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As condições de desenvolvimento do ser humano: a Teoria Psicossocial de Erikson

No documento Dina Elisabete Brás Silva (páginas 38-43)

Parte I. A família: de lugar de afetos a contexto de risco e perigo

Capítulo 2. A família enquanto instituição de socialização primária: desafios atuais

2.3. As condições de desenvolvimento do ser humano: a Teoria Psicossocial de Erikson

Erikson

O processo de socialização encontra-se aliado ao desenvolvimento humano, pois, nas diversas fases do desenvolvimento, o indivíduo experiencia diferentes contextos e, por isso mesmo, encontra-se em constante socialização. É possível, então,

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dizer que a socialização está presente em todas as fases do desenvolvimento do ser humano, contribuindo para a aprendizagem das diferenciadas funções que o indivíduo terá que desempenhar ao longo da sua vida.

Para abordar o tema do desenvolvimento humano, recorremos à Teoria Psicossocial de Erikson, que contempla oito fases do desenvolvimento, sendo que em cada uma delas o indivíduo enfrenta certos conflitos que culminarão em crises e que, por sua vez, terá de solucioná-las. (Veríssimo, 2002)

A primeira fase, denominada Confiança vs Desconfiança, ocorre até aos 18 meses de vida do bebé. Neste período, a criança apreende o mundo através dos sentidos, principalmente no que diz respeito às condutas das figuras significativas, nomeadamente a mãe ou outra pessoa que a substitua, e que mantenha uma relação significativa com o bebé. A satisfação da alimentação é o principal prazer de que o bebé usufrui nos primeiros tempos de vida, sendo a confiança a base da relação entre o bebé e a figura significativa. A confiança refere-se, essencialmente, ao atendimento adequado da mãe, ou outra figura que a substitua, às necessidades da criança, mantendo essa atitude de forma contínua e coerente. Perante atitudes de desinteresse face aos comportamentos das crianças, gera-se a desconfiança, podendo culminar em perturbações do sistema mental. (Veríssimo, 2002)

A fase seguinte, Autonomia vs Vergonha e Dúvida, também designada como a primeira infância, ocorre, essencialmente, a partir dos 18 meses até aos 3 anos de idade, correspondendo, assim, ao período em que a criança inicia a exploração do meio envolvente (Veríssimo, 2002). A autonomia é conquistada perante atitudes de encorajamento dos progenitores face ao andar, falar, ao relacionar-se com outras pessoas; se, por outro lado, a atitude das figuras significativas culminam na limitação da liberdade e na constante prevenção dos perigos, a criança desenvolve um sentimento de incerteza face às suas aptidões, o que poderá, posteriormente, resultar em limitações no seu desenvolvimento (idem). Nesta fase, o autor da teoria em apreço defende que o importante é deixar a criança experimentar todas as situações, mesmo que o perigo esteja por perto; o facto de a criança não saber comer sozinha e sujar-se, não deve ser motivo para repreensão, pois esta encontra-se numa fase de aprendizagem em que é importante todo o tipo de experiências (Veríssimo, 2002). Estas são, pois, experiências que resultam da socialização primária, junto dos progenitores, e que, se forem mal sucedidas, poderão originar efeitos nocivos para o desenvolvimento e bem-estar da criança.

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A segunda infância, que ocorre dos 3 aos 5 anos, também denominada como o estádio da Iniciativa vs Culpa, carateriza-se pela iniciativa própria, isto é, a criança tende a realizar atividades sozinha, sem que ninguém lhe diga para as fazer. Nesta fase do desenvolvimento, a criança começa a brincar sozinha e a planear as suas brincadeiras, sendo isto essencial para que, aos poucos e poucos, desenvolva uma relação mais eficaz com o meio e consiga alcançar os seus próprios fins. Se os progenitores e outras figuras significativas impedirem as experiências infantis, principalmente as que têm por base a imaginação, estarão, assim, a despromover o sentido de curiosidade e de iniciativa, gerando, pois, sentimentos de vergonha. (Veríssimo, 2002)

A fase de Engenho vs Inferioridade corresponde à idade escolar, nomeadamente desde os 5 até cerca dos 13 anos, que corresponde à entrada na escola primária. A confiança, autonomia e iniciativa são aspetos que a criança vai desenvolvendo ainda mais nesta fase, uma vez que a entrada para o mundo escolar proporciona uma imensidão de experiências. O controlo dos impulsos é, nesta fase, mais visível, pois a criança realiza as ações sem que tenha uma recompensa imediata, isto é, apresenta-se mais atenta, responsável, paciente e diligente. Nestas idades, o mundo da criança passa a ser o mundo escolar, pois é neste que realiza as aprendizagens necessárias para a sua vida. Perante isto, se os pais elogiarem as ações positivas, a criança sentir-se-á orgulhosa de si própria e continuará a apresentar condutas positivas e aceitáveis, mas, se pelo contrário, os pais apresentarem uma atitude de desvalorização perante os resultados obtidos pela criança, esta poderá desenvolver sentimentos negativos, que culminará numa autoestima negativa. (Veríssimo, 2002)

A fase seguinte do desenvolvimento corresponde à adolescência (dos 13 aos 21 anos), e que se carateriza por uma crise de identidade. Isto ocorre, pois, devido às transformações fisiológicas sentidas pelo jovem, e também pelo facto de entrar numa fase de experimentação de diversos papéis sociais. Aos poucos e poucos, vai tentando definir quem é ou o que quer vir a ser, o que gosta e o que não gosta, os papéis que o fazem sentir bem e aqueles que, por outro lado, não gosta, entre outros aspetos. Todas estas alterações no seu mundo interior podem contribuir para a designada “confusão de papéis” que, por sua vez, pode culminar na recusa do indivíduo em aceitar o mundo dos adultos, assumindo, então, uma postura imatura. (Veríssimo, 2002)

A fase da adolescência carateriza-se, também, pelo desenvolvimento da autonomia. Embora iniciando-se na infância, é no período da adolescência (entre os 10 e

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os 14 anos) que a autonomia mais cresce (Fleming, 1997). Esta autora (idem) defende a ideia de que a autonomia apresenta-se como a ambição da sociedade em garantir a reprodução biológica e cultural. Esta fase do desenvolvimento remete para a ideia da tomada de decisões sobre si próprio e sobre a sua vida de forma livre, ou seja, a autonomia é encarada como a capacidade do indivíduo para tomar decisões sem que outros indivíduos participem nessas decisões (Oliveira & Siqueira, 2004).

Do ponto de vista de Reichert & Wagner (2007), a autonomia reflete a aptidão para pensar, sentir e agir por si próprio, sendo essencial alcançar um certo grau de independência. Isto é, os citados autores consideram que a independência é essencial para alcançar a autonomia e que a passagem para este estado implica mudanças nas relações familiares. O desenvolvimento de competências no domínio da autonomia depende, efetivamente, dos estilos educativos parentais, ou seja, do modo e das estratégias usadas pelos pais, no processo de socialização, para estimular a crescente independência dos filhos (Reichert & Wagner, 2007).

O desenvolvimento de competências de autonomia implica também mudanças a nível cognitivo, pois o adolescente tem de adquirir a capacidade de lidar com as adversidades da sua vida, tolerando e respeitando as outras pessoas e respetivas autonomias. Ou seja, a autonomia é considerada o crescimento perante os conflitos internos, a sua resolução e a consequente tolerância e respeito pelas necessidades dos outros (Fleming, 1997). A passagem do estado de dependência face aos pais ou cuidadores para um estado de autonomia depende do tipo de socialização realizada, isto é, depende das normas, valores e expetativas interiorizadas (Fleming, 1997). De acordo com esta autora (idem), as classes sociais mais desfavorecidas possuem padrões culturais de maior permissividade e, consequentemente, menor controlo parental. Mas, se ter independência é fundamental para criar autonomia, esta é mais do que ser independente (idem).

A conquista de autonomia é, por parte dos jovens, uma forma de rejeição do estatuto de condição de ser criança, uma vez que o adolescente não aceita que o tratem como uma criança. Mas esta fase é, igualmente, geradora de sentimentos de confusão e até mesmo de sofrimento (Oliveira & Siqueira, 2004).

Voltando às fases do desenvolvimento, Veríssimo refere que “Num paralelo entre o primeiro e o último estádio, Erikson comenta sinopticamente que “as crianças saudáveis não terão receio da vida, se os seus idosos tiverem integridade suficiente para não recear a morte.” (2002, p. 23)

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Podemos, assim, concluir que o desenvolvimento do ser humano remete para a aquisição de competências no domínio da autonomia, sendo a socialização um veículo essencial para a aprendizagem das ferramentas essenciais para a vida. No contexto de institucionalização, cabe à instituição na figura dos seus membros (profissionais), promover um trabalho de (re)socialização com vista à autonomização e ao desenvolvimento integral. Como se processa, ou não, essa preparação, será o que se procurará analisar nos capítulos seguintes.

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Capítulo 3: O outro lado da família: de contexto de proteção a contexto

No documento Dina Elisabete Brás Silva (páginas 38-43)