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ENCONTRANDO O GLASS CEILING : O PERCURSO TEÓRICO E A EXTENSÃO DO FENÔMENO

4 GÊNERO: OS LIMITES IMPOSTOS PELOS DISCURSOS DOMINANTES DA REALIDADE SOCIAL

4.2 ENCONTRANDO O GLASS CEILING : O PERCURSO TEÓRICO E A EXTENSÃO DO FENÔMENO

Figura 3: A permeabilidade e o estilhaçamento do “teto de vidro” Fonte: The Economist (2005)36

Nessa humanidade central e centralizada, efeito e instrumento de complexas relações de poder, corpos e forças submetidas por múltiplos dispositivos de “encarceramento”, objetos para discursos que são eles mesmos elementos dessa estratégia, temos que ouvir o ronco curto da batalha.

Michel Foucault

Uma questão que permeia a maioria das discussões sobre as relações de gênero nas organizações é o glass ceiling, traduzido como o fenômeno do teto de vidro, uma metáfora para descrever a barreira que muitas mulheres encontram sobre suas cabeças que as impedem de ascender a determinados cargos ou posições nas organizações (Figura 3). O termo é usualmente aplicado nas situações em que a mulher percebe, nas organizações, de forma visível ou não, que os homens estão profundamente entrincheirados nos escalões superiores do poder, de forma que, a despeito das tentativas que essa fizer, é quase impossível quebrar completamente essas barreiras. O termo vidro é utilizado no sentido de reforçar que tais barreiras são transparentes, não são visíveis ao observador.

O termo glass ceiling foi utilizado pela primeira por Gay Bryant, em 1984, quando deixou o cargo de editora da Revisa Working Woman, dirigida ao público feminino, para assumi-lo na Revista Family Circle, cujo público-alvo é a família. Nessa transição, ela cunhou o termo em uma entrevista concedida a Frenkiel (1984).

As mulheres alcançaram certo ponto... Eu o chamo de glass ceiling. Elas estão no topo da média gerência, estacionam ali e tornam-se orgulhosas. Não há lugar suficiente para todas as mulheres no topo. Algumas entram no mundo dos negócios por elas mesmas. Outras estão saindo dos negócios e criando famílias (FRENKIEL, 1984)

Porém, conforme The Economist (2005), o termo foi popularizado por Hymowitz e Schellhardt (1986), em um artigo publicado no Wall Street Journal, em 1986. Em 1991, o Department of Labor (DOL) norte-americano, dirigido por Lynn Morley Martin, assumiu uma abordagem mais ativista quanto às questões sobre a força de trabalho, principalmente para reduzir as barreiras que impedem a ascensão de mulheres e minorias dentro das corporações, tendo definido o termo glass ceiling como “barreiras artificiais baseadas nas atitudes ou preconceitos organizacionais que impedem indivíduos qualificados de progredir de forma ascendente em sua organização para posições de nível gerencial” (DOL, 2007).

Giddens (2001) analisa o gênero e as organizações, enfatizando o modo como as organizações se constituíram em territórios dominados exclusivamente por homens, cujos espaços não admitem mulheres no poder. O autor analisa, também, como as mulheres são vitimizadas, assediadas, negligenciadas e silenciadas. Para Alvesson e Billing (1992), o caminho que a literatura organizacional sobre gênero tomou, a despeito da emergência de aspectos e questões interessantes, não percorreu o bastante para chegar ao estado de maturidade de uma área de pesquisa, o que é corroborado por Calvert e Ramsey (1992). Os autores argumentam a favor de estudos de gênero nas organizações em diferentes dimensões, bem como estudar as diferenças entre organizações quanto à discriminação sexual.

Os estudos de gênero estão fortemente associados à cultura organizacional, explica Mills (1988), embora a ausência das questões de gênero no debate sobre a cultura organizacional seja facilmente constatada. Nesse campo, muitas questões permanecem sem respostas, e existem muitas questões a serem exploradas, como, por exemplo, a suposição de que é a mulher quem deve se adaptar à organização, e não ao contrário (CALVERT; RAMSEY, 1992). E, também, questões que relacionam “a cultura como um processo no qual

organizações e sociedade, estrutura e ação, existem em uma relação dialética” (MILLS, 1988, p.356).

Tomando como ponto de partida trabalhos de autores que discutiram o assunto, Calás e Smircich (1996) apresentam as teorias feministas considerando os diferentes aspectos que caracterizam cada abordagem (Quadro 9). As diferentes correntes oferecem formas alternativas para analisar as relações de gênero, envolvendo, principalmente, o fenômeno do teto de vidro, e, embora pareçam independentes, na verdade foram desenvolvidas para preencher as lacunas deixadas por outras (CALÁS e SMIRCICH, 1996).

Tipo de

abordagem Origens intelectuais Concepção da natureza humana Concepções de sexo e gênero

Liberal Teoria política dos

séculos XVIII e XIX Os indivíduos são seres autônomos, dotados de racionalidade

Sexo faz parte dos dotes biológicos naturais, é uma variável binária. É socializado em seres humanos sexuados pelo comportamento adequado a cada sexo

Radical Movimentos feministas contemporâneos, do fim dos anos 60

Seres corpóreos sexuados “classe social” é a condição das mulheres como uma classe oprimida. O gênero é uma construção social que assegura a subordinação das mulheres aos homens.

Psicanalítica Teorias psicanalíticas freudianas e outras, em particular, teorias sobre relação-objeto

Desenvolve-se biológico e psico-sexualmente

Os indivíduos se tornam sexualmente identificados como parte do seu desenvolvimento psicossexual. O gênero estrutura um sistema social de dominação masculina que influencia o desenvolvimento psicossexual

Marxista Baseada na crítica marxista da sociedade capitalista e uma conexão dela desde meados do século XIX

Reflete as condições histórico-materiais. A essência humana é o conjunto dos relacionamentos sociais

O gênero é parte de relações históricas de classe que constituem sistemas de opressão sob o regime capitalista

Socialista Surgiu nos anos 70 como parte das tentativas do movimento feminista de sintetizar os feminismos marxista, psicanalítico e radical É criada histórica e culturalmente por meio de inter-relações dialéticas entre a biologia humana, a sociedade e o trabalho

O gênero é constituído processual e socialmente por meio de diversas interseções de sexo, raça, ideologia e experiências de opressão sob o patriarcado e o capitalismo.

Pós- estrutualista pós-

moderna

Situado nas críticas pós-estruturalistas francesas

contemporâneas do “conhecimento” e da “identidade”

Retira do centro o sujeito racional do humanismo. “Subjetividade” e “consciência” são efeitos discursivos

Sexo e gênero são práticas discursivas que constituem subjetividades específicas por meio de poder e resistência na materialidade dos corpos humanos

Terceiro- mundista/ pós- colonialista Surgindo de interseções dos feminismos ocidentais e das críticas pós-colonialistas das epistemologias

ocidentais

Analisada como um construto ocidental que surgiu ao tornar o “outro” invisível ou “quase” humano. Também “essencialismo estratégico”

Considera a constituição de subjetividades complexas que vão além dos conceitos ocidentais de sexo/gênero, enfocando aspectos de gênero nos processos de globalização.

Quadro 9: Resumo das abordagens feministas Fonte: adaptado de Calás e Smircich (1996)

Todas essas teorias estão, de alguma forma, relacionadas com os estudos e práticas organizacionais, embora, como já demonstraram Calás e Smircich (1996), tenham focalizados aspectos diferentes, detendo-se em questões específicas sem considerar outras que, associadas, poderiam encontrar respostas mais amplas. A despeito de suas diferenças, tanto no que se refere às origens intelectuais e concepções, posições epistemológicas e metodológicas, as autoras reconhecem que cada uma dessas teorias apresenta contribuições importantes para o estudo das relações de gênero nas organizações.

Nentwich (2006) questiona as discussões em torno do significado de igualdade no sentido de ser o mesmo, haja vista que compreende como impossível a suposição de que homens e mulheres sejam os mesmos. Além disso, vê como um erro tratá-los da mesma forma quando, de fato, são diferentes. Portanto, para a autora, as perspectivas feministas de igualdade e diferenças são, ao mesmo tempo, interdependentes (é necessária uma noção de diferença no sentido de definir seus problemas, a noção de diferente, mas igual ou equivalente); e excludentes, ou seja, ao mesmo tempo em que as teorias feministas buscam mudar a hierarquização das relações entre mulheres e homens, reivindicando igualdade, buscam, também, garantir que suas diferenças sejam reconhecidas.

A seguir, sem a pretensão de esgotar a discussão sobre nenhuma delas, mas sim de evidenciar as contribuições das teorias feministas para o campo dos estudos organizacionais, serão abordadas, brevemente, cada um delas, enfatizando as principais relações entre a abordagem e as organizações, de modo a compreender como as barreiras encontradas pelas mulheres ao avançarem para o topo, estão além do “teto de vidro” e estendem-se à organização como um todo.

A Teoria Feminista Liberal, cuja origem é atribuída à tradição política liberal dos séculos XVII e XVIII, sustenta-se em dois enfoques: (a) o dualismo normativo, que se fundamenta na separação corpo e mente; e (b) o individualismo abstrato, cuja sustentação é um sistema de direitos que garante ao indivíduo a liberdade de satisfazer suas próprias necessidades. Essa corrente desenvolveu-se sem muitas preocupações quanto ao papel das mulheres nessa sociedade que as excluíram da academia, do fórum e do mercado, e se tornavam, cada vez mais, dependentes economicamente, visto que não tinham acesso às oportunidades em todas as esferas da vida social (CALÁS; SMIRCICH, 1996).

A partir da década de 1960, os questionamentos que emergiam quanto ao papel de esposa e mãe serem fontes exclusivas de satisfação para as mulheres, levaram a movimentos feministas de luta pela igualdade de acesso e representação da vida pública, rejeitando as

construções culturais de comportamentos e ocupações apropriados para cada sexo. Embora as mulheres já estivessem inseridas em determinados postos de trabalho exclusivamente de subordinação, desde o início da Revolução Industrial, foi somente a partir da década de 1960 que a literatura organizacional identificou as mulheres gerentes como um campo promissor de estudos.

Segundo Giddens (2001, p.108), o feminismo liberal “procura as explicações das desigualdades de gênero em atitudes sociais e culturais”, tendo como preocupação central a discriminação das mulheres nas diversas instituições, dirigindo, portanto, seus esforços para proteger e estabelecer iguais oportunidades para as mulheres (MARTIN, 1994).

Representativo nessa literatura é o trabalho de Bowman, Worthy e Greyser (1965, p.15) que realizaram um survey com 1000 executivos e 1000 executivas sobre o papel das mulheres dos altos escalões da administração de negócios. A pesquisa, que buscava encontrar respostas para “As mulheres são pessoas37 executivas? Elas pensam nelas mesmas como pessoas? A comunidade de negócios trata-as como pessoas – isto é, como indivíduo ao invés de um grupo uniforme?”. Uma das questões abordadas revelou que os homens sentem-se mais confortáveis trabalhando com mulheres subordinadas a eles; e, ao contrário, sentem-se desconfortáveis em trabalhar com mulheres em posições superiores ou iguais.

Os resultados finais da pesquisa levaram-lhes a algumas conclusões: (a) as mulheres desejam ser tratadas como pessoas. Os homens dizem às mulheres: ajam como pessoas. As mulheres dizem às mulheres: pensem em vocês mesmas como pessoas; (b) quando as mulheres agem sem qualquer privilégio, são tratadas como pessoas; quando são tratadas não como uma categoria, elas pensam em si mesmas como executivas e não como mulheres, o que as leva a comportarem-se naturalmente nas situações de trabalho.

Para os pesquisadores, os resultados negaram muitas suposições da pesquisa, especificamente ao explorar as atitudes de homens executivos e mulheres executivas em relação à mulher executiva. Para Bowman, Worthy e Greyser (1965) a pesquisa revelou que “[...] não existe a mulher executiva. Existem apenas mulheres, algumas das quais podem ser, ou ter potencial para tornarem-se executivas efetivas.” Além disso, a pesquisa atingiu seus objetivos principais: (a) identificar o grau em que as mulheres são vistas e tratadas como mulheres e não como executivas, no mundo dos negócios; e (b) descobrir que, se ao contrário,

37 A palavra utilizada no original é people, no sentido de não pertencer a uma categoria especial, mas, sim, como

homens executivos e mulheres executivas acreditam ser apropriado corrigir as desigualdades percebidas.

Ainda com referência à literatura emergente após os anos 1960, as pesquisas revisadas por Calás e Smircich (1996, p.223) revelaram que o pensamento predominante entre os homens é que somente as mulheres dotadas de qualificações excepcionais poderiam ser bem sucedidas em ocupações gerenciais. A maioria das pesquisas revisadas pelas autoras foi orientada pelas desigualdades no mundo do trabalho, sejam elas ocupacionais, remuneratórias ou de carreira, revelando a perpetuação, ao longo de mais de trinta anos, das barreiras que impedem o acesso das mulheres às mesmas condições de trabalho que aos homens são destinadas.

Outras contribuições da Teoria Feminista Liberal para o campo das organizações, que surgiram após a década de 1980, referem-se à exploração de temas como o “teto de vidro”; a demografia organizacional e carreiras, e as redes sociais. A predominância de estudos sobre mulheres executivas objetivam esclarecer as causas da segregação sexual nas organizações por meio de elementos mensuráveis, considerando sexo/gênero como uma variável. Daí o favorecimento de métodos quantitativos com algum subsídio qualitativo na orientação metodológica dessa teoria, ao abordar as organizações de forma mais ampla, focalizando desde temas como oportunidades iguais; ação afirmativa e discriminação; assédio/abuso sexual; e trabalho e família.

A contribuição principal da Teoria Feminista Liberal para as organizações, sem a pretensão de qualquer reducionismo, é a análise do fenômeno do teto de vidro, que ainda no século XXI permanece difícil de ser quebrado, em âmbito mundial, nas grandes corporações, como evidenciado na reportagem especial publicada no The Economist, em 2005 e, também, pela pesquisa de Clark (2006), publicada na Revista Forbes, em 2006. Ambas apresentam dados que retratam aspectos demográficos, em percentuais, sobre a participação da mulher em cargos executivos e as dificuldades em quebrar essas barreiras.

A iniciativa do International Labour Office (ILO) de compilar dados estatísticos coletados por organismos governamentais ou não-governamentais, apresentados em relatórios oficiais, evidencia um aumento insignificante do quadro quanto à predominância dos homens ocupando cargos mais altos em várias esferas sociais, políticas, econômicas, educacionais, em âmbito Mundial. A insignificância das diferenças entre os resultados encontrados por Wirth (2001), autora da primeira edição que compilou dados do período de 1996 a 2000, e aqueles apresentados no ILO (2004), que correspondem aos dados de 2001-2003, além de análises

comparativas aos anos anteriores, revela que o glass ceiling, apesar de algumas ranhuras, ainda permanece intacto.

Colocando a subordinação das mulheres em um sistema de dominação masculina como temática central, a perspectiva Feminista Radical começou a desenvolver-se nos anos 1960. Focalizando a mulher e questionando o papel das instituições na perpetuação da opressão feminina em um regime ainda patriarcal (CALÁS e SMIRCICH, 1996), tais estudos buscam uma nova ordem social, em que as qualidades atribuídas como características das mulheres sejam valorizadas como capacidades e não percebidas como um estereótipo da sujeição.

Para Giddens (2001, p.109), a essência do feminismo radical consiste na crença que os “homens são responsáveis e beneficiados pela exploração das mulheres” e que o patriarcado é um “fenômeno universal que existiu em todos os tempos e em todas as culturas”. Segundo o autor, as feministas radicais são pessimistas quanto à possibilidade de libertação da opressão sexual, o que só é possível com a eliminação total do sistema de patriarcado.

A relevância do feminismo radical para o campo das organizações não reside em tentativas de quebrar o glass ceiling e ascender a uma posição superior, mas na criação de um espaço das mulheres. No final dos anos 1960, feministas americanas e européias rejeitaram a dominação masculina e deram início à criação de formas organizacionais alternativas, nas quais suas características são valorizadas e “todos os elementos associados à forma masculina de poder” (CALÁS; SMIRCICH, 1996, p.227) são rejeitados.

Esses espaços, cujas formas organizacionais são contrastantes com as formas patriarcais regidas pela lógica e a razão, conforme Calás e Smircich (1996), são, na verdade, instituições que objetivam, principalmente, a satisfação das necessidades das mulheres, o desenvolvimento de habilidades diferentes daquelas desenvolvidas tradicionalmente, o bem- estar social, o apoio a minorias. Enfim, espaços destinados à articulação dos valores atribuídos às mulheres: igualdade, comunidade e participação. Embora as autoras não estabeleçam nenhuma relação desses espaços com o terceiro setor, sua caracterização remete às mesmas características encontradas na literatura sobre as organizações que dele fazem parte.

Entretanto, os estudos dessa corrente não se reduziram apenas a essas formas organizacionais, como Calás e Smircich (1996) descrevem na sua revisão, mas, também, em

negócios empresariais, cujas estruturas encontravam características semelhantes às organizações coletivistas: (a) processo decisório participativo; (b) sistema de liderança rotativa; (c) desenhos de trabalho flexíveis e interativos; (d) sistema de distribuição de renda eqüitativo; e (e) responsabilização política e interpessoal.

Dessa forma, a contribuição do feminismo radical para os estudos organizacionais reside na ampliação e revisão de vários conceitos da área de gestão, tradicionalmente associados ao masculino, o que levou à adoção de práticas e formas organizacionais que desafiam a rigidez e o mecanicismo das estruturas burocráticas. Calás e Smircich (1996) ressaltam, porém, que o resultado alcançado não se absteve do uso das idéias que regem o capitalismo.

O centro da Teoria Feminista Psicanalítica, segundo Calás e Smircich (1996, p.229), é “a compreensão da pessoa em sua totalidade e de seu modo de se relacionar com seu mundo”. Essa teorização abriga um conjunto de abordagens e métodos sustentados na crítica e correção dos vieses da psicanálise freudiana e outras que utilizam os estudos de Freud como base para uma interpretação psicanalítica centrada na mulher.

A pesquisa de Calás e Smircich (1996, p.230) revela que a aplicação do feminismo psicanalítico nos estudos organizacionais considerou como alicerce “as conseqüências do desenvolvimento psicossexual feminino diferenciado em seus papeis na organização e na gerência”. Logo, emergiram explicações para as diversas situações organizacionais que envolvem a atuação da mulher, sustentadas no aprendizado social dos papéis feminino e masculino, no processo de socialização das mulheres e, por fim, nas raízes culturais e históricas.

Porém, a contribuição principal dessa abordagem advém das pesquisas que consideram as diferenças das mulheres como uma vantagem para as organizações, e, até mesmo, um recurso valorizado no contexto competitivo das empresas. A explicação de Calás e Smircich (1996) quanto à mudança da visão das características femininas, de problema para vantagem, coincide com as transformações rápidas que ocorreram e tiveram forte impacto nas empresas, exigindo estruturas flexíveis, preparadas para desenvolver relações, redes e trabalho em equipe. Todas essas exigências demandam habilidades que estão associadas à mulher: participação, sensibilidade, empatia, facilidade em desenvolver e manter relacionamentos, ou seja, competências básicas para enfrentar os desafios em um cenário de alta competitividade.

Uma das idéias centrais que fundamentam o pensamento marxista é a luta de classes; logo, as perspectivas femininas marxistas tendem a considerar gênero e classe como categorias sociais, em que as relações de dominação e opressão determinam a estrutura da sociedade. Calás e Smircich (1996, p.232) compreendem que o feminismo marxista “analisa a dinâmica produtiva e reprodutiva das dinâmicas de gênero na organização capitalista e patriarcal da economia e da sociedade, lembrando que as desigualdades de gênero persistem e persistirão se não ocorrerem grandes mudanças estruturais”.

Dessa forma, a teoria feminista marxista, inspirada no materialismo histórico de Marx, enfatiza a construção de identidades determinada pela própria existência social, ou seja, as relações de trabalho, nas quais poder e sexualidade, determinantes na construção da identidade, se entrelaçam em uma oposição à idéia de que masculinidade e feminilidade sejam estados psicológicos ou atributos de papéis sexuais que possam ser modificados ou reconstruídos. A relevância das abordagens feministas marxistas para os estudos organizacionais repousa, assim, na visão crítica das relações de desigualdade e poder que ocorrem nas organizações de trabalho, essas espaços ideais para a análise da reprodução da desigualdade de sexo/gênero, à medida que revelam a estreita ligação entre o patriarcado e o sistema capitalista.

Segundo Alvesson e Billing (1992), o argumento de que a ausência de mulheres nos altos escalões das organizações é decorrente de um padrão, historicamente estabelecido, não se constitui em uma proposição justificável, haja vista que os processos de modernização e racionalização do trabalho não seguiram um curso linear e nem mesmo aconteceram ao mesmo tempo e da mesma forma nas diferentes regiões do mundo.

Como Calás e Smircich (1996) alertaram no início de sua revisão, as teorias feministas desenvolveram-se no sentido de preencher lacunas deixadas por outras e, também, para dar abertura à discussão de novas questões. A teoria feminista socialista cumpre justamente esse objetivo, ao incorporar as virtudes das correntes anteriormente discutidas ao mesmo tempo em que pretende superar os limites que essas apresentam.

Gênero, nessa perspectiva, dá significado aos relacionamentos de poder que ocorrem, simultaneamente, na esfera privada e na esfera pública, visto que para o feminismo socialista, a organização como unidade de análise não é apropriada, já que “as organizações,