• Nenhum resultado encontrado

Forma e nível de participação dos representantes da sociedade civil no processo de criação e decisão do CTM

A EFICÁCIA DA COOPERAÇÃO INTERGOVERNAMENTAL PARA A GESTÃO METROPOLITANA

4.1.2. Forma e nível de participação dos representantes da sociedade civil no processo de criação e decisão do CTM

A discussão sobre o Consórcio para alguns setores da sociedade civil organizada iniciou ainda no Governo Jarbas Vasconcelos, quando as organizações vinculadas ao Fórum de Reforma Urbana – FERU participaram da I Conferência de Transportes e Trânsito do Recife, e se posicionaram em defesa da municipalização do transporte desta cidade. Essa idéia tinha como base o fortalecimento do transporte público e um maior contato da população com o sistema de gestão. O FERU avaliava que a população e as lideranças comunitárias não tinham acesso direto à EMTU e, uma vez que fosse municipalizado o transporte, esse acesso seria mais fácil. Logo em seguida, em meio à campanha eleitoral municipal, o FERU promoveu um debate público na Câmara Municipal do Recife com todos os candidatos à Prefeitura do Recife, onde foram levadas várias propostas para a gestão municipal. Na ocasião, o prefeito João Paulo, candidato à reeleição, concordou com todas as propostas, mas pronunciou publicamente que não concordava com a municipalização do transporte. A partir de então, confirmou-se a idéia de que o Município do Recife estava negociando com o Governo do Estado a criação do Consórcio. Porém, essa discussão só ocorreu efetivamente com os segmentos da sociedade civil organizada através do Poder Legislativo.

Do ponto de vista do Executivo, os movimentos foram chamados para uma conversa, para um debate somente. Agente colocou nossas posições e não foram acatadas. Nos casos em que houve as discussões nas Câmaras de Vereadores da RMR, nenhum movimento foi convidado para participar. Na Câmara de Recife teve um debate amplo com a participação de todos esses movimentos de reforma urbana de Recife, até porque Recife tem um Conselho Municipal de Transporte que participa representantes da sociedade civil, e representantes do FERU. Então, teve um diálogo mais próximo em Recife (ALEXANDRE RAMOS, representante da FASE e integrante do FERU. Entrevista realizada em 02 de outubro de 2008).

O FERU, que se posicionou como defensor da autonomia municipal, também defendia a idéia de que um modelo de consórcio para o transporte deveria ser intermunicipal, ou seja, deveria ter a participação apenas dos Municípios. E a participação do ente estadual deveria se dar através da fomentação e do estímulo para que os Municípios se consorciassem, e não ser um ente consorciado também.

148

Fomos para audiência na Câmara do Recife, e dissemos que isso não era um consórcio, isso era uma empresa. E é uma empresa que o Município do Recife não tem poder nenhum de decisão, e boa parte das linhas [de ônibus] estão no Recife, como é que fica isso? E eles não respondiam. Não teve repercussão nem na Câmara de Recife, nem na Assembléia. E chegávamos a dizer para os vereadores do Recife: “Vocês são vereadores do Recife, não são vereadores metropolitanos. Vocês têm que defender os interesses locais.” [...]Os Municípios podem se organizar, podem ter autonomia, podem fazer o consórcio independente do Estado. Agora, como não existe uma articulação municipal metropolitana, como não existe nenhum Município que lidere essa articulação metropolitana, o Estado vem, e ao invés de estimular, diz: “eu faço o consórcio para vocês”. Não necessariamente precisava do Estado fazendo isso, e ainda com 40% das cotas (ALEXANDRE RAMOS, representante da FASE e integrante do FERU. Entrevista realizada em 02 de outubro de 2008).

Além da questão da prevalência da participação do Estado no Consórcio face à autonomia dos Municípios, as principais críticas postas pelos movimentos sociais se referem ao controle social nesse novo modelo de gestão, à regulação do serviço de transportes feito pela ARPE, uma vez que existem muitas dúvidas sobre o que é e como será feita a regulação de um serviço de transportes através dessa agência, e à pouca participação da sociedade civil organizada no Conselho Superior de Transportes Metropolitano – CSTM. Segundo os representantes do FERU, a participação dos usuários dentro do Conselho é muito pequena e não reflete os interesses nem dos usuários, nem da RMR.

O conselho tem a mesma paridade do que antes. É uma queixa antiga, não só do consórcio. Mas, já que vai fazer a mudança, deveria se ter aproveitado para colocar em discussão essa questão histórica da participação popular. Poderia ter sido aproveitado essa oportunidade e trabalhar isso. E ficou exatamente o que era antes, os mesmos representantes. Essa mudança poderia ter gerado para que se divulgasse e se conscientizasse a população. Hoje, com essa mudança você vê nos outdoors: “pioneirismo, mudança....” mas, para o povo mesmo o que é que ficou? O que é que fica? (CIRANO LOPES DE OLIVEIRA, integrante do Grupo de Trabalho de Transportes do FERU. Entrevista realizada em 07 de outubro de 2008).

Em reunião realizada pela EMTU para apresentação do CTM aos movimentos populares, em março de 2007, uma das principais divergências referia-se também à composição do Conselho. Foi reivindicada por este segmento a ampliação do número de participantes representantes dos movimentos populares na composição proposta para o Conselho. Em resposta ao pleito, o Presidente da EMTU, Dilson Peixoto, alegou que o espaço apropriado para a participação popular seria uma conferência de transportes: “É importante que lá seja o espaço para a participação. Não dá para aumentar mais a composição senão se terá dificuldades de reunir esse Conselho” (DILSON PEIXOTO. Reunião realizada no dia 28 de março de 2007, no auditório do Centro de Convenções de Pernambuco).

149

Essa questão também foi posta na audiência pública que ocorreu no Município de Olinda em maio de 2007, onde os vereadores dessa Casa também chamaram a atenção ao que se refere ao espaço de participação popular, sugerindo que deveria ser ampliado. Além disso, houve uma reivindicação para que houvesse um representante do Parlamento Comum da Região Metropolitana do Recife na composição do Conselho.

A Figura 4.1 apresenta a representação do Conselho Superior de Transportes Metropolitano, demonstrando a relação entre o percentual do Poder Público e da Sociedade Civil. Esse quadro foi elaborado pelo FERU com o objetivo de demonstrar a pouca participação da sociedade civil, que corresponde a 20% do total de conselheiros, considerado as vagas disponíveis para a categoria dos permissionários de veículos de pequeno porte e do Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de Pernambuco - SETRANS.

Fig. 4.1. Composição do Conselho Superior de Transportes Metropolitano. Fonte: FERU, 2008.

150

Porém, a principal inovação trazida com o Consórcio, no que diz respeito à participação da sociedade civil, foi a realização da I Conferência Metropolitana de Transportes do Grande Recife, que ocorreu em novembro de 2008 e teve como objetivo a discussão sobre a política metropolitana de transportes e a eleição direta dos representantes dos usuários na composição do CSTM. Para tanto, foram realizadas previamente cinco pré-Conferências, sendo elas: na Região Metropolitana Oeste, em Camaragibe, com a participação dos Municípios de Camaragibe e São Lourenço; na Região Metropolitana Sul, em Jaboatão, com a participação dos Municípios de Cabo, Ipojuca, Jaboatão e Moreno; na Região Metropolitana Norte, em Paulista13, com os Municípios de Abreu e Lima, Araçoiaba, Igarassu, Itamaracá, Itapissuma e Paulista; em Recife e em Olinda. O objetivo de cada uma dessas reuniões foi apresentar previamente aos usuários os temas que seriam discutidos na Conferência e eleger os delegados, representantes dos usuários por categorias: comum, estudante e gratuidade (idosos ou portadores de necessidades especiais). Cada uma dessas categorias foi eleita por Município, ou seja, cada usuário participante das pré-Conferências só poderia votar em representantes dos seus próprios Municípios e de acordo com a categoria que representava. Para cada uma dessas categorias foi definida previamente pelo CTM a quantidade de delegados que seriam eleitos por Município, proporcionalmente às quotas acionárias de cada ente, conforme mostra o Quadro 4.3.

13

A pré-Conferência de Paulista teve que ser realizada em duas etapas. No dia previsto para a reunião houve um forte protesto por parte dos representantes ali presentes, que reivindicavam a forma como o projeto foi elaborado e a falta de participação popular, e não permitiram que houvesse o termino da reunião. Sendo assim, o CTM teve que remarcar outra data para que ocorresse a votação dos delegados daquela região, e fossem cumpridos os objetivos propostos com a pré-Conferência.

151

Quadro 4.3. Distribuição da quantidade de delegados por Municípios e por categorias.

Nucleação Acionário

Municípios

Distribuição dos Delegados (3) Usuário

comum

Gratuidade Estudante TOTAL

Norte Abreu e Lima 4 1 1 6 Araçoiaba 2 1 1 4 Igarassu 2 1 1 4 Itamaracá 2 1 1 4 Itapissuma 2 1 1 4 Paulista 10 3 2 15 Sul Cabo 6 2 1 9 Ipojuca 2 1 1 4 Jaboatão 14 4 3 21 Moreno 2 1 1 4 Oeste Camaragibe 2 1 1 4 São Lourenço da Mata 2 1 1 4 Recife 70 19 16 105 Olinda 16 4 4 24 Total 136 41 35 212

Fonte: Regimento interno da I Conferência Metropolitana de Transportes do Grande Recife, 2008.

Esse total de 212 delegados eleitos nas pré-Conferências, representando todos os Municípios da RMR, foi à Conferência para disputar uma das quatro vagas reservadas aos usuários no Conselho Superior de Transportes Metropolitano, sendo 2 vagas para os usuários comuns, 1 para estudantes e 1 para beneficiários da gratuidade - pessoa idosa ou portadora de necessidades especiais.

A idéia dessa nova representação no Conselho é de que qualquer usuário possa ser eleito delegado do seu Município e da RMR, e não mais através da indicação de representantes de entidades como até então era feita pelo antigo Conselho Metropolitano de Transportes Urbanos. Se por um lado essa medida teve como objetivo a democratização da escolha dos representantes dos usuários, uma vez que são eleitos em uma conferência, por outro lado, a maior crítica feita pelos próprios participantes é que com essa nova proposta está se destruindo o papel das organizações da sociedade civil. Além de que não foi discutido com os antigos representantes no Conselho e nem com as entidades sociais o motivo da mudança, bem como a própria elaboração da Conferência.

É lamentável que uma Conferência que poderia ser muito mais rica se tivesse a contribuição da participação dos representantes dos usuários, não está tendo porque

152

nós não fomos informados sobre a conferência, nós não sabemos qual é a metodologia que vai ser aplicada nas pré-Conferências e na Conferência. Não conhecemos o regimento eleitoral, nem sequer sabemos se tem ou não. Qual é o critério de tirar os delegados? Não sabemos. É dessa forma que se dão as conferências, é com a participação das entidades, ou dos setores que vão participar ou ser eleitos. Para essa organização era necessário que tivesse a representação dos usuários, a representação do idoso, do deficiente para que a gente pudesse elaborar o regimento, inclusive uma pauta para a conferência, onde os temas estivessem ligados a essas necessidades, seja do idoso, dos deficientes ou do usuário comum. Então a Conferência fica prejudicada, porque não houve uma participação ampla, foi uma coisa empurrada de “oba-oba”. (AMARO SILVA. Diretor da Federação Estadual e Metropolitana dos Bairros de Pernambuco – FEMEB e ex-conselheiro do CMTU. Entrevista realizada em 14 de novembro de 2008).

As pré-Conferências, de uma forma geral, foram marcadas por tumultos, discussões e grandes reivindicações. O principal motivo foi o descontentamento dos participantes diante dos objetivos postos pelo CTM, apresentados pelos antigos técnicos da EMTU/Recife, que parecem ainda dispor de pouca habilidade na condução de reuniões com a população local. A grande maioria da população presente às reuniões estava recebendo pela primeira vez informações sobre o Consórcio, e não se conformou ao saber que foi chamada para ouvir uma apresentação e eleger os delegados para a Conferência sem que houvesse uma discussão maior, já que naquele momento, não foi propiciado um espaço para debate e nem permitido que fossem esclarecidas possíveis dúvidas sobre esse novo modelo de gestão já em funcionamento, que tampouco teve uma ampla discussão anterior com a sociedade.

Hoje o grande objetivo nosso é sair daqui com os delegados eleitos aqui nessa pré- Conferencia. No dia da Conferência, então sim, terão o material. Hoje é só a pré- Conferência para a apresentação. Como eu falei, a apresentação é bem breve. Vai se falar para que é que foi criado esse Consórcio, a estrutura institucional, as principais funções do Consórcio, o Conselho para o qual vão ser eleitos os representantes e os benefícios que virão para os Municípios e os usuários. Isso aqui é só para fazer uma apresentação mesmo, não é debate. O objetivo é eleger os representantes para a conferência e na conferência existirão os debates [...] Gente, vocês vão ter oportunidade de na Conferência discutir. Hoje o objeto da nossa reunião é prestar informações para vocês e tirar daqui os representantes (REGILMA SOUZA, Diretora de planejamento do Consórcio Grande Recife, na apresentação da Pré-conferência em Jaboatão, no dia 11 de novembro de 2008).

153

Fig. 4.2. Pré-Conferência da

Região Sul – Jaboatão. Foto: Ana Ramalho, 2008.

Fig. 4.3. Inscrição dos delegados na Pré-Conferência do Recife. Foto: Ana Ramalho, 2008.

Fig. 4.4. Pré-Conferência do Recife. Foto: Ana Ramalho, 2008.

A I Conferência Metropolitana de Transportes do Grande Recife, que ocorreu em novembro de 2008 em Recife, teve como tema central a “Gestão Democrática do Transporte Metropolitano”. E buscou atender os seguintes objetivos: apresentar aos usuários do Sistema de Transporte Público Coletivo de Passageiros o novo modelo de gestão de transporte da Região Metropolitana do Recife; elaborar proposições para o Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife, no que se refere ao fortalecimento de mecanismos de aprimoramento da participação, complementares aos previstos na Lei 13.235/200714; apresentar aos usuários o Conselho Superior de Transporte Metropolitano – CSTM e eleger os representantes dos usuários comuns, estudantes e gratuidade, conforme foi estabelecido pelo Regimento Interno da I Conferência Metropolitana de Transportes do Grande Recife (CONSÓRCIO DE TRANSPORTES METROPOLITANO, 2008).

Na Conferência, a maioria do público presente era composta dos delegados eleitos nas pré- Conferências. Porém, as principais reivindicações continuaram sendo as mesmas das pré- Conferências, como o pouco conhecimento por parte desse segmento da sociedade civil sobre esse novo modelo de gestão, a falta de paridade do Conselho, a forma de eleição dos representantes, que deixaram de ser representantes das entidades organizadas para ser de usuários. Também questionou-se a manutenção no Conselho da representação do Sindicato das Empresas e não mais da representação do Sindicato dos Trabalhadores, como havia no Conselho anterior. Da mesma forma, houve sugestões para que as vagas da sociedade civil no

14

154

Conselho fossem iguais ao número de Municípios da RMR, ou seja, uma vaga para cada Município, conforme o mesmo número de vagas que são distribuídas para o Poder Público de cada Município.

Em resposta a essas reivindicações, o Diretor-presidente do Consórcio Grande Recife justificou que a quantidade de vagas foi definida por lei, dando a entender que essa questão não podia ser revista e atribuindo assim, a responsabilidade ao Poder Legislativo. E contraditoriamente, em relação à vaga que existia antes para o representante do Sindicato, reconheceu que tinha sido um erro que deveria ser corrigido posteriormente. Das 4 vagas disponíveis, 3 foram ocupadas pelos representantes do Recife, sendo uma correspondente ao segmento dos usuários comuns, uma à gratuidade e outra aos estudantes; a última foi ocupada por representante de Olinda, correspondente à outra vaga do segmento dos usuários comuns. De acordo com o formato previsto para a eleição desses representantes do CSTM, já era esperado esse resultado, ou seja, seria pouco provável que uma dessas vagas ficasse com algum outro Município além de Recife e Olinda. Para isso, seria necessário um alto nível de articulação entre os candidatos de todos os demais Municípios da RMR, pois a soma dos delegados desses Municípios perfaz um total de 107 votos, apenas dois votos a mais do que o total de votos correspondentes aos delegados do Recife, que contava com 105 delegados.Isto contribuiu para tornar esse processo pouco paritário entre os próprios delegados dos Municípios15.

15

A forma como foi definida a representação do Conselho seguiu as premissas da forma de participação acionária dos Municípios.

155

Figs. 4.5 e 4.6. I Conferência Metropolitana de Transportes do Grande Recife. Fotos: Ana Ramalho, 2008.

Em relação ao SETRANS-PE e aos representantes de veículos de pequeno porte, ambos pactuam da opinião de que o processo de criação do CTM não foi participativo, pois também informaram que não foram chamados para conhecer e discutir o novo modelo.

A forma e o nível de participação da sociedade civil organizada no processo de criação e decisão do CTM não foram diferentes da participação dos Municípios no mesmo processo. No que se refere ao aspecto quantitativo, verificou-se que o número de reuniões sobre o Consórcio foi insuficiente, principalmente naqueles Municípios que ainda não fazem parte do CTM. E quanto ao aspecto qualitativo, o nível de participação também foi baixo e não atendeu aos preceitos de participação adquiridos com a Constituição de 1988. Além de que tampouco foram contemplados no modelo institucional, espaços mais amplos de participação da sociedade civil organizada.

Os atores envolvidos no processo, tanto do Poder Público como da sociedade civil organizada, não reivindicaram a criação do Consórcio, não participaram ativamente das discussões para a sua criação e não influenciaram no formato resultante. Conclui-se, portanto, que esse arranjo de cooperação não foi investido de legitimidade.

156

4.2. O GRAU DE FORMALISMO DA COOPERAÇÃO INTERGOVERNAMENTAL -

Documentos relacionados