O autor supramencionado aponta que o mundo rural brasileiro ganhou novas funções e “novos” tipos de ocupações, tais como:

1. Propiciar lazer nos feriados e fins de semana, através de pesque-pague, hotel- fazenda etc.;

2. Dar moradia ao segmento crescente da classe média alta que prefere condomínios rurais fechados em zonas suburbanas;

3. Desenvolver atividades de preservação e conservação, o ecoturismo;

4. Abrigar o conjunto de profissões tipicamente urbanas, como mecânicos, digitadores, trabalhadores domésticos, entre outros.

A crise agrícola dos anos de 1980/90 e a queda dos preços das principais commodities, como suco de laranja, café e grãos, colocou limites à expansão da agropecuária, ao mesmo tempo em que proporcionou novas oportunidades aos pequenos produtores familiares (GRAZIANO DA SILVA, 1999).

O autor supracitado aponta que houve limites para o crescimento agrícola durante os anos de 1990, dando impulso às “novas”33 atividades no meio rural.

Conseqüência do esforço de diversificação dos pequenos produtores para se inserirem nos novos mercados locais que se abrem. E não pode ser considerada parte do processo de proletarização que resulta da decadência da

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Para Graziano da Silva (1999), o termo “nova” foi colocado entre aspas porque muitas dessas atividades são seculares no país, mas não tinham, até recentemente, importância enquanto atividades econômicas de“ fundo de quintal”, “hobbies pessoais” que foram transformados em importantes alternativas de emprego e renda no meio rural.

propriedade familiar; mas sim uma etapa da diferenciação social e econômica das famílias agrícolas, que já não conseguem se reproduzir apenas nos espaços agrícolas do novo mundo rural, que está sendo construído a partir da valorização de bens não tangíveis antes ignorados, como a paisagem, o lazer e os ritmos dos cotidianos agrícolas e pecuário. (GRAZIANO DA SILVA, 1999, p. 102).

Kageyama (2003, p. 58) assinala que a pluriatividade e as rendas não- agrícolas são “mecanismos que podem viabilizar a sobrevivência da agricultura familiar no capitalismo, contribuir para a fixação da população no meio rural e para aliviar a pobreza rural”. Na concepção de Heron citado por Kageyama (1998, p. 15), a pluriatividade pode representar tanto uma estratégia de sobrevivência como uma estratégia de expansão do capital, ou seja, o agricultor pode elevar sua renda, permitindo comprar mais terras e outros ativos produtivos. Assim, as unidades familiares adotam estratégias de reprodução social em resposta às crises econômica e social. A renda e o bem-estar das famílias rurais dependem da combinação de três componentes: 1) valor obtido com a produção agropecuária; 2) salários recebidos pelos membros da família como empregados em outras explorações agrícolas; 3) rendas não-agrícolas, como aposentadorias, pensões e outras fontes.

(...) há uma certa independência entre a atividade em setores não-agrícolas (pluriatividade) e rendas não-agrícolas. A quase totalidade dos domicílios que possuem rendas não-agrícolas dependem de aposentadorias, pensões, previdência e outros benefícios (...) A pluriatividade (...) está no caso brasileiro associada às múltiplas fontes de rendas, sendo que nos domicílios pluriativos as rendas não-agrícolas constituem 67% da renda total (KAGEYAMA, 2003, p. 68).

Nesse sentido, a pluriatividade engendra o conceito de rendas múltiplas, pois existem fontes de renda não derivadas do trabalho, mas de benefícios sociais, como a aposentadoria rural (KAGEYAMA, 1998).

Um dos pontos que instiga, neste trabalho, refere-se aos elementos operacionais e às variáveis metodológicas - como a unidade de análise, a escala e as variáveis (renda e atividades). Para esclarecer estes elementos presentes no estudo da pluriatividade e atividades e rendas não-agrícolas, propõe-se, a seguir, uma revisão sobre os elementos metodológicos e operacionais.

1.5. A pluriatividade e os elementos metodológicos: unidade de análise, escala de análise