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METROPOLIZAÇÃO: ESPAÇO E GESTÃO

1.3. AS CONSTITUIÇÕES FEDERALISTAS NO BRASIL: AUTONOMIA E AGRUPAMENTOS MUNICIPAIS

1.3.2. As Constituições Federalistas

Apesar do Município só vir a ser considerado ente federado na Constituição de 1988, desde a primeira Constituição federalista datada de 1891 já era contemplada a referência à autonomia municipal no que tange ao seu “peculiar interesse”. Como também, permitia a propositura de acordos e convenções intermunicipais de forma a viabilizar o relacionamento entre os Municípios. A Constituição de 1934 inovou em relação ao tratamento dado ao Município, ao falar pela primeira vez em autonomia política - eleição de seus prefeitos e vereadores, autonomia financeira – decretação de seus impostos e autonomia administrativa – organização de seus serviços, porém não o mencionou como ente federativo, mantendo-se na mesma posição da Constituição de 1891. A Constituição de 1937 também não incluiu o Município como ente da Federação, e ficou composta como nas duas Cartas anteriores. Permaneceu o respeito à autonomia relativa ao peculiar interesse municipal, bem como a eleição dos Vereadores, o poder de decretar impostos e taxas e a prerrogativa de organizar os seus serviços, porém os Prefeitos seriam nomeados livremente pelo Governador do Estado. Esta Constituição também possibilitou o agrupamento de Municípios para atender a serviços de interesse comum, embora sob regulação ditada pelo Estado. A Carta de 1946, conhecida como “Constituição Municipalista”, negou à União a possibilidade de intervir nos Estados, retirou o Município da estrita tutela e da inoperância em que fora colocado pelo regime autoritário e procurou fortalecer as instituições municipais. E se limitou a prever a possibilidade dos Estados criarem órgão de assistência técnica aos Municípios, embora não tenham mantido o “agrupamento municipal”. A Constituição imposta em 1967 relativizou a autonomia municipal, especialmente no concernente à escolha dos prefeitos. E ao prever a criação das Regiões Metropolitanas, também previu a possibilidade de celebração de convênios entre Municípios para a exploração de serviços públicos de interesse comum. O Ato Constitucional N° 1 de 1969, considerado por muitos como uma nova Constituição, não trouxe nenhuma alteração ao que diz respeito à autonomia municipal e às Regiões Metropolitanas (JOBIM, 2006; PINTO, GONÇALVES, NEVES, 2003; SADEK, 1991).

No Quadro 1.2 é apresentado um resumo de todas as Constituições Federais enfocando os aspectos referentes a autonomia dos Municípios e as possibilidades já previstas de agrupamentos municipais para a execução de serviços de interesse comum.

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Quadro 1.2. Referências das Constituições federalistas à ênfase dada à autonomia municipal e aos agrupamentos municipais.

Textos Constitucionais Autonomia municipal Agrupamento municipal

Constituição 1891 Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a

autonomia dos Municípios em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse. Art. 68

Permite a propositura de acordos e convenções intermunicipais de forma a viabilizar o relacionamento entre Municípios com base no texto genérico dos Arts.48, nº 16 e 65, § 1º. Se celebrados entre os Municípios precisavam de aprovação do Estado e se celebrados entre os Estados, precisavam da aprovação da União.

Constituição 1934 O texto final da Constituição de 1934 não trouxe dispositivo

semelhante, mas assegurou a autonomia das funções legislativas e administrativas dos Municípios. “Os MUNICÍPIOS serão organizados de forma que lhes fique assegurada a autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse, especialmente” e a “A organização dos serviços de sua competência” (Arts. 13, I, II e III).

No anteprojeto de 1933 era prevista a possibilidade de criação de “Região com autonomia”. E nesta Constituição ficou definido que: “Os MUNICÍPIOS da mesma região podem agrupar-se para a instalação, exploração e administração de serviços públicos comuns. O agrupamento, assim constituído, será dotado de personalidade jurídica, limitada aos seus fins. Caberá aos ESTADOS regular as condições em que tais agrupamentos poderão constituir-se, bem como a forma de sua administração (Artigos 26 a 29).

Constituição 1937 Manteve-se nas mesmas condições da Constituição anterior: “Os

Municípios serão organizados de forma a ser-lhes assegurada autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse, e, especialmente à organização dos serviços públicos de caráter local.” (Art 26).

É inaugurado, legislativamente, o agrupamento municipal: “Os MUNICÍPIOS da mesma região podem agrupar-se para a instalação, exploração e administração de serviços públicos comuns. O agrupamento, assim constituído, será dotado de personalidade jurídica limitada a seus fins. Parágrafo único - Caberá aos Estados regular as condições em que tais agrupamentos poderão constituir-se, bem como a forma, de sua administração” (Art.29). Porém, como a Constituição de 1937 ocorreu durante a ditadura do Estado Novo, o seu reconhecimento era apenas formal.

Constituição 1946 Conhecida como “Constituição Municipalista”: A autonomia dos

Municípios será assegurada: pela administração própria, no que concerne ao seu peculiar interesse e, especialmente, à organização dos serviços públicos locais (Art. 28).

Apesar de ser conhecida como a Constituição municipalista, não manteve o “agrupamento municipal”. E estabeleceu que: “É permitida ao ESTADO a criação de órgão de assistência técnica aos MUNICÍPIOS” (Art.24).

Constituição 1967 Assegura a autonomia municipal: “pela eleição direta de Prefeito,

Vice-Prefeito e Vereadores realizada simultaneamente em todo o País, dois anos antes das eleições gerais para Governador, Câmara dos Deputados e Assembléia Legislativa; pela administração própria, no que concerne ao seu peculiar interesse, especialmente quanto: à organização dos serviços públicos locais” (Art. 16).

Permite a celebração de convênios entre os Municípios: “Os Municípios poderão celebrar convênios para a realização de obras ou exploração de serviços públicos de interesse comum, cuja execução ficará dependendo de aprovação das respectivas Câmaras Municipais” (Art. 16, § 4º). E Cria as Regiões Metropolitanas: “A União, mediante lei complementar, poderá estabelecer regiões metropolitanas, constituídas por Municípios que, independentemente de sua vinculação administrativa, integrem a mesma comunidade sócio-econômica, visando à realização de serviços de interesse comum” (Art. 157, § 10).

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Ato Constitucional de 1969

Não teve alterações em relação a Constituição anterior: A autonomia municipal será assegurada: “Pela eleição direta de Prefeito, Vice-Prefeito e vereadores realizada simultaneamente em todo o País, em data diferente das eleições gerais para senadores, deputados federais e deputados estaduais; pela administração própria, no que respeite ao seu peculiar interesse, especialmente quanto: à organização dos serviços públicos locais” (Art. 15).

Houve poucas mudanças em relação à Constituição anterior, permitiu a celebração de convênios entres os três entes: “A União, os Estados e Municípios poderão celebrar convênios para execução de suas leis, serviços ou decisões, por intermédio de funcionários federais, estaduais ou municipais” (Art. 13, § 3º). E a criação das Regiões Metropolitanas toma forma de artigo: “A União, mediante lei complementar, poderá para a realização de serviços comuns, estabelecer regiões metropolitanas, constituídas por Municípios que, independentemente de sua vinculação administrativa, façam parte da mesma comunidade sócio-econômica” (Art. 164).

Lei Complementar de 1973

A Lei Complementar define quais são as Regiões Metropolitanas brasileiras e define os serviços comuns: “Reputam-se de interesse metropolitano os seguintes serviços comuns aos Municípios que integram a região: I - planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social; II - saneamento básico, notadamente abastecimento de água e rede de esgotos e serviço de limpeza pública; III - uso do solo metropolitano; IV - transportes e sistema viário” (Art. 5º).

Constituição de 1988 Institui o Município a verdadeira entidade formadora do regime federativo: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição” (Art. 18) Confirma sua autonomia administrativa, organizativa, legislativa, financeira e tributária. E define como competências dos Municípios: “I - legislar sobre assuntos de interesse local; V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial” (Art. 30).

È atribuído aos Estados a competência mediante Lei Complementar de instituir as Regiões Metropolitanas, aglomerações urbanas e microregiões: “para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.” (Art. 25, § 3º).

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1.4. NOVAS PERSPECTIVAS PARA A GESTÃO METROPOLITANA NO BRASIL PÓS- CONSTITUIÇÃO DE 1988

Após a Constituição de 1988, as perspectivas vislumbradas para a gestão metropolitana se constituíram em algumas experiências voluntárias de cooperação entres os entes federados, principalmente entre os entes municipais. A partir da década de 90 e especialmente nos últimos anos, tem sido retomada a discussão metropolitana, ainda que de forma incipiente, através de algumas iniciativas que têm como objetivo criar estímulos para uma ação compartilhada entre os entes federados. No âmbito federal, principalmente com a criação do Ministério das Cidades no governo Lula, intensifica-se a discussão sobre a gestão metropolitana e entra em pauta a reflexão a respeito de seus entraves de natureza institucional, política e financeira. A Conferência Nacional das Cidades, instituída em 2003 com o objetivo de ser um espaço democrático para a discussão do futuro das cidades, tratou na segunda edição, no ano de 2005, o tema relacionado à questão federativa, política urbana regional e Regiões Metropolitanas, considerado pelo Conselho das Cidades como o grande desafio para a implantação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano.

Entre as diversas resoluções aprovadas na segunda Conferência das Cidades, sobre a questão federativa e a política urbana regional e Regiões Metropolitanas, destacam-se as seguintes questões para a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano: o incentivo à implementação de uma política de organização regional para a solução de consórcios intermunicipais públicos ou outras formas de integração intermunicipal para a solução de funções públicas de interesse comum e de gestão compartilhada regional; incentivo à cooperação e à coordenação intergovernamental de programas, projetos e ações, estimulando a parceria entre as várias esferas de governo em todos os níveis da federação especialmente nas bacias hidrográficas, nas Regiões Metropolitanas, nas micro-regiões pouco dinâmicas e nas aglomerações urbanas; o estímulo e o apoio à gestão pública intermunicipal para a formulação e a implementação de desenvolvimento econômico e social, educacional, de obras e serviços, de segurança pública, entre outros, respeitando as especificidades de cada Município. E uma outra resolução indica que a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano deve estabelecer diretrizes para programas e ações dirigidas às Regiões Metropolitanas, considerando a institucionalidade da gestão metropolitana e o grau de complementaridade e a articulação entre os Municípios que compõem uma região.

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A temática metropolitana também entrou na pauta legislativa federal, através da iniciativa do Deputado Federal Walter Feldman, ao elaborar o Projeto de Lei n° 3460 de 2001, denominado como Estatuto da Metrópole, que estabelece objetivos e diretrizes para a política nacional de planejamento regional urbano. Porém este projeto ainda não entrou na pauta do Congresso Nacional para aprovação.

No âmbito dos Estados e Municípios existem experiências voluntárias de gestão. Os exemplos mais conhecidos são os conselhos de prefeitos, planos diretores metropolitanos, planos e projetos metropolitanos, conselhos e câmaras metropolitanas, comitês de bacias e os consórcios intergovernamentais. Outra experiência inovadora que tem ocorrido em algumas Regiões Metropolitanas é a instituição do Parlamento Metropolitano, que é composto, facultativamente, pelas Câmaras Municipais dos Municípios componentes da Região Metropolitana. O parlamento não tem função Legislativa e não substituirá nem confrontará com nenhuma Casa Legislativa, uma vez que suas deliberações terão o caráter de recomendações ou sugestões, a serem encaminhadas oportunamente aos devidos canais institucionais na busca de soluções dos problemas apresentados e discutidos.

Em abril de 2005, surge a primeira iniciativa de caráter legal, e talvez a mais expressiva até então, no sentido de auxiliar o enfrentamento da gestão metropolitana, através da criação da Lei nº. 11.107/05, que regulamentou o artigo 241 da Constituição Federal, com o intuito de dar bases legais e institucionais mais sólidas para a cooperação entre entes federados, conhecida como a Lei de Consórcios Públicos, que será discutida no capítulo seguinte.

Em maio de 2008 é criado um Comitê de Articulação Federativa – CAF, através da resolução N° 7 de 20 de maio, de âmbito federal. O CAF criou um Grupo de Trabalho Interfederativo com o objetivo de “desenvolver propostas de aperfeiçoamento da gestão das Regiões Metropolitanas, Aglomerações urbanas e Microrregiões, bem como a coordenação interfederativa e a integração das políticas públicas nestes territórios” (BRASIL, 2008, p.2). O CAF é coordenado pelo Ministério das Cidades e conta com a participação de outros Ministérios, além da Associação brasileira de Municípios - ABM, Confederação Nacional de Municípios – CNM, Frente Nacional de Prefeitos – FNP e Fórum Nacional de Entidades Metropolitanas, da qual faz parte a Agência CONDEPE/FIDEM. Em novembro de 2008, o CAF concluiu um relatório onde são apontados os primeiros resultados do grupo. Nesse

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relatório são apresentadas quatro propostas, ainda preliminares, como alternativas de modelo gestão, sendo elas:

- A fusão de Municípios que englobam o território de grandes metrópoles. Esta solução enfrenta forte resistência política por parte dos Municípios que seriam fundidos e dependeria de regulamentação por lei complementar, conforme previsão do parágrafo 4º do Artigo 18 da Constituição Federal; [...]

- A criação de Estados sem Municípios que englobam o território de grandes metrópoles, mas igualmente enfrenta forte resistência política e dependeria de alteração constitucional; [...]

- A criação de órgãos ou entidades intermunicipais compulsórios ou voluntários. Ou seja, os Municípios teriam ou o direito ou o dever de atuarem conjuntamente em face de determinadas matérias. A intermunicipalidade voluntária pode se dar hoje mediante os consórcios públicos previstos no art. 241 da Constituição Federal, bem como na Lei 11.107, de 2005 (regulamentada pelo Decreto 6.017, de 2007). Já a intermunicipalidade compulsória é tema hoje polêmico, em vista de que ainda não se definiu uma interpretação definitiva do disposto no art. 25, § 3º, da Constituição Federal, que cuida das Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões. [...]

- A criação de órgãos ou entidades que, compulsoriamente, reúnam Municípios e Estado. Ou seja, os Municípios teriam que compartilhar o exercício de suas competências entre si e com o Estado. Existem opiniões divergentes no Superior Tribunal Federal - STF sobre a questão; há quem defenda que as Regiões Metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões devam ser intermunicipais, ou seja, integradas exclusivamente por Municípios (BRASIL, 2008, p.2).

Pode-se afirmar que nos últimos anos intensificaram-se as discussões sobre novas perspectivas para as Regiões Metropolitanas. As alternativas mais viáveis ainda se fundamentam na cooperação entre os Municípios, com ou sem a participação da União ou dos Estados, cujo preceito básico ainda é o aspecto voluntário. Observa-se que parte dessas alternativas assemelha-se às idéias discutidas no passado, seja nas discussões postas como alternativas metropolitanas, seja nas disposições legais trazidas pelas Constituições Federais ao prever possibilidades de agrupamentos entre os Municípios. Porém, essas alternativas ainda são complexas devido ao processo histórico pelo qual passaram as Regiões Metropolitanas, pela ênfase localista resultante do federalismo atual e pelo fato das discussões ainda serem pouco conhecidas e consequentemente não apropriadas por parte da população metropolitana.

1.4.1. A gestão metropolitana do Recife pós-Constituição de 1988: A criação do Sistema

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