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2.2 ANUSSIM NO BRASIL EM PLENO SÉCULO XXI

2.2.1 As comunidades brasileiras e suas problemáticas

Um ponto muito sério a ressaltar neste momento é sobre a diversidade do povo judeu – e aqui não estamos nos referindo a questão religiosa, e sim étnica – que como podemos analisar até aqui é formada de várias etnias, e no grupo denominados Sefaradim ou Sefaraditas é que ocorreu todo o processo que torna-se objeto deste estudo. Porém, outra grande comunidade ou etnia judaica, de formação histórica e sociocultural diferente (que não enfrentou a inquisição ibérica) é que, de certa forma, representa ao senso comum os judeus no Brasil. Esta etnia é chamada de

Ashkenazim22, judeus do leste europeu, como Alemanha, Polônia, Lituânia, etc., que,

chegados ao Brasil em meados da primeira e segunda guerra mundial, organizaram as primeiras colônias oficiais de judeus.

Desconhecendo a história do Brasil e a história de seus patrícios ibéricos, acabaram por criar (como forma de resistência e de autopreservação, devido as perseguições sofridas na Europa contemporânea) inúmeras barreiras, com intuito de impedir que estes sujeitos chamados de Bnei Anussim possam frequentar suas associações religiosas, sinagogas, escolas e inclusive cemitérios. As alegações para estas barreiras são inúmeras, e fundamentadas no que se conhece como Halachá23,

e que de acordo com as informações contidas nos preceitos da Beit Chabad, organização ultra-ortodoxa judaica de origem askenazita:

“Judeu é aquele que nasce de mãe judia ou quem se converte de acordo com a Halachá, a Lei Judaica. Da mesma forma que ao nascer uma criança de um ventre judaico, adentra nela, automaticamente, uma alma judia, o mesmo ocorre com uma pessoa que passa por uma conversão feita conforme os pormenores da Halachá.” (BEIT CHABAD, 2005).

Baseados no principio que judeu é aquele que nasce de ventre judeu, ou seja, que é filho de uma mulher judia, os askenazitas se não excluem, dificultam o máximo possível toda e qualquer proximidade dos anussim da atualidade com a comunidade judaica, alegando que se torna impossível, passado várias gerações distantes do judaismo rabínico, traçar e comprovar a ancestralidade materna ou linhagem matrilinear para os anussim, restando a estes apenas um único caminho para ser considerado judeu que é a conversão de acordo com a mesma lei, pois já que não poderiam provar sua ancestralidade materna (mãe, avó, bisavó, etc) são considerados como não judeus e portanto lhes é dada a mesma explicação que o Rabino Shmuel Butman esclarece no mesmo site:

“Pode qualquer não-judeu se tornar judeu? Resposta; Sim! Desde que seja sincero com o seu compromisso e o Bet Din estiver convencido de sua sinceridade. Esta é a única maneira de se tornar judeu? Resposta: Sim. Este padrão haláchico tem sido aceito através da história

22 Conforme Genesis, capítulo 10, versículo 3, onde fala que Ashkenaz é filho de Gomer, sendo que este, pela

divisão das nações seria o “fundador” da Alemanha, por isso Ashkenaz seria o fundador de alguma tribo germânica, que em um passado distante teriam aderido a fé hebraica, misturando-se com o povo hebreu, o que dá as características não semitas aos judeus ashkenazitas.

23 Conjunto de Leis judaicas, que servem como interpretação das leis constantes na bíblia e que regem a vida dos

judaica por todos os judeus, sem exceção, observantes ou não da Torá, pelo seu bisavô tanto quanto pelo meu. David Ben Gurion, o primeiro Chefe de Estado de Israel, judeu tão secular quanto possível, compreendeu em seu entendimento de Estadista que só pode existir um padrão de Halachá, e preservou o antiquíssimo “status quo”. Consequentemente, o único padrão para a conversão em Israel (como em todos os assuntos religiosos, casamentos, divórcios, etc), sempre foi o tradicional haláchico.Um assunto tão sério e profundo como conversão ao judaísmo obviamente exige um critério sério e universalmente aceito, pelo qual medir sua autenticidade.”( BEIT CHABAD, 2005)

Dessa forma, se o anussim convertido ao judaismo de acordo com a halachá ganha o status de Judeu, o que implicaria para que as comunidades de anussim lutassem pelo retorno e não pela conversão? A resposta é simples, mas envolve uma longa discussão, pois o fato da conversão é bastante peculiar e, de acordo com Roth (1967) e com o Rabino Oliveira (2005) o termo Conversão em língua hebraica vem da raiz da palavra guiur significando tornar-se estrangeiro em contrapartida com ezrar que é cidadão, desta forma se um anus passa pelo processo de conversão estaria admitindo, de acordo com Oliveira, que nunca foi um judeu, pois aceitaria o titulo de ex-estrangeiro, que seria uma denominação dada a todo aquele que não pertence ao grupo étnico judaico e que passa a abraçar a cultura dos judeus de forma plena.

Do ponto de vista religioso o guiur raguil ou conversão só se aplica para aqueles que não são e nunca foram judeus. Ainda dentro do ponto de vista askenazita alguns rabinos então recomendariam um outro processo chamado guiur lerrumra ou conversão por dúvida, justamente pela “dúvida” documental em provar sua ascendência materna, mas que na realidade, no final do processo é a mesma prática relatada no Shulchan Aruch onde a finalização do processo de conversão por dúvida se daria pela recitação da mesma brachá (prece ou benção) da conversão, o que viria a dar no mesmo, ou seja, a confissão do prosélito anus de nunca ter sido judeu, e de acordo com a liturgia judaica o impede veementemente de recitar o kadish (prece recitada em datas especiais e nos shabatot - sábados) pelos seus antepassados, pois estaria ele entrando na comunidade judaica como um completo órfão, pois a conversão implica na quebra com todos os laços e vínculos, ou seja, com tudo o que era de sua antiga religião, bem como os laços que o une a sua família, que caso não se converta continuaria vivendo uma vida de idolatria.

Todo o prosélito que se converte a crença e fé de Abraham, ou seja, ao judaismo, adentra para a comunidade judaica de forma idêntica ao nascimento, pois ao recitar a benção no final do processo de conversão firma

seu pacto de nascimento dentro da comunidade judaica, comprometendo-se de largar sua vida anterior onde vivia em idolatria. Desta forma, caso sua família não venha a se converter, o mesmo entra para a comunidade judaica órfão, sendo submisso ao tribunal que o converteu, mas considerado um judeu de forma plena, desde que se integre a comunidade e viva de acordo com a halachá. (Beit Chabd, 2005, p.5)

Em outras palavras, para os grupo judaico denominado askenazim ou askenazita, o marranismo é algo que não se sustenta, pois aproximadamente depois de quatro séculos de vivência fora do meio judaico oficial, seus descendentes não teriam mais como comprovar uma linhagem materna judaica, e mesmo que sejam descendentes de alguma personalidade judaica do século XVI, restaria apenas a conversão. Mas não podemos esquecer que mesmo se o processo for da conversão por dúvida, no final se estaria negando esta mesma remota ancestralidade judaica, pois na recitação da brachá confessaria estar adentrando a religião de Abraão e negando todo e qualquer laço de sua vida passada até o ato da conversão.

Mas contrariando a grande maioria das comunidades judaicas oficiais no Brasil, acontece na comunidade judaica de Natal um verdadeiro hibridismo étnico, pois tanto judeus de origem ashkenazim quanto judeus de origem anussim convivem igualitariamente em um mesmo espaço, reconhecendo-se mutuamente como judeus, realizando os serviços cerimônias em conjunto e fazendo parte da mesma sinagoga e da mesma comunidade, como fica claro nas palavras de Silva:

Um aspecto peculiar que sempre caracterizou a comunidade judaica de Natal foi a convivência entre os descendentes de imigrantes judeus que chegaram à cidade no início do século XX e os marranos potiguares. O fato é tão singular que o engenheiro Samuel Napchan, em passagem por Natal em Maio de 2006 conheceu a Sinagoga local, denominada Braz Palatnik, e se admirou da comunidade judaica local em que convivem e participam do serviço religioso “B´nei Anussim, descendentes de criptojudeus que recentemente retornaram à religião de seus ancestrais, e filhos e netos de imigrantes da Europa e do Marrocos”. O episódio foi narrado na Revista 18, do Centro da Cultura Judaica de Fev/Mar/Abr de 2007. O visitante relacionou, dentre os nomes encontrados nas lápides da quadra judaica do Cemitério do Bairro do Alecrim, alguns como Palatnik, Wolfson e Schurinow, além de Cabral de Carvalho e Leon Josua. São vestígios da história de uma comunidade em que conviveram, adoraram e partilham o mesmo campo santo, bnei anussims e judeus de origem askhenazita. Neste particular, a comunidade natalense se distancia do histórico das relações que tem se registrado entre marranos retornados e a comunidade judaica askhenazita que se constitui o grupo predominante nas regiões de origem ibérica, inclusive da experiência da comunidade de Recife, Pernambuco. (SILVA. 2008).

Este caso em particular, é uma adaptação de situações ocorridas na Europa, onde judeus de origem judaica sefaradita, ou seja, simplesmente anussim também lutam pelo reconhecimento de sua memória coletiva, de sua história e cultura que por muitos séculos tem sido marginalizada e declarada ilegal perante a comunidade judaica oficialmente estabelecida. Mas esta experiência, mesmo que solitária ainda, não reflete a realidade das comunidades anussim brasileiras, que carecem ainda de muitas coisas, tanto no campo material como locais para sediar suas sinagogas, escolas e cemitérios, quanto no campo filosófico e de lideranças espirituais para formar seus representantes legais como rabinos e lideres comunitários.

O que acontece, são experiências ainda isoladas como a relatada pelo pesquisador Valadares (2007), que o contato que teve com uma comunidade anussim de Niterói serviu de mote para que o mesmo reunisse, ao retornar a Natal, um grupo de pessoas com a mesma origem anussim que a sua e fundassem um pequeno grupo, que veio a se tornar uma sociedade com a finalidade de congregar os anussim. Em vários estados brasileiros esta mesma experiência vem se repetindo, como informado no site oficial da Shavei Israel24, e por isso, a necessidade de um novo olhar para esta

problemática que surge ganha cada vez mais urgência.