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4 GÊNERO: OS LIMITES IMPOSTOS PELOS DISCURSOS DOMINANTES DA REALIDADE SOCIAL

4.1 Da Dualidade à Questão de Gênero

Não se nasce mulher. Torna-se mulher.

Simone De Beauvoir

O número crescente de estudos sobre gênero, de tamanha amplitude, seja no âmbito de abordagens ou do campo de conhecimento, situa-se, historicamente, no quadro das amplas transformações que vêem ocorrendo no mundo, desde o século XX, em que a crise dos paradigmas tradicionais das ciências levou à emergência de questionamentos nunca antes imagináveis.

Na metade do século XX, Beauvoir (1980) questionou a origem da submissão da mulher ao homem e sua sujeição à condição de Outro definida pelo Um, esse último, o homem. Para a autora, a dualidade dos sexos não poderia ter sido evitada; a pergunta lançada é sobre explicações quanto às razões que levaram o homem a vencer desde o início e ainda, como, a despeito de algumas mudanças já vislumbradas, esse continua a ter o domínio.

“O mundo sempre pertenceu aos machos” (BEAUVOIR, 1980, p.81). Essa afirmação da autora, feita há mais de meio século, é respaldada por uma longa incursão na história, desde as sociedades mais primitivas, quando à mulher eram confiadas funções que exigiam força, robustez e coragem.

Foucault (2001) considera que nas relações de poder, a sexualidade é o principal instrumento para a dominação, embora a sociedade a utilize de formas diferentes. O autor distingue, a partir do século XVIII, a existência de quatro estratégias de dominação, cuja coerência lhe permitiu atingir certa eficácia na ordem do poder, da produtividade e do saber. Foucault (2001, p.99) assim distingue as estratégias utilizadas:

a) histerização do corpo da mulher: para o autor, o corpo da mulher foi qualificado e desqualificado como elemento funcional para o espaço familiar e para a reprodução, como, também, para garantir, com a responsabilidade biológico-moral de cuidar dos filhos, a imagem de “mulher nervosa”;

b) pedagogização do sexo da criança na medida em que reforça-se, na criança, as atividades que lhe são próprias ou indevidas; que mesmo sendo de sua natureza, traz consigo perigos físicos, morais, coletivos e individuais;

c) socialização das condutas de procriação por meio da socialização econômica, medidas fiscais, sociais e médicas para controle sobre a fecundidade dos casais; e

d) psiquiatrização do prazer perverso; o instinto sexual foi isolado como instinto biológico e psíquico autônomo de forma a atribuir-lhe o que é patológico ou normal na sua conduta.

Conforme Giddens (2001), as diferenças entre homens e mulheres foram explicadas pelas diferenças biológicas que determinam as diferenças no comportamento entre homens e mulheres. No entanto, segundo o autor, muitos pesquisadores não aceitaram essas explicações e incluem os fatores culturais como produtores dessas diferenças. De fato, embora os argumentos biológicos não possam ser descartados de todo como causas das diferenças, não existem, também, nenhuma evidência sobre a ligação entre essas forças biológicas e os comportamentos sociais de homens e mulheres.

Para Soihet (2005), as teorias que emergiram ao longo da história, na verdade construídas e instauradas por homens, constituem-se em um tipo de violência, visto que as mulheres não são tratadas como sujeito, mas, sim, repositórios de discursos masculinos que garantem o consentimento da mulher quanto às representações dominantes da diferença entre os sexos. Bourdieu (1999), na mesma direção de Scott (1988), atribui à história o papel de iluminar a compreensão do mundo sobre as mudanças que ocorrem na sociedade, avançando além da condição feminina e incluindo, também, as relações entre os sexos, por meio de uma análise dos mecanismos utilizados pelas instituições que garantiram e garantem a ordem dos gêneros.

Pedro (2002) esboça um quadro sobre a condição feminina, no qual Margareth Rago, Maria Izilda Matos, Cristina Scheibe Wolff, Roselen Neckel fazem parte, evidenciando-as como historiadoras relevantes para o entendimento de como o gênero atuou na constituição de subjetividades e relações com a história. A historiadora continua sua incursão na história chamando Judith Buttler e seus questionamentos quanto ao fato de o sexo ter uma história, ou mesmo se cada sexo teria uma história ou histórias diferentes, respondendo, então, que a constituição do sexo é anterior à cultura.

Na perspectiva de Bourdieu (1999, p.102), com a qual Mattos (2005) parece concordar, o papel da história é de construção do passado; sendo assim, o autor atribui à história a obrigação de tomar como “objeto o trabalho histórico de des-historicização [...]. Ela deveria empenhar-se, particularmente, em descrever a (re)construção social”. A dominação masculina não é tão evidente quanto o foi no passado; porém, as instituições contemporâneas utilizam-se de mecanismos de forma a ocultar a sua permanência por meio de mudanças visíveis.

Costa (2006) admite que o feminismo não só mudou em âmbito mundial, desde o movimento sufragista e emancipacionista do século XIX, mas continuou e continua mudando a cada década, ou, sem exageros, no cotidiano de nossas vidas. No Brasil, o movimento feminista não ficou à margem do contexto mundial, tendo as primeiras manifestações ocorridas no início do século XIX, em São Paulo, e, já no final do mesmo, as mulheres brasileiras já estavam incorporadas à produção social, ocupando postos de trabalhos, principalmente na indústria têxtil.

Situando essa discussão no contexto brasileiro, Duarte (2003) destaca como a movimentação feminista adentrou no século XX, reivindicando direitos em diversos âmbitos, denunciando opressões e discriminações, criando associações e movimentos cujas conquistas, ainda que à custa de muito esforço, acumularam-se até o ponto de inserirem-se em espaços nobres, notadamente masculinos: o mundo intelectual, especialmente, o das letras e da imprensa.

Na academia brasileira, no que diz respeito às ciências sociais, Mattos (2005) considera que um conjunto de fatores deu margem à emergência de estudos sobre a mulher, a partir do final da Segunda Guerra Mundial, o que resultou em uma maior visibilidade da mulher e a sua conquista de novos espaços, antes destinados, exclusivamente, ou em sua maioria, aos homens. Dentre esses fatores, a autora cita o crescimento do número de mulheres que ingressaram no mercado de trabalho e nas universidades e a expansão dos movimentos em favor da igualdade de direitos e pela liberdade.

Quanto ao campo político, as mulheres brasileiras também criaram seus espaços em diversos formatos (COSTA, 2006) que lhes permitiam uma atuação de certa forma conservadora quanto a reforçar os papéis que lhes cabiam de acordo com os estereótipos e tradições. Após o golpe militar de 1964 no Brasil, os movimentos populares, em geral, foram silenciados, embora, como lembra a autora, alguns movimentos de mulheres burguesas tenham participado como apoiadores aos regimes militares instaurados desde então.

Na década de 1970, conforme Soihet (2005, p.387), mesmo havendo conquistado novos direitos de participação na esfera pública, muitos fatos continuavam “a reproduzir a concepção acerca da inclinação de cada gênero para as tarefas compatíveis com sua natureza”. Um deles é a remuneração inferior, o que contribuía para reforçar a divisão das atribuições entre os gêneros e manter sua posição desigual na sociedade, tanto em termos de discriminação salarial, ocupacional e sindical.

A Organização das Nações Unidas (UN, 2007) designou o ano de 1975 como o Ano Internacional da Mulher e, desde então, passou a comemorar, no dia 08 de março, o Dia Internacional da Mulher, fato esse que colocou em evidência, em âmbito mundial, a discussão de temas referentes aos problemas, desafios e reivindicações quanto ao trabalho e cidadania, por parte das mulheres.

De acordo com Mattos (2005) e Costa (2006), a partir de então, cresceram os movimentos por melhores condições de vida em várias partes do mundo, incluindo o Brasil, abrindo novos espaços sócio-políticos para a participação da mulher, ainda que tais movimentos estivessem vinculados unicamente a reivindicações pelo bem-estar social, continuando os espaços tradicionais de expressão política ainda fechados à sua participação.

Porém, quanto à eclosão do feminismo brasileiro, Sarti (2004) não despreza a relevância das mudanças ocorridas no Brasil, em virtude da modernização pela qual o país atravessava na década de 1960, para a expansão dos movimentos feministas e das questões que se referiam à identidade de gênero que, segundo Sarti (2004, p.40), “ganharam espaço quando se consolidou o processo de abertura política no país no final da década de 1970”.

Mas é na década de 1990, segundo Costa (2006), que surgem novos espaços para novas articulações, com a criação das organizações não governamentais feministas que se multiplicaram em várias modalidades para exercer, de forma especializada e profissionalizada, influência e pressões sobre o governo e a sociedade. A participação do movimento feminista brasileiro na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing, em 1995, trouxe novas possibilidades para a criação de espaços e lugares de atuação, o que Costa (2006) considera de fundamental importância para a manutenção e ampliação no movimento no Brasil.

A maior visibilidade das mulheres, devido à sua inserção crescente, tanto na sociedade quanto na academia, influenciou a emergência de estudos sobre a mulher, ensejando questionamentos sobre os impactos desses acontecimentos nas transformações que

ocorreram em esferas mais amplas da sociedade, tanto quanto naquelas que ocorreram no âmbito do cotidiano, tais como a família e outras organizações sociais. Logo, a emergência de novas perspectivas e abordagens teórico-metodológicas, ao mesmo tempo em que ampliou, aprofundou em questões que, se antes eram marginalizadas ou isoladas, passaram a ser analisadas de formas articuladas e inter-relacionadas.

Muitos trabalhos presentes na historiografia brasileira focalizaram a mulher no espaço urbano, no período colonial e no início do século XIX. Os papéis estavam associados ao cuidado da família e colaboração na manutenção da casa, ou mesmo o de prover o sustento familiar, embora, nessa época, segundo Mattos (2005), as mulheres começaram a se inserir no espaço público, mesmo que exercendo papéis improvisados.

Santos (2001) chama a atenção para o caráter sexista da ciência moderna, na qual é possível distinguir uma longa família de dualismos, tais como abstrato/concreto, sujeito/objeto, ideal/real, espírito/corpo, cujo primeiro pólo é, ao mesmo tempo, associado ao masculino e considerado dominante. De fato, os estudos feministas têm se dirigido para ressaltar que a natureza é um mundo masculino, e vários autores, dentre eles Santos (2001, p.88), concordam que é um “mundo organizado segundo princípios socialmente construídos”.

A representação do lar e da família como espaços privados (MARTIN, 1992), destinados à mulher para a realização de suas potencialidades femininas, e, ao contrário, a esfera pública definindo o espaço delimitado para os homens, segundo Mattos (2005), foram e são aspectos questionados, discutidos e descortinados por historiadores que não só ampliaram a visão do passado, mas iluminaram novos e diversos caminhos para a investigação das diferenças sexuais enquanto construções culturais e históricas, que incluem relações de poder. A produção recente mais significativa, em termos dos estudos históricos, segundo Mattos (2005), enfatizou os poderes e lutas femininas, os estereótipos consolidados, imagens e enraizamentos impostos pela historiografia, revelando histórias não contadas e recuperando falas que sempre foram omitidas (MATTOS, 2005, p.285). O papel da produção historiográfica é fundamental, não apenas para revelar a atuação das mulheres no interior de “uma grande narrativa pronta”, mas, sim, "recobrar a experiência coletiva de homens e mulheres no passado em toda a sua complexidade”, o que pode esclarecer as relações sociais entre os sexos e suas contribuições na história.

As desigualdades entre sexo, segundo Rolli (2007), ainda persistem em pleno século XXI e não se trata de privilégio de regiões menos desenvolvidas, no caso do Brasil. As

disparidades salariais entre homens e mulheres são maiores nas regiões Sul e Sudeste, e, além disso, na cidade de São Paulo, as mulheres que têm maior qualificação recebem remuneração 37% menor do que a os homens que têm a mesma qualificação. Assim, observa-se que é uma luta desigual, tanto em âmbito nacional como mundial, como destaca Suwwan (2007) ao afirmar que em nível mundial, as mulheres ganham no máximo 90% do salário de seus equivalentes masculinos em determinados setores. Em profissões mais qualificadas, segunda a autora, o salário da mulher corresponde a 88% do seu equivalente masculino.

Para Capriglione (2007, p.2), a realidade da sociedade atual é que:

se as mulheres conquistaram o direito ao trabalho, que se pague menos a elas. Se atingiram o direito ao prazer, que se exija delas um padrão inatingível de corpo para fabricar a frustração. Se querem deixar de ser objeto dos maridos, que assumam sozinhas a responsabilidade pela educação dos filhos.

Góis (2007) observa que no campo político a diferença no Brasil é maior que em outros países da América Latina: apenas 9,1% dos parlamentares são mulheres. O retrato esboçado do movimento feminista brasileiro, por historiadores e historiadoras, revela um caminho tortuoso de mudanças, dilemas, enfrentamentos, desafios, derrotas e vitórias. Mas para Costa (2006), o movimento não chegou ao ponto final, haja vista o surgimento constante de novas demandas e novos desafios a serem enfrentados.

Ampliando as desigualdades para além do âmbito do trabalho, Bourdieu (1999, p.41) faz uma observação quanto ao fato de o corpo feminino ainda continuar a ser, “de forma bastante evidente, subordinado ao ponto de vista masculino (como bem se vê no uso que a publicidade faz da mulher, ainda hoje, na França, após meio século de feminismo”. A alusão à França é pontual, mas sabe-se que essa situação ocorre em todo o mundo e, particularmente, no Brasil também. O autor rejeita a idéia de que esse tipo de exibição seja mostra de ruptura com as normas e formas tradicionais, e muito menos como forma de “liberação”, mas, ao contrário, reforça “a disponibilidade simbólica” da mulher.

A dualidade dos papéis sociais definidos em feminino e masculino, na perspectiva de Swain (2001), são reforçados pelas representações sociais, seja no rumor de conversas informais, no discurso científico e nos meios de comunicação, tanto televisivos, impressos ou eletrônicos. A autora pesquisou os produtos culturais destinados ao público feminino, tais como revistas, programas de televisão, músicas, imagens e textos midiáticos, dentre outros, e encontrou o desenho construído do perfil de leitoras completamente alheias aos debates políticos, econômicos, financeiros, jurídicos, ou de qualquer natureza que pressuponha a

capacidade de discussão e criação. Os produtos destinados a esse grupo de leitoras são de cunho essencialmente consumista, doméstico, sedutor, reprodutor e, pior, cheio de futilidades.

Essa situação estende-se ao campo da educação, como Pena e Pitanguy (2003) confirmam, no relatório do Banco Mundial. Os estudos no Brasil são conclusivos quanto ao fato de que os livros didáticos e os métodos de ensino reforçam a segregação de gênero por meio de estereótipos que associam os homens à esfera pública (trabalho, lazer, política, riqueza e poder) e as mulheres, à esfera privada do lar. Segundo o relatório, essa segregação tende a se perpetuar, em pleno século XXI, nas carreiras acadêmicas. A despeito do aumento na escolaridade das mulheres, o relatório constata que as mesmas, ao contrário dos homens, tendem a trilhar sua carreira no âmbito das ciências humanas, “o que as leva para profissões de baixos salários tipicamente consideradas como femininas, tais como o magistério” (PENA; PITANGUY, 2003, p.70).

Giddens (2001) ressalta que as pessoas são agentes ativos, que criam e modificam seus papéis, embora as influências sociais na identidade da pessoa fluem por meio de diversos canais cada vez mais sofisticados. As teorias da socialização e da função gênero têm recebido críticas de sociólogos, conforme Giddens (2001), pelo fato de não considerarem o sexo biologicamente determinante do gênero, mas, sim, que esse é uma criação puramente social, visto que o corpo humano está sujeito a diversas modificações, construções e reconstruções, dependendo das escolhas pessoais no interior de diferentes contextos sociais.

As tecnologias de informação e comunicação midiáticas, tal como Baudrillard (1973) aponta, abriram espaço para a circulação de imagens e representações sem limites e fronteiras, o que é confirmado na pesquisa realizada por Swain (2001, p.91), que evidencia, no discurso da mídia,

[...] uma das tecnologias de produção do corpo sexuado, o aparato da produção do corpo feminino útil e dócil dentro das normas heterossexuais, que instituem o binário inquestionável do sexo biológico no social fazendo funcionar o jogo de linguagem e da imagem, os mecanismos de assujeitamento à norma.

A transição do caráter dual dos sexos para focalizar as discussões de gênero, ocorreu, no âmbito das ciências sociais, e, especificamente, enquanto categoria de análise histórica, a partir das contribuições de Foucault (1969), Derrida (1973) e Lacan ( 1998) para a emergência das pesquisas que consideram gênero uma categoria que procura destacar a construção do “outro” a partir da definição de “um”. Alvesson e Billing (1992), no começo

da década de 1990, já sinalizavam que a redução de masculinidade e feminilidade como uma questão dual era uma tendência. Para os autores, os efeitos para a análise organizacional, são, de um lado, positivos, pois fornece ferramentas distintas para análise; porém, por outro lado, negligencia as possibilidades de diferentes formas de masculinidade e feminilidade.

Como conclui Mattos (2005, p.292), “existem muitos gêneros, muitos ‘femininos’ e ‘masculino’, e temos que reconhecer a diferença dentro da diferença”. Assim, a noção de gênero se amplia ao considerar diversos elementos, tais como cultura, classe, etnia, geração, ocupação e outras diferenças.

Giddens (2001) aceita que gênero é um conceito socialmente criado, variando entre uma cultura e outra, embora, seja um aspecto determinante na estruturação social, na medida em que influencia os papéis que homens e mulheres desempenham dentro das instituições. Para o autor, os estudos organizacionais têm discutido as relações de gênero em dois grandes eixos: a) o gênero está embutido na própria estrutura organizacional, ou seja, as organizações burocráticas são caracterizadas pela segregação ocupacional de gênero; e b) a idéia de carreira burocrática era exclusiva de homens, pois, às mulheres, cabia o papel de executar as tarefas de rotina.

Na opinião de Martin (1994), a diferença entre sexo e gênero é simples de ser explicada. Segundo a autora, sexo é uma distinção dicotômica entre machos e fêmeas associada a diferenças fisiológicas. Gênero, por sua vez, envolve um processo de construção social, uma figura cultural que está associada com as diferenças fisiológicas entre sexos ao mesmo tempo em que as modifica ou as complementa.

Enfim, o caminho percorrido da dualidade dos sexos ao conceito de gênero, segundo Scott (1988, p.41), foi marcado por experiências, lutas, vitórias e derrotas, mas para a autora, os historiadores e historiadoras feministas “estão agora em posição de teorizar suas práticas e desenvolver gênero como uma categoria de análise.” Gênero como categoria analítica emergiu no final do século XX, o que a autora considera muito tardia.

A visão de Scott (1988) talvez seja a mais completa e sensata, do ponto de vista que não se trata de uma simples definição de gênero:

Minha definição de gênero tem duas partes e várias subseções. Elas estão inter-relacionadas, mas devem ser distintas analiticamente. A essência da definição repousa sobre uma conexão integral entre duas proposições: gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos, e gênero é um modo primitivo de significado das relações de poder. Mudanças na organização das relações

sociais sempre correspondem a mudanças em representações de poder, mas a direção da mudança não é necessariamente o único caminho (SCOTT, 1988, p.43-44).

Butler (1990) faz um longo questionamento sobre as concepções de gênero e sexo, envolvendo vários autores, como Focault, Beauvoir, Freud, Lacan, Witting, entre outros, em um diálogo do qual emergem contradições, convergências, incoerências e coerências, mas que, de fato, constitui-se em um esforço para pensar nas possibilidades de subverter a ordem hegemônica masculina heterossexual. A autora especula sobre a idéia de que o gênero é construído; pois, se assim é, sugere “certo determinismo de significados de gênero, inscritos em corpos anatomicamente diferenciados”. Dessa forma, os corpos são compreendidos como recipientes passivos de uma lei “cultural”, o que a leva à seguinte conjectura: se a cultura relevante constrói o gênero a partir de um conjunto de pressupostos ou leis, esse, o gênero, é tão determinado e fixo quanto à própria idéia de que a biologia, ou as diferenças sexuais, são determinantes do sexo.

Quando se admite a concepção de Foucault (1969, 2001) quanto à sexualidade, de que essa é construída socialmente, aceita-se que o desejo do homem e da mulher sempre foi e é regulamentado pelas instituições sociais, as quais se organizam num sistema coerente de dominação.

Assim, o campo dos estudos de gênero está ainda sujeito a contestações quanto a significados, supressões e à presença das oposições entre feminino e masculino como um problema, não como algo contextualmente definido ou continuamente reproduzido. Scott (1988) enfatiza a necessidade de elucidar as questões antigas, complexas e inerentes ao campo