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4 GÊNERO: OS LIMITES IMPOSTOS PELOS DISCURSOS DOMINANTES DA REALIDADE SOCIAL

6 O QUE REVELAM AS NARRATIVAS DA AMEAS

6.1 O Discurso Oficial, as Narrativas e as Imagens de Gênero

6.1.1 A história contada pelos documentos

6.1.1.2 As Comunicações: em Busca da Legitimação

O segundo grupo analisado compõe-se de publicações feitas pela imprensa oficial do município sobre a AMEAS, as convocações e convites por ela emitidos e a veiculação de notícias na mídia local impressa. Esses documentos “narram” eventos importantes que fizeram parte da história da AMEAS.

a) A imprensa oficial

O poder público reconhece a posição da AMEAS como representante de instituições, ao conferir-lhe, mediante ato legal, a autoridade para não só indicar os representantes junto ao CMAS, como, também, para avaliar o desempenho desses. Em 09 de

julho de 2003, o Presidente da Câmara Municipal de Uberlândia, dispondo sobre o Conselho Municipal de Assistência Social, CMAS, nos termos do § 7º do art. 27 da Lei Orgânica do Município, promulga os seguintes dispositivos da Lei Ordinária: Lei nº 8.339 de 13 de junho de 2003 (APÊNDICE F).

No documento analisado consideramos ser ilustrativo o que Corrêa e Pimenta (2006) denunciam como uma transferência de competências das obrigações e deveres do Estado à sociedade civil. O Estado, aqui representado pelo município, acena para a participação das ONGs junto a um órgão municipal, sugerindo, assim, uma recomposição do tecido social (SOARES-BAPTISTA, 2006) no que se refere às atribuições e competências.

Outros atores também são introduzidos no sentido de assegurar a legitimidade do processo: o Ministério Público é o órgão fiscalizador. Além disso, o Estado procura garantir a legitimidade de seus atos enfatizando que a indicação dos representantes deve constar em ata específica da entidade, o que nos permite observar as zonas de sombreamento entre o mundo do sistema e o mundo da vida, segundo a concepção habermasiana. A formalização das ações da associação remete à prevalência dos aspectos técnicos sobre os relacionais, o que tira a AMEAS do quadro esboçado do terceiro setor como um espaço emancipatório.

Em 12 de junho do ano de 2007 foi publicado, no Diário Oficial do Município de Uberlândia, Ano XIX, n. 2697, o Decreto nº 10.706, de 06 de junho de 2007, no qual o prefeito do município de Uberlândia, no uso de suas atribuições legais, com fulcro no art. 45, VII da Lei Orgânica Municipal e com fulcro na Lei nº 5.203, de 15 de janeiro de 1991, alterada pela Lei nº 9.486, de 08 de maio de 2007, designa como membro do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, entre outras instituições, a AMEAS, sendo Helena [...] nomeada titular e [...], como suplente.

Em outro ato oficial, em 13 de junho de 2000, o presidente da Câmara Municipal de Uberlândia assinou o Decreto Legislativo n. 176-2000 (APÊNDICE G) que institui o Prêmio Solidariedade ( para prestar homenagens a todos os que se destacarem por gestos de solidariedade e nobreza de princípios no município, outorgado a toda pessoa física ou jurídica, conforme o projeto de autoria do vereador [...]. A AMEAS é uma das entidades que indicam os homenageados, o que lhe dá, ou ao seu corpo diretivo, um “capital simbólico”. Assim como Freitas (2006) considera a “mobilidade” um capital simbólico que depende de condições favoráveis, entendemos que essas são criadas pelo 1º. Setor de modo a dotar as

organizações do terceiro setor de um bem, ao mesmo tempo em que evidencia a sua posição dentro do campo.

O símbolo físico da homenagem, um diploma, é entregue no dia 27 de setembro de cada ano. A indicação dos homenageados fica a cargo das entidades, que poderão indicar apenas uma pessoa física ou jurídica, sendo a homenagem intransferível. Os nomes dos indicados devem ser apresentados até o final do mês de junho para que a entrega do diploma aconteça durante sessão solene no salão de sessões da Câmara Municipal. Para dar ampla publicidade a esse evento e estimular a importância social da homenagem prestada, pode a Câmara Municipal de Uberlândia promover ações junto aos veículos de comunicação locais, além de ser filmá-lo e transmiti~lo para toda a região.

O fragmento anterior, parte da história da AMEAS, a insere na articulação sociopolítica engendrada pelos atores do 1º. Setor, qual seja o governo, reforçando o caráter promocional que o terceiro setor adquire em um processo de sedução da sociedade, semelhante ao que Freitas (2000) discute acerca do contexto social no qual as organizações fundam sua legitimidade com base na competência e de compatibilidade, neste caso, com o projeto de bem-estar social da população.

b) Convocações e convites

1 - A convocação para a Assembléia Geral de Eleições, em nome da AMEAS, foi assim impressa: “ AMEAS – ASSOCIAÇÃO MUNICIPAL DE ENTIDADES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, convida as entidades de assistência social não governamental para eleição da nova diretoria biênio 2000 a 2001, a realizar-se na rua Duque de Caxias, n. 50, dia 18-07-2000, das 8:00 as 11:00 horas, obs. Cada entidade tem direito a um voto”.

2 – A coordenadora da comissão de eleição, Luisa envia comunicado oficial, aos presidentes das instituições, no dia 08 de julho de 2000, o registro de uma única chapa, composta por 7 membros: (1) o presidente; (2) o vice-presidente; (3) a primeira secretária; (4) a segunda secretária; (5) o primeiro tesoureiro; (6) o segundo tesoureiro; e (7) o diretor de desenvolvimento. Os membros pertencem a diversos segmentos. Uma observação é feita quanto ao não comparecimento do presidente: “é importante que o Presidente indique, por escrito, uma pessoa da Instituição para votar”.

3 – Para a eleição da diretoria da AMEAS, no ano de 2000, a presidente de uma instituição autorizou, por escrito, que a coordenadora votasse. Na declaração, redigida de próprio punho, constam o carimbo da instituição e da presidente, que assina o documento.

4 – A presidente de uma instituição do segmento de Recuperação de Jovens enviou, em 17 de julho de 2000, comunicado redigido em papel timbrado, dirigido à Associação Municipal de Entidades de Ação Social, para a Coordenadora da Comissão de Eleição, indicando a coordenadora da instituição para votar na eleição da AMEAS, em seu nome.

Como evidenciam os trechos anteriores, a AMEAS se sedimenta em um conjunto de regras, normas e regulamentos. Observamos, portanto, que a valorização da racionalidade se expressa nas práticas da organização. Essa é uma característica predominante dos sistemas controladores, hierarquizados e previsíveis.

5 - Em 05 de agosto de 2003, a AMEAS convida as instituições para participarem de uma reunião com data de realização em 11 de agosto de 2003, às 16 horas, na Rua Duque de Caxias, 50, em Uberlândia. A pauta anunciada contém três itens: (1) aprovação do Estatuto; (2) eleição de um conselheiro para presidência no conselho Municipal de Assistência Social. Quem assina o convite impresso em papel timbrado, com a logomarca da AMEAS, intitulado como presidente da AMEAS, é Marcos.

6 – A AMEAS ratifica, por meio de comunicado impresso em papel timbrado, com a logomarca da AMEAS, os nomes dos novos conselheiros aprovados em Assembléia para composição do Conselho Municipal de Assistência Social de Uberlândia, representando a AMEAS: o titular, Sr Apolo e a suplente, sra. Juliana. O documento é assinado por Luisa, sem identificação de sua posição na AMEAS e sem data.

7 - Um comunicado foi enviado a todas os representantes das ONGs de Uberlândia, com o objetivo de convidá-los para a solenidade de posse da diretoria – biênio 2006-2008 – da AMEAS. O comunicado, enviado em nome da diretoria, é extensivo aos familiares. Sem data de emissão, o convite anuncia que a data marcada para a solenidade foi dia 25 de maio de 2006, às 9 horas, nas dependências do Plenário Homero Santos da Câmara Municipal de Uberlândia. Constam no comunicado o nome dos componentes da diretoria: o presidente, a vice-presidente, a primeira secretária, a segunda secretária, o primeiro tesoureiro

e a segunda tesoureira; todos representantes de ONGs de mais de um segmento, embora haja uma concentração maior de creches.

8 – O convite enviado aos candidatos à eleição-2006 foi impresso em papel cartão, no qual constam dois slogans, dispostos na parte superior do papel, à mesma altura, porém em extremos opostos. A data do convite é 29 de agosto de 2006, e o mesmo tem como objetivo abrir um espaço para que os candidatos “possam mostrar suas propostas e responder alguns questionamentos dos representantes de Entidades (ONGS), Associações, Conselhos e outros segmentos”. O convite, emitido em nome da Diretoria da AMEAS esclarece que “Todos os candidatos presentes terão um tempo determinado para usar a palavra”, e encerra solicitando a confirmação da presença dos mesmos.

9 – A vice-presidente encaminha, em 20 de junho de 2006, convocação aos “Senhores Presidentes e Coordenadores”, para a reunião extraordinária com a finalidade de “elaborarmos pauta de interesses das Creches ONG’s de Uberlândia”. Ao final da convocação, os dizeres: “Só assim, poderemos fortalecer as Creches ONG’s de Uberlândia”, e “O Plano Municipal de Educação é de responsabilidade de todos!”.

10 - O presidente da AMEAS convoca reunião da AMEAS para o dia 08 de maio de 2007, para a discussão da seguinte pauta: “propostas para Fórum da AMEAS”, “Mensalidade AMEAS: 30,00 ou 40,00”, “criação do CNPJ”, “criação dos segmentos por núcleo e 3 líderes por segmento”, “criação das Cooperativas das Instituições, com: contabilidade central, compras centralizadas, melhor articulação com 1º e 2º. Setor e sindicatos”, “levantamento estatístico de todas as instituições: número de funcionários e número de atendidos”.

Os eventos retratados nessa categoria contêm aspectos intrigantes. O primeiro deles é quanto à sua ausência (da categoria) em um período de 5 anos. Duas interpretações são vislumbradas: (1) durante esse período não houve nenhuma preocupação quanto a registrar formalmente os eventos; e (2) existem registros dos eventos repousados ou esquecidos em algum lugar. Mas não se negligencia, aqui, a interpretação de que, a partir do ano 2000, houve uma preocupação, por parte dos membros da diretoria da AMEAS, quanto à preservação e importância desses documentos. Tal preocupação pode ser decorrente de uma característica pessoal do responsável ou, ainda, uma tentativa de formalização e normalização das atividades da AMEAS.

c) A mídia

A presença da AMEAS na mídia local impressa não é significativa. Encontramos poucas menções à mesma, a despeito da constância de notícias veiculadas a respeito das relações entre Governo, Estado e sociedade civil. A notícia veiculada no trecho a seguir narra o sentimento de insatisfação gerado por uma mudança efetuada pelos órgãos governamentais. A insatisfação é associada com a possibilidade de haver uma conseqüente perda de espaço ou de posição no campo social (BOURDIEU, 2006) no qual ocorrem disputas entre diversos atores com diferentes interesses.

O título da reportagem que encabeça a página A3 do caderno Política, do Jornal Correio de Uberlândia, de 23 de março de 2007, é alusivo à “escolha de conselheiros”. A mudança anunciada no processo de escolha dos representantes das entidades não- governamentais que compõem o CMAS causou insatisfação. A notícia veiculada atribui como causa é o receio, por parte dos presidentes das entidades, “de que a alteração resulte em perda de espaço e de representação das entidades no CMAS”.

O CMAS é responsável pelo direcionamento das políticas sociais municipais. A gestão do Conselho, nos dois primeiros anos de administração, é governamental: o presidente é indicado pelo Prefeito. Nos dois anos subseqüentes, a gestão é não governamental e as entidades indicam os representantes.

A reportagem menciona que representantes das AMEAS, dos cinco segmentos envolvidos, estavam preocupados. Uma das coordenadoras indicadas como titular foi entrevistada e disse que vai aguardar o posicionamento do presidente da instituição da qual faz parte: “A secretária [...] já solicitou ao presidente do [...] indicação dos nomes e pode não ser os nossos. Por isso, precisamos aguardar o posicionamento dele”. O depoimento feito ao Jornal sinaliza para uma das dificuldades das organizações quanto à morosidade das decisões em face de um alto grau de centralização. Isto é, a representante da instituição não pode decidir uma questão sem consultar a hierarquia de decisões imposta na organização. Essa caracterização confirma o caráter racional e instrumental não só da AMEAS, mas, também, das organizações por ela abraçadas.

Em outra notícia analisada, o presidente de uma das entidades confirmou ao Jornal o fato de “a convocação para participar da Assembléia de ontem foi feita de última

hora quanto a reunião já estava em andamento. E como tinha compromisso agendado não pôde comparecer”. O presidente assumiu posição contrária à forma de escolha estabelecida pela AMEAS, mas “ressaltou que a indicação tem de atender não somente o segmento dos deficientes físicos, mas a todas as entidades que atendem outras deficiências e que fazem parte do Conselho”. Na sua avaliação, a indicação da titular é favorável, “mas a escolha precisa ser referendada pela assembléia da entidade, que devo convocar nos próximos dias”. Anuncia, ainda, que ele, o presidente, e o vice-presidente do [...] vão ocupar, provisoriamente, os cargos de membro e de suplente no Conselho. “Quando a assembléia do Conselho referendar os nomes, nós faremos a alteração”.

A posição tomada pelo presidente em questão não deixa dúvidas quanto à hierarquia da entidade. Embora seja esclarecido que a autoridade maior é da Assembléia, claro está, também, que as decisões quanto à convocação da mesma são do presidente. Também é do presidente a autoridade em relação às decisões provisórias.

Já o presidente da AMEAS, conforme a reportagem, concorda que a escolha dos nomes deve partir das entidades, mas defende que a “apresentação seja na assembléia da associação”. A Secretária Municipal descarta a possibilidade de interesse político na indicação dos membros do CMAS: “Nós só estamos cumprindo o que determina a lei que foi estabelecida pela gestão anterior [...]. E mais, há equilíbrio nas sugestões porque existe paridade de membros no Conselho: são 13 nomes escolhidos pelo prefeito e 13 indicados pelos conselhos das entidades”. Segundo ainda a Secretária, “até a primeira semana de abril, o prefeito deve confirmar os nomes dos novos conselheiros. A escolha do presidente acontece em seguida. Pode ser por promulgação ou por eleição”.

Os conflitos que envolvem as relações Estado-Sociedade Civil são expostos, e justificativas para a legitimação das ações do primeiro são assinaladas no texto veiculado na mídia impressa local. É patente a busca pela legitimação das ações do Estado por meio de uma rede de instituições e atividades agregadas em busca de interesses coletivos.