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A questão judaica brasileira no século XXI: os direitos humanos na luta pela igualdade de minorias judaicas em território brasileiro

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUI

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

ALBO BERRO RODRIGUES

A QUESTÃO JUDAICA BRASILEIRA DO SÉCULO XXI

OS DIREITOS HUMANOS NA LUTA PELA IGUALDADE DE MINORIAS JUDAICAS EM TERRITÓRIO BRASILEIRO

Ijuí (RS) 2016

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ALBO BERRO RODRIGUES

A QUESTÃO JUDAICA BRASILEIRA DO SÉCULO XXI

OS DIREITOS HUMANOS NA LUTA PELA IGUALDADE DE MINORIAS JUDAICAS EM TERRITÓRIO BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito, com área de concentração em Direitos Humanos, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Professor Dr. Ivo dos Santos Canabarro

Ijuí (RS) 2016

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Catalogação na Publicação

Gislaine Nunes dos Santos CRB10/1845 R696q Rodrigues, Albo Berro.

A questão judaica brasileira no século XXI: os direitos humanos na luta pela igualdade de minorias judaicas em território brasileiro / Albo Berro Rodrigues. – Ijuí, 2016. –

116 f. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Direitos Humanos.

“Orientador: Ivo dos Santos Canabarro”.

1. Direitos humanos. 2. Culturas tradicionais. 3. Judeus sefaraditas. 4. Marranos. 5. Reconhecimento. I. Canabarro, Ivo dos Santos. II. Título. III. Título: Os direitos humanos na luta pela igualdade de minorias judaicas em território brasileiro.

CDU: 34

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UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Direito

Curso de Mestrado em Direitos Humanos

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

A QUESTÃO JUDAICA BRASILEIRA DO SÉCULO XXI

OS DIREITOS HUMANOS NA LUTA PELA IGUALDADE DE MINORIAS JUDAICAS EM TERRITÓRIO BRASILEIRO

elaborada por

ALBO BERRO RODRIGUES

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Ivo dos Santos Canabarro (UNIJUÍ):

Profª. Drª. Gizele Zanotto (UPF):

Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin (UNIJUÍ):

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Agradeço em primeiro lugar ao Criador, no qual confio e entrego a Ele minhas esperanças todos os dias. A minha família, principalmente a Fabiana, minha esposa, que me acompanhou nesta caminhada, sempre com seu sorriso, carinho e palavras de incentivo e motivação, e me presenteou com nossa amada filha Isabela.

Ao Professor Doutor Ivo Canabarro, pela orientação, amizade, incentivo e confiança no trabalho desenvolvido.

À UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, pela confiança depositada em minha ideia inicial aceita ao Programa do Curso de Mestrado em Direitos Humanos, bem como, professores, funcionários e colegas que contribuíram em todos os momentos da jornada acadêmica.

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A fé desempenha em nossa vida um papel mais importante do que supomos, e é o que nos permite fazer mais do que pretendemos. Creio que aí está o elemento precursor de nossas ideias. Sem a fé não se teriam elaborado jamais hipóteses e teorias, nem se teriam inventado as ciências ou as matemáticas. Estou convencido de que a fé é um prolongamento do espírito: negar a fé é condenar-se e condenar o espírito que engendra todas as forças criadoras de que dispomos. Charlie Chaplin

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RESUMO

A presente pesquisa é fruto de preocupações relacionadas a questões de reconhecimento étnico e histórico de uma parcela da população que estava entre os fundadores do período colonial brasileiro por parte de seus pares, judeus que vieram ao Brasil no princípio do século XX. Na atualidade, os chamados de Anussim, buscam o reconhecimento de sua história como forma de preservar uma Cultura Tradicional, parte integrante do povo judeu e que devido a diversas questões, tem sido negado o direito a manifestação aberta de sua cultura, que não se encaixa no padrão nacional de expressão cultural e religiosa majoritária, e pelo não reconhecimento de sua identidade judaica sentem-se em um limbo cultural. Seguem assim, aos exemplos de outras partes do mundo, lutando pelo resgate de sua dignidade ancestral e cultural, buscando espaço na sociedade para divulgar sua luta e reivindicando seu pleno direito a manifestarem aquilo que desejam ser. O texto estruturado em três capítulos, foi desenvolvido através de pesquisa bibliográfica. Em História geral da comunidade

sefaradita ibérica analisa a origem dos judeus ibéricos e sua trajetória rumo ao novo

mundo, com enfoque ao Brasil colonial. O Capítulo Direitos Humanos e cidadania dos

povos de culturas tradicionais aborda a relação entre o que entende-se por Direitos

Humanos e cidadania com os povos de Culturas Tradicionais e como que os judeus encaixam-se nesta perspectiva. Já em A diversidade dos povos de culturas

tradicionais e suas implicações nas comunidades judaicas, tem por ênfase as relações

globais da atualidade e as possíveis soluções para uma reintegração das comunidades dos descendentes de judeus ibéricos nas comunidades judaicas existentes.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Culturas Tradicionais. Judeus Sefaraditas. Reconhecimento. Marranos.

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ABSTRACT

The present research is the result of concerns related to the ethnic and historical recognition of a portion of the population that was among the founders of the Brazilian colonial period by their peers, Jews who came to Brazil in the beginning of the 20th century. Nowadays, the so-called Anussim, seek to recognize their history as a way to preserve a Traditional Culture, an integral part of the Jewish people and that due to various issues, has been denied the right to open manifestation of their culture, which does not fit In the national pattern of cultural and religious majority expression, and by the non-recognition of their Jewish identity they feel in a cultural limbo. They follow the example of other parts of the world, striving to rescue their ancestral and cultural dignity, seeking space in society to spread their struggle and claiming their full right to manifest what they want to be. The text structured in three chapters, was developed through bibliographical research. In General History of the Iberian Sephardic community he analyzes the origin of Iberian Jews and their trajectory towards the new world, with a focus on colonial Brazil. The Chapter Human Rights and citizenship of peoples of traditional cultures addresses the relationship between what is meant by Human Rights and citizenship with the peoples of Traditional Cultures and how the Jews fit in this perspective. The diversity of the peoples of traditional cultures and their implications in the Jewish communities emphasizes the current global relations and the possible solutions for a reintegration of the communities of the descendants of Iberian Jews into the existing Jewish communities.

Keywords: Human rights. Traditional Cultures. Sephardic Jews. Recognition. Marranos.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 09

2 HISTÓRIA GERAL DA COMUNIDADE SEFARADITA IBÉRICA ... 13

2.1 QUEM SÃO OS JUDEUS SEFARADIM – A HAZAKÁ ... 13

2.1.1 As consequências do Decreto de Alhambra de 1492 ... 18

2.1.2 Os Anussim, e a diáspora sefaraditas, A sociedade anussita nas Américas ... 25

2.2 ANUSSIM NO BRASIL EM PLENO SÉCULO XXI... 31

2.2.1 As comunidades brasileiras e suas problemáticas ... 33

2.2.2 Os anussim espalhados pela Europa ... 37

3 DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DOS POVOS DE CULTURAS TRADICIONAIS ... 43

3.1 DOS DIREITOS HUMANOS E A SUA REPRESENTAÇÃO PARA OS POVOS DE CULTURAS TRADICIONAIS ... 43

3.1.1 Direitos Humanos, Cultura e Diversidade ... 47

3.1.2 Povos de Culturas Tradicionais. O que são e a sua diversidade cultural e oralidade ... 51

3.2 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E MUNDIAL FRENTE AO PROBLEMA DO RECONHECIMENTO SOCIO-CULTURAL ... 56

3.2.1 Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais ... 61

3.2.2 Direitos Humanos e inclusão dos diferentes ... 67

4 A DIVERSIDADE DOS POVOS DE CULTURAS TRADICIONAIS E SUAS IMPLICAÇÕES NAS COMUNIDADES JUDAICAS ... 73

4.1 GLOBALIZAÇÃO E CULTURA ... 73

4.1.1 Um conceito antropológico de culturas tradicionais ... 77

4.1.2 Etnias Judaicas como Povos Tradicionais ... 81

4.2. A QUESTÃO DO MULTICULTURALISMO NOS POVOS DE CULTURAS TRADICIONAIS ... 86

4.2.1 A cultura que circula nas comunidades de culturas tradicionais - Globalização e conflito ... 91

4.2.2 Direito e necessidade de pertencimento ... 96

5 CONCLUSÃO ... 104

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1 INTRODUÇÃO

Em pleno século XXI, a sociedade brasileira enfrenta muitos problemas de identidade e pertencimento por parte de seus cidadãos. Alguns destes problemas dizem respeito a questões de gênero, sexualidade, religião, ou até mesmo no tocante a expressão de culturalidade histórica. Neste ponto, analisaremos uma temática ainda pouco conhecida da nossa sociedade, mas que faz parte da própria construção do povo brasileiro, e que vem há séculos sendo marginalizado e relegado ao ostracismo. O problema a que nos referimos é conhecido pelo nome pejorativo de “Marrano”, termo que em castelhano significa leitão, filhote de porco, e que foi cunhado como forma de se referir a uma parcela da população ibérica ao final da idade média, ou seja, aos judeus ibéricos forçados a se converter ao catolicismo sob pena de morte, pois não tiveram tempo hábil de deixar a península após o Decreto de Alhambra1.

Esta gente, então chamada de marrana, compôs as primeiras levas de “colonizadores” das Américas, vindo a formar os primeiros pontos de civilidade europeia em solo brasileiro, como Recife, Olinda, Porto dos Casais (atual Porto Alegre), entre outros. Judeus impedidos de praticar a religião e cultura ancestral, acabaram adaptando-se à vida na colônia sob uma dualidade identitária: “Cristãos Novos” da porta para fora de suas casas, mas “Cripto Judeus” ao fechar a porta de seus lares, mantendo uma vida dupla e repassando esta forma peculiar de judaís mo às próximas gerações.

Após a instauração da República em 1889 e da emancipação da liberdade de pensamento e religiosa em nosso país, levas de imigrantes do leste europeu, norte da África e regiões dos Balcãs e Mediterrâneo aportam em solo brasileiro. Judeus de várias partes do mundo “rumando para o paraíso”, buscando uma vida melhor, mas desconhecendo a dramática história de seus compatriotas ibéricos que aqui já estavam desde as primeiras povoações. O “encontro de irmãos” que se desconhecem e não se aceitam, deu origem a toda uma problemática de reconhecimento e pertencimento por parte dos marranos, que viam finalmente sua diáspora ter um fim com a chegada daqueles que continuaram sendo judeus de direito. Mas há de se considerar a história de que, após longos séculos separados, ambas as comunidades

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acabaram se estranhando, fazendo com que o povo marrano fosse jogado à marginalidade, pois não viam-se como cristãos e nem tão pouco eram aceitos como judeus.

Tendo por base esta temática, discutiremos quem são estes “marranos” e sua trajetória até a situação atual, debatendo através da análise de grandes pensadores, como o problema se alimenta e se mantém, levando em consideração o discurso de biopoder usado pelo establishment judaico brasileiro e, em contrapartida, analisando as formas de microrresistência usadas pelos sujeitos. Nesta forma a questão de se afirmarem como judeus plenos, baseados em sua história, cultura e tradição, mostrando as diversas facetas da pluralidade judaica e buscando os pontos em comum para que esta afirmação de pertencimento se sustente, e assim, buscar meios, através das discussões de Direitos Humanos para um possível caminho, conduzido pelo debate, para uma solução ao problema apresentado.

A comunidade, ou sociedade, judaica brasileira atual, se constituiu a partir de várias levas de diversos grupos de judeus, oriundos da Europa, Ásia e norte da África, mas foi solidificada logo após as atrocidades da Segunda Guerra Mundial, com a dizimação de comunidades judaicas inteiras, ocorreu uma união, de certa forma, sob o eixo de uma das duas grandes etnias explicadas anteriormente, os Judeus Ashkenazim do Leste Europeu. Independentemente de serem Sírios, Marroquinos, Egípcios, Gregos, Lituanos, os judeus brasileiros acabaram sendo guiados por líderes espirituais de regiões como Polônia, Rússia, Alemanha. Uma unidade cultural veio a ser imposta e aceita, como forma de identidade judaicas brasileira, o que acabou por dizimar toda e qualquer chance dos descendentes de Judeus Sefaraditas2 serem

aceitos neste processo hegemônico.

Este grupo majoritário (ideologicamente) no Brasil, tendo tomado em suas mãos a liderança do judaísmo (esquecendo de que cada comunidade étnica judaica é autônoma, e que o Brasil é um pais laico e livre), acaba por negar o reconhecimento dos bnei anussim3, afirmando até que o fenômeno é inexistente, ou seja, o mesmo

existe é impossível provar, conforme argumentam. Com este pensamento, acaba-se

2 Sefaraditas, vem do Hebraico Sefarad (Espanha) e é a nomenclatura usada para se referir a todos os judeus de

origem ibérica (Portugal e Espanha), norte da África e proximidades do Mediterrâneo.

3 Bnei Anussim, literalmente “filhos dos forçados” em hebraico, se referindo aos descendentes dos judeus

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criando uma série de empecilhos aos descendentes de judeus de origem ibérica de retornar a prática pública e ao reconhecimento em geral de sua judaicidade.

Diferenças existem entre estas duas grandes correntes (Sefaradim e Ashekanazim), devido à sua construção cultural ao longo dos séculos separados, como por exemplo: Na cultura Ashkenazi se observa um detalhe de cada vez, já na cultura Sefaradi se observa o conjunto todo. E por isso, dentre outras situações banais, é que o universo Ashkenazi busca uma hegemonia cultural judaica em solo brasileiro. Primeiro, por serem realmente a maioria a entrar no Brasil como imigrantes considerados judeus e, em segundo, por serem as suas yeshivot (instituições escolares e universitárias judaicas) a sobreviverem em sua maioria do que as Sefaraditas. E estes mesmos Ashkenazim, atrelados a sua cultura, e pegando o conceito de Madá4 desenvolveram este conceito com devoção, unindo a seu ver, a religiosidade judaica com os avanços científicos, cativando assim judeus leigos, não religiosos, descendentes de judeus de várias etnias, inclusive judeus ateus.

Apenas os que se submetem às normas propostas pela grande corrente em questão podem vir a buscar uma identidade judaica formal em sinagogas federadas e ligadas a CONIB5, mas para isso o descendente destes anussim deve publicamente

renegar seu passado e afirmar que nunca teve ligação com o judaísmo histórico ou cultural, ou familiares judeus, vindo assim, diante de um tribunal religioso judaico chamado de Bet Din6, receber um documento de conversão e não de retorno à fé dos

ancestrais.

Tornam-se os anussim hoje em dia em verdadeiros apátridas. Judeus que não podem ser reconhecidos pelos seus como tais, e se desejam ser reconhecidos devem renegar quem são, tornando-se um não ser para enfim virem a ser. Mas como deixar de ser o que se é para vir a ser o que se deseja, que na verdade já se é o que se deseja? Pergunta retórica, mas com uma reposta curta e direta: supremacia e hegemonia cultural por parte de um grupo sobre os demais.

Obviamente, nem todos os judeus Ashkenazim pensam desta forma. Muitos são favoráveis à inserção nas comunidades existentes, outros ainda apoiam a criação

4 Madá significa conhecimento cientifico, laico, secular, em relação a Torá, que é o conhecimento religioso e

espiritual judaico.

5 Confederação Israelita Brasileira, órgão que visa ser o representante oficial no Brasil de todos os judeus

estabelecidos em solo brasileiro.

6 Literalmente Casa de Julgamento. Um tribunal religioso composto por três judeus religiosos, sendo um deles

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de comunidades próprias, e até de comunidades mistas, com judeus de várias etnias rezando juntos. É como se, apesar das evidências históricas, antropológicas, culturais, sociais, ainda grupos que se intitularam como senhores da verdade, da vida e da morte, neguem-se a aceitar a presença daqueles que entendem como estranhos, esquecendo-se de que a diversidade é fundamental para a própria sobrevivência da cultura, e vindo a transformar em comércio de fato as coisas da fé7, para que todo

aquele que se diz marrano, conseguir uma enorme soma capital, seja em dinheiro ou em benefícios, consegue seu documento de inclusão no tão esperado grupo, mesmo que para isso tenha de negar quem diz ser.

A dissertação esta dividida em três capítulos com a finalidade de melhor desenvolver o estudo proposto, apresentando ao leitor de forma clara as ideias a serem debatidas do decorrer da mesma. Sendo assim, o Capítulo I irá fazer um panorama geral da história dos judeus na península ibérica a partir de sua expulsão em 1492 e a trajetória até as Américas e restante do velho mundo, mostrando de forma central a presença no Brasil no decorrer do período colonial até a atualidade para que se entenda o embate entre estes e as comunidades judaicas estabelecidas posteriormente.

O Capítulo II irá tratar sobre questões de positivação de direitos, ao se reportar a legislação nacional e no que diz respeito a liberdade religiosa e de expressão intelectual e ideológica. Também irá abordar os conceitos sobre povos de culturas tradicionais para que se possa entender a pertinência da reivindicação dos descendentes de judeus ibéricos, e como que estes desejam ter sua identidade e memoria reconhecidas, e desta forma reatar uma ligação história e cultural com as comunidades judaicas consideradas oficiais.

No Capítulo III serão abordados temas que dizem respeito a relação entre a globalização e os povos de culturas tradicionais, para exemplificar como que processo de contato global entre as culturas pode afetar uma tradição e como podemos entender a circulação da cultura. Nesta discussão se propõe possíveis soluções para a problemática abordada durante a pesquisa.

7 Sendo o judaísmo uma religião muito burocrática, a cada fase da vida (nascimento, casamento, morte, viagem)

são emitidos documentos comprovando tal prática, e por isso, alguns Rabinos vendem estes documentos ao preço de pequenas fortunas.

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2 HISTÓRIA GERAL DA COMUNIDADE SEFARADITA IBÉRICA

Neste capítulo, a abordagem está direcionada de forma a fazer uma trajetória na história dos judeus de origem sefaradita, explicando em primeiro lugar sua origem e tradição, para se entender a força de sua cultura, e como esta manteve unido um povo após a expulsão da Espanha pelo Decreto de Alhambra e a diáspora em solo americano. Na sequência, o capítulo aborda a situação atual das comunidades judaicas de origem sefaraditas no Brasil e na Europa, fazendo um panorama da realidade enfrentada aqui frente ao que já se conseguiu resolver em países como Portugal e Espanha.

2.1 Quem são os judeus Sefaradim – A Hazaká

Em um contexto sociológico, o conceito de quem ou o que é um judeu torna-se um verdadeiro debate ideológico entre os vários grupos repretorna-sentativos ligados as mais variadas instituições religiosas judaicas na atualidade. Mas, o conceito é muito mais amplo do que apenas o fator religioso pressupõe, pois o fenômeno denominado aqui como judeu é uma construção histórica, social e cultural, que não se deu da noite para o dia, mas que, como toda e qualquer sociedade, vem se complexificando ao longo dos séculos. Como forma de validação desta ideia inicial, encontramos o verbete Judaísmo no Dicionário de Conceitos Históricos, onde lemos sobre o que vem a ser judaísmo:

Os judeus são os seguidores do Judaísmo, que se declaram semitas, ou seja, descendentes de Sem, um dos filhos de Noé, o patriarca que protagonizou o dilúvio, conforme o relato bíblico. São considerados um dos primeiros povos declaradamente monoteístas da história. Em um ambiente cultural como o da Ásia Menor na Antiguidade, marcado pelo politeísmo, os judeus definiram sua identidade cultural, em oposição aos povos da região, como seguidores de Javé (Yahweh, em hebraico). Consideravam-se o povo eleito e adquiriam forças para manter sua unidade cultural e suportar o peso dos poderosos impérios que lutavam então pelo domínio da Mesopotâmia. (SILVA. SILVA. 2009. p.247).

Sendo assim, entendemos que os judeus atuais alegam uma descendência direta dos hebreus, antigo povo de origem semítica que habitou partes do atual Estado de Israel, sendo descendentes, de forma mítica, da linhagem bíblica de Noé, seu filho Sem, e toda sua posteridade, conforme encontramos na Bíblia, até os três grandes

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patriarcas: Abrão, Isaque e Jacó. De acordo com a mítica bíblica, teria tido Jacó doze filhos homens, que passaram a ser considerados os doze patriarcas das tribos hebraicas, que após um período de exílio (um pouco controverso de acordo com recentes descobertas8), conquistam as terras de Canaã, fundam um reino que dura

apenas aos três primeiros reis, vindo separar-se em duas unidades monárquicas independentes que em meados dos séculos VII e V a.C. Estes reinos sucumbiram ao domínio de povos vizinhos, onde a ultima instância deste legado caiu sob a dominação romana ainda no século I a.C. (neste momento, devido a região se chamar província da Judea, seus habitantes já eram chamados de Judeus e não mais de Hebreus ou Israelitas). Dominação esta que aproximadamente no ano 135 da era comum deu inicio a chamada Grande Diáspora, causada pelo decreto de expulsão de todo e qualquer judeu da cidade de Jerusalém e arredores. Mesmo expulsos e dispersos pelo mundo, mantiveram-se fieis e agarrados a sua cultura e religião.

Assim, nasceu o que se conhece por judaísmo, e a explicação de quem seriam os judeus, um povo ou etnia de origem semítica, que no período de dominação romana, entre os séculos I e II d. C. teriam dado inicio a uma massiva diáspora por territórios da Europa, Ásia e África. Mas judaísmo não é apenas relativo a religião dos judeus, antes se refere a tudo que é relativo a sua construção cultural

Mas o Judaísmo, no que se refere à religião, é mais que um conjunto de escritos e sua interpretação. Trata-se, antes de tudo, de um conjunto de valores que influem diretamente na vida cotidiana de seus membros: cerimônia de circuncisão dos meninos aos oito dias de nascido; o ritual que inicia os meninos na leitura da Torá, conhecido como Bar Mitzvá e, ainda, em comunidades mais modernas, uma cerimônia equivalente para as meninas, a Bat Mitzvá; outra cerimônia para nomear as meninas, chamada Zéved habat, ou “a dádiva da filha”; o uso pelos crentes judaicos de símbolos como o solidéu, chamado Kippá, que cobre a cabeça em reconhecimento da presença divina. Além dessas manifestações concretas da cultura judaica, existe ainda um conjunto rígido de regras alimentares, muitas delas baseadas na análise bíblica do livro Levítico. Por fim, os judeus costumam relembrar os marcos de sua história com celebração de festas que envolvem orações, interdições de certos alimentos, purificação e outros rituais que ajudam a manter a memória e a tradição cultural.

8 De acordo com Finkeltein na obra: The Bible Unearthed: Archaeology's new vision of ancient israel and the

origin of its sacred texts, o Egito a época não era escravista, e portanto uma visão de que tribos hebraicas eram escravizadas pelos faraós não condiz com a história. Na mesma obra, ainda encontramos a constatação de que o número de hebreus que fugiam do Egito seria exagerado para os padrões sociais da época. As escavações arqueológicas contradizem outros pontos do relato, como por exemplo, a presença de assentamentos humanos á época, pois de acordo com o relato bíblico, cidades existiam no caminho dos hebreus, mas que, de acordo com a arqueologia, os vestígios destas cidades não foram encontradas ou são muito recentes para que se possa dar veracidade ao Êxodo.

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Por outro lado, o Judaísmo tem ultrapassado a definição religiosa, tomando conotação étnica ao longo do tempo. Nesse sentido, os judeus se identificam como grupo a partir de sua origem comum, baseada na religião e na história, sem necessariamente a prática dos princípios religiosos. Nesse contexto, são dois os momentos que definem a identidade judaica: o exílio e a diáspora. Fenômenos históricos concretos, o exílio e a diáspora são elementos constitutivos do próprio modo de vida judeu. Historicamente, o exílio dos hebreus na Babilônia, depois de conquistados por Nabucodonosor e desterrados da Judeia, influenciou muito o modo de vida judaico. A convivência com os babilônicos trouxe frutos para os judeus, e muitos deles preferiram não voltar para a Palestina, mantendo casas comerciais abertas em Babilônia. (SILVA. SILVA. 2009. p.248).

Partindo da seguinte premissa, de que judeu é o indivíduo ligado a história e a cultura judaica, do povo judeu, que descende dos antigos habitantes dos reinos de Judá e de Israel e que sob o domínio romano foram dispersos pelo mundo em meados do século II da era comum, chegamos a um ponto de partida interessante, ou seja, o começo da diáspora judaica imposta pelo Império Romano que fez com que muitas comunidades judaicas surgissem em plena península ibérica, desenvolvendo-se ao longo da história, através de sua constante adaptação aos novos conquistadores da região que se sucederam aos romanos em meados da idade média.

Durante a Idade Média e início dos tempos modernos a Península Ibérica se destacou em relação à Europa Ocidental porque foi uma parte do continente que vivenciou o domínio muçulmano. No caso específico a dominação foi secular, entre 711 e 1492. Os reinos ibéricos eram considerados uma área periférica da cristandade Ocidental justamente devido à longa influência da civilização islâmica. Para termos uma ideia das diferenças desses reinos peninsulares para com o resto da Europa, nos séculos XII e XIII, a aparência dos habitantes dos reinos espanhóis era semelhante a dos asiáticos devido ao seu vestuário muçulmano.

A Península Ibérica era um cadinho cultural. Nesse meio, os judeus se equilibravam política e socialmente, segregados legal e fisicamente, vivendo em bairros isolados, chamados de “judiarias”.

À medida que os cristãos retomaram o domínio do território, dois princípios passaram a reger a relação com os mesmos. A tolerância, em função da expectativa de sua conversão futura e o aviltamento, decorrência da pertinácia dos mesmos não aceitarem a verdade da Igreja, resultando o dever de denegri-los e aviltá-los. (SILVA, BISPO, 2015, p.26).

À medida que a idade média avança e com ela o final do Império Romano do Ocidente, os judeus acabam por ter mais um grande processo de adaptação, ou seja, a instalação de forma permanente por mais de um milênio nos territórios dos atuais Portugal e Espanha, que de um grande caldeirão cultural, devido a presença muçulmana, berbere, cigana, judaica, etc., passa paulatinamente a se tornar

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exclusivamente cristã, pondo em risco a presença e a permanência judaica em solo ibérico.

Como forma de se manterem imunes as mudanças impostas pelos novos proprietários do território, os judeus ibéricos, conhecidos como Sefaradim (Sefarad era o antigo nome hebreu para a Espanha e por extensão a Península Ibérica sendo assim Sefaradim designa os habitantes judeus de Sefarad), apegam-se a um conceito muito forte chamado entre estes de Hazaká9, ou em uma tradução livre descrito força da tradição. A Hazaká é toda a bagagem cultural presente nas famílias judaicas ibéricas que mesmo depois de séculos mantem-se quase que inabalada e manifestada em certas formas cotidianas, como por exemplo, o habito de não se apontar o dedo para estrelas, o cuidado para não se derrubar sal em casa, o ato de não varrer a casa tirando a sujeira pela porta da frente, colocar o nome do primeiro filho homem igual ao avô materno, jogar moedas na água do primeiro banho do recém-nascido, entre muitos outros.

Outro fator preponderante descrito dentro do conjunto de normas e regras que se entende por Hazaká é a importância que foi delegada a família:

No contexto das comunidades judaicas da época a família ocupava um papel central. Essa compreensão originava-se da própria descrição bíblica. De tal forma que, para eles, ser judeu implicava estar no seio dessa unidade básica da sociedade. Ela era vista como a garantidora da continuidade histórica do povo e um símbolo de relações espirituais.

Dentro da tradição judaica a família é definida por um corpo muitíssimo pormenorizado de regras e de leis, uma parte das quais está desde logo contida no Pentateuco, isto é, os cinco livros de Moisés. (SILVA, BISPO, 2015, p.58).

A família, e a própria tradição cultural, tornam-se o centro das atenções destes judeus, ao ponto de começarem a criar mecanismos para distanciarem-se da coletividade maior, e assim fortalecendo cada vez mais sua própria identidade. Criam-se verdadeiros tratados de genealogia, visando identificar as famílias judaicas, para

9 Hazaká é uma palavra de origem hebraica correspondente ao conceito de tradição, ou melhor, “força da

tradição”, por se mostrar a importância (força) que a tradição familiar possuía e ainda possui dentro do universo judaico como ferramenta de preservação da cultura milenar das famílias. A palavra é emprestada da obra Mishne Torá, composta pelo Rabino Moshe ben Maimom, o Rambam, que também era chamada de Yad Hazaká (mão forte), e que é uma compilação didática do conjunto de leis e costumes judaicos para uma vida digna de acordo com as escrituras. Hazaká é assim compreendida como um conjunto de tradições, costumes, crenças e crendices que fazem com que os judeus se reconheçam como judeus perante aqueles que não fazem parte de sua etnia. É através da Hazaká que se consegue identificar famílias descendentes de judeus ibéricos, mesmo que estas tenham abandonado a vivencia religiosa formal, pois o arcabouço cultural da tradição permanece quase que intacto no seio familiar.

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que no futuro as gerações por vir não viessem a se misturar e assim assimilarem-se a outras culturas tidas como não-judaicas ou goim10. Também tinha-se o medo de que

além da assimilação, o fato de se ter um individuo estranho ao povo unido a família por laços nupciais, poderia desencadear a própria perseguição por parte da religião dominante que também era contra o casamento interétnico, como fica claro nas palavras de Silva:

Uma prova dessa importância são as listas genealógicas, tão comuns entre os judeus ao longo dos séculos, reafirmando os vínculos entre netos e avós, filhos e pais, embasando o direito quanto a casamentos, divórcios, filiação, herança e perpetuando as memórias do grupo. Além disso, entre os sefarditas11, a fim de reforçar os laços parentais, havia o costume de atribuir

o nome das crianças igual ao dos avós vivos. O objetivo último das práticas adotadas era a continuidade do povo. [...] Ora, um grupo que almeja diferenciar-se étnico-culturalmente necessita de uma estratégia de casamentos específica. Assim, naquelas famílias decididamente criptojudaicas a endogamia foi uma prática revestida com um amplo significado cultural, religioso e até financeiro posto que garantiria a preservação das heranças dentro do grupo. Além disso, as questões de preservação da cultura sefardita exigiam a endogamia, sobretudo, pelas implicações sobre a vida cotidiana dos criptojudeus. Não se poderia admitir um estranho no convívio doméstico uma vez que um simples gesto diário poderia ser motivo para denunciar os membros às autoridades inquisitoriais. (SILVA, BISPO, 2015, p.58).

Desta forma, acabaram por fortalecer não só sua cultura, mas também sua sociedade familiar, que passou a ser um círculo cada vez mais restrito, devido a todo um conjunto de situações que se desenhava na península após as chamadas Guerras de Reconquista12, quando cristãos, após conquistar toda a península e expulsar os

povos muçulmanos que lá habitavam há alguns séculos, decretaram severas leis aos

10 Goim, plural de Goi, palavra utilizada no hebraico para se referir em primeiro lugar a todo o indivíduo de origem

não-judaica que participa de uma cultura considerada idolatra ou herege de acordo com os princípios judaicos. Em segundo lugar refere-se a toda a pessoa que não tem ligação sanguínea alguma com o povo judeu, independente de seguir ou não uma cultura considerada idolatra ou herege, vindo a estender inclusive a cristãos e muçulmanos, o que fez com que os pensadores, filósofos, rabinos e sábios judeus medievais e modernos tivessem e emitir decretos, chamados de responsas, com a finalidade de tentar coibir o uso desta palavra para se referir a crentes de alguma religião monoteísta, sob a alegação que tanto cristãos como muçulmanos cultuam a mesma divindade dos judeus, o mesmo Deus presente na Bíblia, e por isso não deveriam ser considerados idolatras ou hereges e deveriam então ser chamados de Guerim (estrangeiros), ou seja, pessoas que não pertencem ao povo judeu apenas.

11 O autor usa Sefardim e Sefardita para se referir a Sefaradim e Sefaradita, respectivamente, mas, o termo

apropriado é o escolhido neste trabalho, Sefaradita, que em hebraico se refere à Península Ibérica, enquanto que Sefardim estaria mais ligado ao aspecto místico de alguns grupos Ashkenazitas que misturam orações e ritos Sefaraditas.

12 Período que vai do século VIII até o ano de 1492, onde os cristãos lutaram para reconquistar a península

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judeus, obrigando-os a se converterem forçadamente ao catolicismo ou abandonarem suas casas, deixando para trás suas posses. Estas ações são evidentes no texto do Decreto de Alhambra, um documento que visava a hegemonia católica na península ibérica, unificando os reinos espanhóis sob uma única coroa e tentando assim exterminar de vez todo o resquício de alguma cultura não cristã em solo espanhol.

Começava assim mais um capítulo na novela dos judeus sefaraditas, que agora mais do que nunca voltavam-se ao interior de sua cultura como uma forma de manter viva sua herança identitária, preservando para as próximas gerações toda a sua construção cultural, social e étnica.

2.1.1 As consequências do Decreto de Alhambra de 1492

Após a conquista de Granada e a tomada da cidadela de Alhambra, último reduto muçulmano na península ibérica, os reis Fernando II de Aragão e Isabel I de Castela, chamados então de Reis Católicos, emitiram o Edito de Granada ou Decreto de Alhambra, um documento promulgado na data de 31 de março do ano de 1492, que de forma clara e objetiva, acusa os judeus presentes no território do reino de desviarem os cristãos do bom caminho proposto pelos dogmas da fé católica, tendo em vista de que pelo menos a mais de uma década os mesmos já vinham sendo advertidos de suas práticas permissivas ao tentar desviar os cristãos de suas práticas religiosas.

É sabido que, em nossos domínios, existem alguns maus cristãos que tem judaizado e tem cometido apostasia contra nossa Santa Fé Católica, sendo causada pelas relações entre judeus e cristãos. Portanto, em 1480, ordenamos que os judeus fossem separados das cidades e províncias de nossos domínios e que lhes fossem dados setores separados, esperando que com esta separação a situação deveria ser corrigida, e ordenamos que se estabelece a Inquisição nesses domínios; e ao término de 12 anos tem funcionado e a Inquisição tem encontrado muitas pessoas culpadas, além disso, somos informados pela Inquisição e outros do grande mal que persiste aos cristãos ao se relacionarem com os judeus, e por sua vez estes judeus tentam de todas as maneiras subverter a Católica Santa Fe e estão tratando de impedir os crentes cristãos de se aproximar de suas crenças.

Estes judeus têm instruído os cristãos nas cerimônias e crenças de suas leis, de circuncidar seus filhos e dar-lhes livros para as suas orações, e declarando a eles dias de jejum, e reunindo-se com eles para ensinar-lhes as histórias de suas leis, informando-os quando são festividades da Páscoa e como devem seguir, dando o pão sem levedura e carnes preparadas cerimonialmente, e dando instruções das coisas que devem abster-se em relação à comida e outras coisas que requerem a seguir as leis de Moisés,

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fazendo-os saber a pleno conhecimento de que nenhuma outra lei ou verdade existe fora desta.13(DECRETO DE ALHAMBRA. 1492).

Como se pode analisar, o referido documento afirmava que os judeus estavam tentando converter os cristãos a sua religião, fazendo com que estes passassem a seguir gradativamente suas normas religiosas, e por isso, há pelo menos doze anos, os reis católicos já estavam criando um verdadeiro apartheid, ao isolar os judeus em vilas ou bairros, que eram chamados de judiarias, locais onde estes ficariam confinados para que sua influência não fosse percebida pelos súditos católicos dos monarcas. Tribunais inquisitoriais estavam funcionando a fim de averiguar denúncia de judaização de cristãos e assim levar a julgamentos os acusados.

Os crimes, como a distribuição de livros de oração e ensinamentos da fé judaica aos cristãos, quando comprovados passaram a ser tidos como crimes contra o próprio estado, levando ao condenado escolher entre a sua conversão a fé católica ou então ao degredo, a ter que abandonar sua casa e se retirar do território espanhol, a fim de habitar em outro território que não pertencesse aos reis protetores da religião católica e nem aqueles que os apoiavam, ou seja, ficava obviamente claro que os judeus teriam que abandonar a Europa da época, que era majoritariamente católica, restando a estes refugiarem-se em terras pertencentes aos califados da época.

E a fé cristã e a religião a cada dia parece que os judeus incrementam em continuar sua maldade e dano como alvo em que residem e conversem; e porque não há lugar para ofender mais a nossa santa crença, como aos quais

13 Tradução de trecho do Decreto de Allambra, conforme original: Bien es sabido que en nuestros dominios,

existen algunos malos cristianos que han judaizado y han cometido apostasía contra la santa fe Católica, siendo causa la mayoría por las relaciones entre judíos y cristianos. Por lo tanto, en el año de 1480, ordenamos que los judíos fueran separados de las ciudades y provincias de nuestros dominios y que les fueran adjudicados sectores separados, esperando que con esta separación la situación existente sería remediada, y nosotros ordenamos que se estableciera la Inquisición en estos dominios; y en el término de 12 años ha funcionado y la Inquisición ha encontrado muchas personas culpables además, estamos informados por la Inquisición y otros el gran daño que persiste a los cristianos al relacionarse con los judíos, y a su vez estos judíos tratan de todas maneras a subvertir la Santa Fe Católica y están tratando de obstaculizar cristianos creyentes de acercarse a sus creencias. Estos Judíos han instruido a esos cristianos en las ceremonias y creencias de sus leyes, circuncidando a sus hijos y dándoles libros para sus rezos, y declarando a ellos los días de ayuno, y reuniéndoles para enseñarles las historias de sus leyes, informándoles cuando son las festividades de Pascua y como seguirla, dándoles el pan sin levadura y las carnes preparadas ceremonialmente, y dando instrucción de las cosas que deben abstenerse con relación a alimentos y otras cosas requiriendo el seguimiento de las leyes de Moisés, haciéndoles saber a pleno conocimiento

que no existe otra ley o verdad fuera de esta. Disponível em:

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Deus tem protegido até o dia de hoje e aqueles que tem sido influenciados, o dever da Santa Madre Igreja é de reparar e reduzir essa situação ao seu estado anterior, devido a fragilidade do ser humano, poderia ocorrer que possamos sucumbir à tentação diabólica que continuamente lutar contra nós, de modo que, se a causa principal são os chamados judeus, se não são convertidos devem ser expulsos do Reino. [...] Também ordenamos neste édito que judeus e judias de qualquer idade que residam em nossos domínios ou territórios, que partam com seus filhos e filhas, funcionários e familiares pequenos ou grandes de todas as idades, no final de julho deste ano e não se atrevam á voltar a nossas terras e que não deem um passo a frente para passar do modo que se qualquer judeu que não aceita este édito se acaso for encontrado nestes domínios ou regressar será passível de morte e confisco de bens.14 (DECRETO DE ALHAMBRA. 1492).

Como exposto acima, o édito declara que os judeus, devido aos crimes cometidos contra a fé, deveriam ser expulsos dos domínios espanhóis e, que se acaso continuassem deveriam se converter a fé cristã. Aos que não aceitassem a conversão, deveriam realmente ser expulsos do reino até o final do prazo decretado no documento real, sob pena de morte e confisco de todos os seus bens.

Estava decretada a sentença de morte de uma das mais prósperas comunidades judaicas da Europa, os judeus sefaraditas, restando a estes a opção de, no prazo de alguns meses, atravessar a Espanha até algum porto do mediterrâneo e assim embarcar para terras muçulmanas na África ou no Oriente Médio, só que existia um agravante neste édito. Os judeus poderiam se retirar do território espanhol caso não desejassem se converter ao cristianismo e abandonar de vez sua religião ancestral, levando consigo seus bens pessoais, mas não suas posses pecuniárias, que deveriam ser entregues á Coroa, como fica claro no texto abaixo:

Faça-se com que os judeus possam deixar suas casas e todos seus pertences no prazo estipulado, para isso, nós damos nosso compromisso de proteção e segurança de modo que ao final do mês de julho eles possam vender e trocar suas propriedades e móveis e qualquer outro artigo e dispor

14 Tradução de trecho do Decreto de Allambra, conforme original: Y a la fe Cristiana y religión cada día parece

que los Judíos incrementan en continuar su maldad y daño objetivo a donde residan y conversen; y porque no existe lugar donde ofender de mas a nuestra santa creencia, como a los cuales Dios ha protegido hasta el día de hoy y a aquellos que han sido influenciados, deber de la Santa Madre Iglesia reparar y reducir esta situación al estado anterior, debido a lo frágil del ser humano, pudiese ocurrir que podemos sucumbir a la diabólica tentación que continuamente combate contra nosotros, de modo que, si siendo la causa principal los llamados judíos si no son convertidos deberán ser expulsados del Reino. [...] Nosotros ordenamos además en este edicto que los Judíos y Judías cualquiera edad que residan en nuestros dominios o territorios que partan con sus hijos e hijas, sirvientes y familiares pequeños o grandes de todas las edades al fin de Julio de este año y que no se atrevan a regresar a nuestras tierras y que no tomen un paso adelante a traspasar de la manera que si algún Judío que no acepte este edicto si acaso es encontrado en estos dominios o regresa será culpado a muerte y confiscación de sus bienes.

Disponível em:

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deles livremente a seu critério, e durante este período, ninguém deve lhes fazer mal algum, feri-los ou injustiçar estas pessoas ou a seus bens o qual seria injustificado e o que transgredir isso incorrerá em castigo aos que violem nossa segurança Real. Damos e outorgamos permissão aos anteriormente referidos Judeus e Judias a levar consigo para fora de nossas regiões seus bens e pertences por mar ou por terra, exceto ouro ou prata, ou moeda cunhada ou outro artigo proibido pelas leis do reino.15 (DECRETO DE

ALHAMBRA. 1492).

Finalizava desta forma, um período de grande desenvolvimento das comunidades judaicas em solo espanhol e iniciava um período sombrio de marginalidade onde teria início um processo de criptocultura, onde os judeus que não conseguiram sair do território, devido a vários fatores, foram obrigados a converterem-se a fé católica, mas apenas de forma exterior (Novinsky. 1983), continuando a praticar sua religião de forma velada no interior de seus lares, as escondidas, com medos dos tribunais da inquisição e das fogueiras dos autos de fé.

O judaísmo espanhol sofria uma drástica mudança em sua história, como podemos observar nas palavras de Silva e Bispo (2015) quando descrevem em resumo as etapas da história dos judeus em solo espanhol:

De tal forma que na história do judaísmo espanhol podemos identificar duas etapas: A primeira abrange a coexistência pacífica dos diferentes grupos religiosos, conforme apresentada sucintamente acima. E a segunda etapa compreende o auge da intolerância religiosa com os editos de expulsão e a instauração da inquisição moderna. (SILVA, BISPO, 2015, p.28).

A grande comunidade judaica sefaradita, agora fragmentada e espalhada entre Europa, África e Ásia, dá origem a um novo sujeito, que passa a ser chamado de cripto-judeu ou marrano, oriundo dos judeus convertidos, que, para serem identificados de forma a facilitar possíveis transgressores, eram chamados dentro da

15 Tradução de trecho do Decreto de Allambra, conforme original: Hágase que los Judíos puedan

deshacerse de sus hogares y todas sus pertenencias en el plazo estipulado por lo tanto nosotros proveemos nuestro compromiso de la protección y la seguridad de modo que al final del mes de Julio ellos puedan vender e intercambiar sus propiedades y muebles y cualquier otro articulo y disponer de ellos libremente a su criterio que durante este plazo nadie debe hacerles ningún daño, herirlos o injusticias a estas personas o a sus bienes lo cual seria injustificado y el que transgrediese esto incurrirá en el castigo los que violen nuestra seguridad Real.Damos y otorgamos permiso a los anteriormente referidos Judíos y Judías a llevar consigo fuera de nuestras regiones sus bienes y pertenencias por mar o por tierra exceptuando oro y plata, o moneda acuñada u otro articulo prohibido por las leyes del

reinado. Disponível em:

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sociedade espanhola de cristãos novos, em contraposição aos chamados cristãos velhos que eram os membros da sociedade que não tinham vínculos sanguíneos com os judeus espanhóis.

Estes cristãos novos, em sua maioria, mantinham viva a fé judaica em seus lares, por isso considerados como cripto-judeus, ou seja, judeus escondidos e ao serem descobertos pelos fiscais da Coroa passavam a receber a alcunha de Marranos, um termo que significaria no decorrer do tempo em sinônimo de leitão, porco novo, em referencia á pratica judaica de não se alimentar de carne suína, e por isso mesmo, como forma de chacota, eram associados ao animal tido por estes como impuro.

O termo Marrano que em espanhol significa porco ou leitão de acordo com as pesquisa de David Maeso (1977) “tem um forte significado pejorativo que veio a ser designativo dos judeus que se converteram ao cristianismo, se não de forma sincera, mas ao menos para escapar dos perigos que representava o tribunal da santa inquisição”. Já segundo Lipiner (1977), a terminologia é muito mais antiga do que o significado anterior. Apresenta as definições de Marrano como sendo de origem hebraica ou aramaica: Mumar, que significa converso, oriundo da raiz hebraica mumar acrescido de sufixo em idioma castelhano ano vindo a derivar mumrrano, que abreviando torna-se marrano, designando justamente o convertido a fé cristã católica romana. Poderia ser ainda uma acomodação para as línguas ibéricas do vocábulo hebraico Marit-ayn que significa aparência, pois muitos destes convertidos o eram somente em aparência, pois dentro de seus lares continuariam a professar e praticar a fé judaica. Ocorre ainda a referencia a outras formas ou origens, como os termos

Mar-anús: designando o homem batizado à força, de forma amargurante e humilhante,

onde o vocábulo Mar em hebraico significa amargo e Anus, em hebraico, significa forçado, violentado.

Mais recentemente, com o constante crescimento de movimentos de legalização da causa marrana, paulatinamente vem-se substituindo este termo, que para muito ainda soa pejorativamente por um outro, também de origem hebraica que seria Ben Anus ou Bnei Anussim, onde ben significa filho em hebraico e bnei como forma plural de ben, da mesma forma o termo anus ganha sua forma plural em

anussim.

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ou simplesmente Anussim, vem a designar o judeu de origem ibérica que no período compreendido entre os séculos XIII e XV teve de optar pela conversão forçada ao catolicismo romano ou a morte, e que sofreu ainda até o século XIX, mas precisamente no ano de 1821 uma dura e forte perseguição, justamente por ainda praticarem o judaísmo familiar. Assim com o passar do tempo, veio a ganhar significados pejorativos, sempre ou quase sempre relacionados com uma das mais importantes práticas ou regras alimentares da fé judaica que é justamente a não ingestão de carne de porco.

Portanto, os termos, Marrano, Anus, Ben Anus, juntamente com seus plurais e femininos respectivos se referem aos Judeus da península ibérica (Portugal e Espanha) que foram obrigados a professarem a fé católica romana, e também aos descendentes que nos dias de hoje buscam retornar a fazer parte de forma oficial ou não de todo o legado histórico-sócio-cultural de seus antepassados, e que foram ao longo do tempo deixando sua marca na construção da nação que hoje povoa o território das Américas, mas precisamente o Brasil.

Apesar de toda a situação criada, e por alguns judeus espanhóis e portugueses ocuparem altos cargos burocráticos nas respectivas Coroa, surgiu uma tentativa de remediar a situação e até mesmo de anular o referido decreto, através da intervenção de Don Isaac Abravanel, um filósofo judeu e estudioso das escrituras, considerado como pertencente a família real judaica (descendente do rei David), sendo ministro das finanças dos reinos da Espanha e Portugal, considerado por muitos como um grande estadista de seu tempo. Abravanel ao saber do decreto de expulsão promulgado pelos reis católicos tentou reverter a situação, usando de seu posto para implorar aos monarcas que reconsiderassem, chegando a ofertar uma grande soma em ouro para que o decreto fosse revogado. Tudo em vão, pois os reis não aceitaram sua oferta e nem suas explicações, por mais elucidativas que fossem, como podemos analisar um trecho abaixo:

[...] Escutai, ò Céus, e dai ouvidos, Rei e Rainha da Espanha, a mim, Isaac Abravanel, que vos fala. Eu e minha família somos descendentes diretos do Rei Davi. Verdadeiro sangue real, o sangue do Messias, corre em minhas veias. É a minha herança, e eu a proclamo agora em nome do Deus de Israel. Em favor do meu povo, o povo de Israel, escolhido por Deus, declaro-o indeclaro-ocente de tdeclaro-oddeclaro-os declaro-os crimes de que é acusaddeclaro-o nesse éditdeclaro-o de abdeclaro-ominaçãdeclaro-o. O crime, a transgressão, sois vós que tendes que carregar, não nós. O

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decreto perverso que proclamais hoje será a vossa queda. E este ano, o qual imaginais ser o ano da maior glória da Espanha, se tornará da Espanha o ano de maior vergonha. [...] Como as armas medem a força de uma nação, as artes e as letras medem o seu refinamento. Sim, vós tendes humilhado os mouros com a força de vossos exércitos, provando serdes hábeis na arte da guerra. Mas e o vosso secreto estado mental? Com que direito os vossos inquisidores correm o interior do reino queimando livros em milhares de fogueiras públicas? Com que autoridade os clérigos agora querem queimar a grandiosa biblioteca árabe deste grande palácio mouro e destruir seus manuscritos inestimáveis? Com que direito? Com que autoridade? Porque, é com a vossa autoridade, meu rei e minha rainha. Nos vossos corações, desconfiais do poder do conhecimento, e respeitais apenas a força. Conosco, judeus é diferente. Estimamos imensamente o conhecimento. Em nossas casas e em nossas casas de orações, o aprendizado é uma ocupação para toda a vida. Aprender é nossa paixão, está no centro de nossos seres; é a razão, de acordo com nossos sábios, para a qual fomos criados. Nosso impetuoso amor pelo conhecimento tem contrabalanceado vosso excessivo amor por poder. Poderíamos ter nos beneficiado da proteção oferecida pelos vossos exércitos reais, e vós poderíeis ter tirado maior proveito dos avanços de nossa comunidade e da troca de conhecimento. Eu vos digo que poderíamos ter nos ajudado um ao outro. [...] E então um dia a Espanha se questionará: o que nos sucedeu? Por que somos motivo de riso entre as nações? E os espanhóis daqueles dias olharão em seu passado e se perguntarão por quê isso veio a acontecer. E aqueles que são honestos apontarão para este dia e para estes tempos quando a sua queda como nação começou. E como causa de sua ruína serão mostrados ninguém mais além de seus reverenciados soberanos católicos, Fernando e Isabel, conquistadores dos mouros, que expulsaram os judeus, fundaram a Inquisição, e destruíram a mente investigadora na Espanha. Este édito é um testemunho da fraqueza da cristandade. Mostra que nós judeus somos capazes de ganhar os séculos - velho argumento das duas fés. Explica porque há "falsos cristãos", isto é, cristãos cuja fé foi balançada pelos argumentos do judeu que conhece mais. [...] Nós vos abandonamos com este confortante saber. Porque mesmo que disponhais de poder, nós temos a mais elevada verdade. Mesmo que possais dispor de nossas pessoas, não podeis dispor de nossas almas e da verdade histórica à qual apenas nós levamos testemunho. Ouvi, rei e rainha da Espanha, pois neste dia tendes sido acrescentados à lista dos malfeitores contra o remanescente da Casa de Israel. Se procurais destruir-nos, vossos desejos serão para nada, porque maiores e mais poderosos dominadores tentaram nos exterminar, e todos falharam. Na verdade, nós prosperaremos em outras terras longe daqui. Aonde quer que vamos, o Deus de Israel é conosco. E quanto a vós, Rei Fernando e Rainha Isabel, a mão do Senhor vos alcançará e punirá a arrogância do vosso coração. [...] (DECRETO DE ALHAMBRA. 1492).16

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Apesar de Isaac Abravanel apelar para conceitos como a intelectualidade e o refinamento cultural que os judeus poderiam contribuir de sobremaneira com a sociedade espanhola, através de seu exemplo, devido a sua cultura que os tornou conhecidos como o povo do livro, mostrando que ao invés da violência, era a cultura e a racionalidade os marcos de uma civilização evoluída e superior perante as demais, e já que a Espanha virava as costas a esta realidade que Abravanel lhes expunha, terminava sua petição afirmando que no futuro os judeus ainda estariam vivos e sobrevivendo a toda a sorte de infortúnios, enquanto a nação espanhola não seria mais a mesma em sua fase de glórias, e que perderia o respeito da potencia que um dia foi.

2.1.2 Os Anussim e a diáspora sefaraditas, A sociedade anussita nas Américas

Como era de se esperar, devido ao fato de que o Édito proibia que os judeus sefaraditas abandonassem o reino portando suas riquezas, muitos não tiveram escolha e acabaram por ficar e aceitar, mesmo de que forma externa, as conversões ao catolicismo. Chegava ao fim a história de uma das mais prósperas comunidades judaicas do mundo. Mas o fato de serem agora convertidos ao catolicismo, não fazia destes verdadeiros cristãos, não fazia com que fossem tratados como iguais, antes receberam um título que os diferenciava, que os separava dos demais, e assim, mais uma vez eram tratados como diferentes. Como forma de se ter uma separação que identificasse quem era de origem judaica, os conversos passaram a ser conhecidos como cristãos-novos, e assim, despertavam cada vez mais os olhos dos inquisidores, fiscais da igreja, para si. Mas não foi apenas na Espanha que os judeus sofreram expulsões e conversões forçadas, na vizinha Portugal, lugar para onde milhares de judeus espanhóis tinham se refugiado sob o abrigo de seus compatriotas judeus portugueses, também, devido a uma clausula de casamento que ligaria ambas casas reais, o rei Manuel I decretou algo semelhante aos judeus de seu reino:

Após a morte de João em 1494, o novo rei Manuel I de Portugal restaurou a liberdade dos judeus. No entanto, em 1497, sob a pressão do recém-nascido Estado espanhol através da cláusula de casamento com Isabella, Princesa das Astúrias, a Igreja e também por parte dos cristãos, o rei Manuel I de

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Portugal decretou que todos os judeus tinham que se converter ao cristianismo ou deixar o país sem seus filhos. (STEVEN. 2001. p.36).17

Devido aos mesmos fatores espanhóis, e agora ao agravante de ter que abandonar suas crianças, os judeus portugueses (e espanhóis que agora viviam em Portugal) decidiram aceitar as conversões e os chamados batismos em pé, como nos relata Novinsky (1983), que foram os processos de batizar os judeus que estavam esperando por navios que nunca vieram para os retirar de Portugal, e assim, obrigados a ter que ficar, seja por causa dos filhos ou pelas suas posses, acabaram sendo convertidos ali mesmo, em pé, e assim considerados oficialmente como os novos cristãos, ou cristãos-novos.

Mesmo tendo sido convertidos, devido ao fato de serem de origem judaica, os inquisidores, verdadeiros agentes do governo e da igreja, constantemente rondavam aqueles que, pelo simples fato de serem judeus ou de terem sido, eram alvos constantes de denúncia de crime de judaizar, seja em público, seja em casos particulares, como nos conta Pernidji:

Duarte da Silva, que sempre negou, quando em Portugal, a pecha de judaizante, terminou seus dias em Londres. Na capital inglesa despiu seu invólucro cristão e reconheceu abertamente o seu judaísmo. O Vaticano, vigilante, acompanhava os judaizantes e os condenados pela Inquisição, onde quer que estivessem. Em 11 de fevereiro de 1663, o papa Alexandre VII enviou um breve aos inquisidores de Portugal no qual ordenava que se opusessem às ofertas do hebreu-português. Duarte da Silva havia prometido grandes quantidades de dinheiro, forças marítimas e terrestres. Exigia, porém, em troca, um lugar seguro para os hebreus terem sua sinagoga e um perdão geral. (PERNIDJI. 2005. p.22).

Como podemos analisar, o Vaticano acompanhava os antigos judeus e seus familiares ao longo de suas vidas, para que os mesmos não viessem a cometer os crimes de judaizar, ou seja, de simplesmente expor que eram judeus, seja em público ou no interior de seus lares. E devido a esta pressão sofrida, os então anussim (judeus forçados a conversão), como uma forma de resistência, passaram a adaptar cultos e práticas familiares, e a cada vez lutarem com mais força contra a opressão da igreja

17 Tradução do autor, baseado no original: Following John's death in 1494, the new king Manuel I of Portugal

restored the freedom of the Jews. However, in 1497, under the pressure of the newly born Spanish State through the clause Marriage of Isabella, Princess of Asturias , the Church and also of part of the Christian people , King Manuel I of Portugal decreed that all Jews had to convert to Christianity or leave the country without their children

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e do Estado. Um dos fatores adaptados, além dos costumes, foi a troca do sobrenome, como uma forma tanto de despistar a igreja como de autoafirmar sua condição judaica ancestral, como no seguinte caso:

Joseph Henriques Nunes era natural de Bragança, em Trás-os-Montes, e já tinha 49 anos de idade ao sair no auto-de-fé em 1706, em Coimbra. Por crime de judaísmo já havia sofrido penas anteriores. Toda a sua família esteve às voltas com a Inquisição e seu pai, Francisco Nunes, não resistiu aos tormentos e morreu nos cárceres inquisitoriais. Joseph, sua família e nada menos que oito netos, em 1763, imigraram para Bordéus, na França. Bordéus era um dos roteiros clássicos dos marranos fugidos de Portugal. A família, ao lá chegar passou a chamar-se Henrique-Raba, que era o apelido que lhe davam em Bragança. Aliás, era o nome hebraico da família e as anotações inquisitoriais tratavam o seu pai de “o Raba” e a sua mãe, Isabel Rodrigues, de “a Raba”. Provavelmente, o Raba, como foram conhecidos enquanto judeus em Portugal, é derivado de Arrabi, designação oficial dada aos rabinos. Em Évora, por exemplo, tal era a importância da sua judiaria, que houve um momento em que teve que se fixar na cidade a sede do Arrabi Mor18. (PERNIDJI. 2005. p.35).

No caso em questão, o senhor Joseph mudara seu sobrenome para uma denominação anterior, na qual sua família já era conhecida na comunidade judaica. Outra situação era de apenas traduzir o sobrenome da língua hebraica, como nos conta Birnbaum (2015), ao citar exemplos de sobrenomes como Oliveira, que em hebraico seria Zaitune, ou Leão, que em hebraico seria Ari. Birnbaum ainda explica que nestes casos, alguns marranos ou anussim colocavam a partícula ben antes do novo nome, para identificar sua filiação, como no caso de Moshe ben Beryahu, que seria o equivalente hebraico para Moisés filho de Beryahu.

Outros ainda acabaram por eternizar o sobrenome latino como uma marca de judaicidade, compartilhada por muitos destes judeus espanhóis e portugueses que acabaram vindo para as Américas nas primeiras expedições colonizadoras, como no caso da vila de São Vicente (primeira colônia oficial em solo brasileiro) e na capital sul-riograndense, que a época era chamada de Porto dos Casais, devido ao fato de ter recebido casais de degredados açorianos, que na verdade, como nos contra Novinsky (1992), estes degredados eram em sua maioria cristãos-novos que, devido

18 Arrabi Mor, ou simplesmente Rabi Mor era a denominação que se dava, em primeiro lugar ao Rabino chefe de

um tribunal rabínico, um tribunal composto por três membros, onde antigamente estes membros deveriam ser rabinos, o que hoje apenas se exige que o presidente deste tribunal o seja; em segundo lugar dava-se este nome ao próprio tribunal, como a citação em questão aponta.

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ao fato de poderem vir a praticar crimes de judaizar em solo português, eram mandados pela Coroa ao desterro, com a finalidade de oficializar a posse do território brasileiro e, de perecerem nesta terra como castigo por ainda praticarem o judaísmo de forma caseira, no interior de seus lares.

Cardoso, Cardozo, Cardoza, seja qual for a ortografia adotada, trata-se de um dos nomes mais comuns atribuídos aos cristãos-novos portugueses e conversos espanhóis. O nome persistiu entre os que voltaram ao judaísmo e continua sendo, hoje, um dos sobrenomes mais conhecidos no mundo todo entre judeus de origem hispano-portuguesa. (PERNIDJI. 2005. p.23).

Muitos judeus e judias, pressionados e sufocados pela opressão da igreja, acabavam por declarar abertamente sua condição e assim eram conduzidos aos autos-de-fé para perecerem nas chamas da purificação, pelo simples fato de não tornarem-se passivos as conversões, como no caso de muitas matriarcas, verdadeiras mártires da causa anussim:

Indubitavelmente, entre os convertidos, a mulher judia representou um papel preponderante no sentido de arraigar-se à velha religião judaica, guardando-a secretguardando-amente no âmguardando-ago de seus lguardando-ares e pguardando-assguardando-ando os preceitos mosguardando-aicos aos filhos. Não faltariam entre os Nunes essas heroicas mulheres que preferiam deixar-se arder nos “queimadeiros”, gritando por entre as chamas a razão máxima do judaísmo: “Shema Israel Adonai Eloheinu Adonai Echad” (“Escuta oh Israel, o Senhor é nosso Deus o Senhor é um”). Assim, no século XVII, se sacrificaram Beatriz Nuñez, Clara Nuñez, Isabel Alvarez Nuñez, Violante Nuñez e Helena Nuñez. (PERNIDJI. 2005. p.31)

Temendo que estas atitudes tornassem um mote a impulsionar a resistência de tantos outros, a atitude do desterro foi tomada em grande soma, e assim, muitos e muitos portugueses de origem judaica (fossem judeus portugueses, fossem judeus espanhóis) acabaram por lotar as naus e caravelas da primeira metade do século XVI que aportavam em território brasileiro e séculos subsequentes, com a finalidade dupla: povoar e validar a posse do continente descoberto, vindo a proteger e fornecer lucro com as terras e serem castigados com o desvinculamento com sua terra ancestral, sem ter a chance de poder retornar a sua pátria e poder viver em liberdade de pensamento.

Uma vez instalados em solo brasileiro, estes cristãos-novos, ou então anussim, passaram a fazer parte da população inicial, imprimindo na sociedade

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nascente suas próprias marcas, oriundas de seus costumes, vindo a dar corpo as bases dos primeiros biótipos brasileiros, como o gaúcho com sua barba, chapéu e pala, ou o vaqueiro nordestino que ostenta estrelas de Davi em seu chapéu de couro e no uso do berrante19 para aboiar a tropa (MOURA FILHO. 2010).

Alem dos degredados, que eram obrigados a deixarem as terras da metropole, outros tantos vieram de forma voluntária, como uma maneira de fugir da perseguição e da constante pressão por parte da igreja, vindo a povoar com o tempo as capitanias lusitanas nas terras brasileiras, com o intuito de poderem viver de forma livre a assim poderem “retornarem” às práticas que foram obrigados a deixar, por serem consideradas hereges e oriundas dos assassinos de cristo, como nos relata Herson (1996, p.45).

Nomes como Gaspar da Gama, Fernando de Noronha, Diogo Fernandes são apenas alguns dentre tantos nomes de exploradores e vultos da história nascente do Brasil que são comprovadamente de origem judia, ou melhor, cristã-nova (Herson, 1996), mas existem também muitos e muitos anônimos que se mesclaram de certa forma ao então brasileiro nascente vindo a contribuir de maneira marcante tanto no dialeto como nos costumes e tradições do povo brasileiro. O historiador e poeta Manoel Moura (2010), descreve o sertanejo ou vaqueiro como sendo fruto da aproximação destes judeus anônimos com os habitantes do sertão, vindo a lhes influenciar costumes como o uso do berrante, instrumento de sopro feito de cifre de gado vacum, muito semelhante ao Shofar. Moura ainda relata suas descobertas em varias marcas onde se vê claramente letras hebraicas, bem como a influência que a prece do Shemá veio a ter sobre o “aboiar” (canto para tocar e reunir o gado) do vaqueiro.

Outros costumes nos remetem a clara evidência da presença marcante judaica em costumes como a forma de abate do gado e ovinos nos pampas gaúchos que nos lembram de sobremaneira os métodos de abate Kasher judaicos como nos relata Esther Regina Largman (Morasha, 2002, p. 5). Hábitos como o de não apontar dedos para estrelas, abençoar os filhos com a mão sobre a cabeça, varrer a casa da porta da frente para os fundos, enterrar os mortos envoltos em mortalha são mais alguns costumes de origem judaica ibérica que nos relata estarem presentes também

19 Existe na liturgia judaica um instrumento feito de chifre de carneiro ou de antílope chamado de Shofar, que ao

ser tocado, executa um som muito próximo ao emitido pelos berrantes, que são instrumentos feitos de chifres de bois.

Referências

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