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AS CONTRATAÇÕES SUCESSIVAS E A EXCEPCIONALIDADE DA DISPENSA DE

4 CONTRATAÇÃO DIRETA EMERGENCIAL E O CONFLITO ENTRE

4.2 AS CONTRATAÇÕES SUCESSIVAS E A EXCEPCIONALIDADE DA DISPENSA DE

requisitos legais.

Contudo, como a desídia administrativa é prejudicial para a tutela do interesse público, a qual compreende tutela da moralidade, legalidade e isonomia, é imperioso que seja apurada a responsabilização do administrador público que deixa de realizar a licitação no momento oportuno, contribuindo para a exposição de pessoas e bens ao risco de dano.

4.2 AS CONTRATAÇÕES SUCESSIVAS E A EXCEPCIONALIDADE DA DISPENSA DE LICITAÇÃO

No que se refere à interpretação restritiva da contratação direta, por dispensa de licitação, Marcon (2015, p. 77) defende que deve ser combatida a ampla interpretação dos casos de licitação dispensável, a fim de preservar o princípio da moralidade, o qual encontra- se insculpido na Constituição Federal, e dele decorre o princípio da probidade administrativa, contemplado na legislação infraconstitucional.

Com o propósito de evitar a utilização indiscriminada da dispensa de licitação em situação de emergência ou calamidade pública, e de preservar o caráter excepcional da contratação, além dos pressupostos da dispensa de licitação insculpida no art. 24, IV da Lei nº 8.666/93, percebe-se que o legislador adotou limitações quanto ao objeto e em relação ao prazo máximo de duração do contrato.

A limitação que recai sobre o objeto determina que apenas sejam realizadas em caráter emergencial, por dispensa de licitação, as contratações de obras, serviços e bens estritamente necessários para afastar o risco iminente e gravoso (BRASIL, 1993).

Acerca da referida regra, prevista no art. 24, IV da Lei nº 8.666/93, Fernandes (2013, p. 315) explica que a lei exige um nexo entre o que vai ser contratado pela Administração Pública e o interesse público que reclama tutela.

Conforme, Niebuhr (2015, p. 266) o prazo de 180 dias foi escolhido pelo legislador baseado na presunção de que esse lapso temporal seria suficiente para que o procedimento licitatório regular fosse concluído.

Como inexiste autorização legal, acerca da prorrogação, Amaral (2008, p. 8) sustenta a impossibilidade do contrato firmado no contexto de situação de emergência ou calamidade pública admitir tal flexibilização.

Entretanto, Petian (2015, p. 121) adverte que a previsão de prazo máximo do contrato e da proibição da prorrogação são limitações que nem sempre serão compatíveis com a finalidade da contratação direta emergencial, qual seja, a tutela do interesse público.

Cumpre destacar, que há dois casos em que o Tribunal de Contas da União chegou a admitir a flexibilização do prazo máximo de 180 dias. A primeira hipótese, extraída do Acórdão nº 820/96, consiste na ocorrência de fatos imprevisíveis, capazes de interferir na execução das ações, por parte da Administração Pública, alheios à vontade dos contratantes. A outra hipótese, discutida nos autos do Acórdão nº 927/2000, está relacionada com a suspensão da licitação que estava em andamento, em virtude de força maior, desde que a contratação emergencial não tenha decorrido da desídia administrativa ou falta de planejamento (PEREIRA JÚNIOR, 2007, p. 300).

Quanto à justificativa para a flexibilização do prazo máximo, previsto na lei, importante se faz mencionar o fundamento utilizado no Acórdão de nº 3.238/2010, sob a relatoria do Min. Benjamin Zymler, o qual foi destacado por Moreira Neto (2014, p. 174), em seu artigo intitulado “Desastres naturais e as contratações emergenciais”.

O relator, ao tratar da limitação legal, em relação ao prazo, explicou que nas hipóteses em que o risco de dano ainda não tenha sido afastado, dentro do prazo fixado, é necessário admitir a inobservância desse preceito legal, ao passo que, de acordo com o princípio da razoabilidade e da finalidade, impõe-se a tutela dos bens jurídicos considerados mais relevantes, no caso seria o interesse público presente a necessidade de um rápido atendimento por parte da Administração Pública, ao invés da proteção da licitação (MOREIRA NETO, 2014, p. 174).

A partir da leitura do trecho transcrito, percebe-se que na hipótese houve juízo de ponderação, através da aplicação do critério da proporcionalidade, para harmonizar os princípios conflitantes, uma solução semelhante à exposta no tópico anterior, decorrente da avaliação da adequação, necessidade e por fim, da proporcionalidade, em sentido estrito, da medida.

Aqui, merece destaque as lições de Karoline Lins Câmara Marinho (2007, p. 203), em seu artigo, intitulado “A colisão entre direitos fundamentais e sua solução no caso “Siegfried Ellwanger” julgado pelo STF”. Na ocasião, a autora abordou a questão do conflito entre princípios constitucionais, a exemplo da dignidade da pessoa humana e da liberdade de expressão, ao examinar o caso do Habeas Corpus nº 82.424-2, impetrado por Siegfried Ellwanger, julgado pelo Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do Ministro Moreira

Alves, cuja discussão girava em torno da prática do crime de racismo contra a comunidade judaica.

O referido remédio constitucional foi impetrado a favor de Siegfried Ellwanger, o qual havia sido condenado pelo STJ. A citada corte não reconheceu a prescrição em razão da prática do crime de racismo, em face do povo judeu, por Siegfried Ellwanger ter produzido uma obra de conteúdo anti-semita,, a favor do nazismo (MARINHO, 2007, p. 218).

No que tange à solução para a colisão entre os princípios Alexy (apud MARINHO, 2007, p. 216) ensina que em determinado caso, será atribuído peso aos princípios em colisão, de modo que, o princípio que for atribuído o maior peso prevalecerá no caso analisado.

Ao considerar os princípios no plano abstrato, tem-se que eles não estão escalonados, mas sim em posição de igualdade. A partir do caso concreto é que poderá haver a colisão entre eles, quando ocorrer a limitação da possibilidade jurídica de um princípio pelo outro (MARINHO, 2007, p. 216).

Ademais, a autora aduziu que em certos casos pode haver a insuficiência da regra, por ela não apresentar todos os elementos necessários para que o aplicador do direito decida, ainda assim, o magistrado ao decidir casos difíceis não possui uma liberdade ilimitada, pois, nesse contexto, ele deverá realizar a ponderação observando os limites impostos pelo ordenamento jurídico, inclusive pelos princípios, os quais limitam e orientam as referidas decisões (MARINHO, 2007, p. 214).

Ao efetuar a ponderação no caso acima descrito, três Ministros do STF, sustentaram a prevalência do direito à liberdade de expressão para votar a favor do deferimento, todavia, pela maioria de votos o Habeas Corpus foi indeferido. Nestes votos houve, igualmente, a utilização do método da ponderação entre os princípios, mas com um resultado diverso, qual seja, a prevalência da dignidade da pessoa humana (MARINHO, 2007, p. 232).

Na hipótese foi dado destaque pelos ministros ao princípio da dignidade da pessoa humana por considerá-lo um postulado universal, dotado de supremacia axiológica, consoante a Constituição Federal, que impõe limite aos demais direitos fundamentais, de modo que deve ser preservado o maior grau de eficácia possível daquele princípio (MARINHO, 2007, p. 225).

Desta forma, a autora ressaltou que, no contexto da busca pela solução de casos difíceis, há dificuldades na efetivação da ponderação, contudo, através do esforço do aplicador do direito é possível empregar a referida técnica para buscar uma solução justa, em prol da proteção dos direitos fundamentais, dos princípios constitucionais, enfim, da ordem constitucional (MARINHO, 2007, p. 234).

Ao abordar o subcritério da proporcionalidade em sentido estrito, Dimoulis e Martins (2014, p. 222) tecem diversas críticas, dentre elas, destaca-se a crítica formulada em face da ponderação entre os princípios, sob o fundamento de que em virtude da ausência de critérios seguros, há ampla discricionariedade conferida ao julgador, na ação de ponderar e decidir qual dos direitos fundamentais postos seria o mais importante, ou de maior peso.

Na mesma linha, Ávila (2009, p. 10), expõe que sem a existência de critérios prévios e objetivos controláveis para a execução da ponderação de princípios, há o risco de ocorrer subjetivismo e afronta à função legislativa, visto que o destinatário da norma, ao realizar a ponderação acabaria definindo o conteúdo da norma, quando esta tarefa foi atribuída ao Poder Legislativo, pela Constituição, ocorrendo um esvaziamento no que tange ao caráter orientador do direito.

Entretanto, o aludido autor faz uma ressalva ao explicar que tal posicionamento refere- se à ideia da utilização indiscriminada dos princípios constitucionais, através da ponderação para fundamentar decisões, desconsiderando a existência das regras constitucionais e legais, sem critérios objetivos (ÁVILA, 2009, p. 10).

Nesse ponto, convém sublinhar as lições de Humberto Ávila (2009, p. 6), acerca dos reflexos provocados pelo neoconstitucionalismo, no âmbito da aplicação do direito, notadamente, sobre a possibilidade de afastamento das regras infraconstitucionais. O referido autor expõe que os princípios constitucionais, em relação às regras desenvolvem a função de interpretar, bloquear e integrar. Contudo, um princípio será capaz de afastar determinada regra quando ela não estiver em conformidade com o fim que pretendia atingir. Outrossim, a disposição legal só poderá ser desconsiderada ante a constatação de sua inconstitucionalidade ou da falta de razoabilidade na sua aplicação, diante dos casos concretos extraordinários.

Desse modo, no caso em tela, é possível afastar a regra prevista no art. 24, IV da Lei nº 8.666/93, no que concerne ao prazo fixado na legislação, ante a ocorrência de circunstâncias excepcionais, pois a evolução do direito administrativo e as mudanças adotadas após o neoconstitucionalismo, permitem que o administrador público, de acordo com o caso concreto, atue contra legem desde que essa atuação esteja fundamentada na realização da ponderação dos princípios constitucionais com o princípio da legalidade (BINENBOJM, 2014, p. 148).

Justen Filho (2014, p. 412) ressalta que a contratação emergencial tem o propósito de proteger o interesse público e que desta forma, a inobservância do limite temporal previsto na lei não configuraria violação à ordem jurídica, se, no caso concreto, a prorrogação for

indispensável para assegurar a preservação do interesse público, ela deve ser considerada válida, haja vista que as regras contidas no art. 24, IV da Lei nº 8.666/93 são instrumentais.

Em que pese a ausência de unanimidade, no âmbito da doutrina administrativista brasileira, acerca da possibilidade de prorrogação do prazo legal de 180 dias, conclui-se que nas hipóteses em que o risco de sacrifício do interesse público esteja presente deve ser considerada lícita a nova contratação emergencial, uma vez que não há nenhuma vedação legal, quanto à adoção dessa medida.

Nesse sentido, dispõe Amaral (2008, p. 8) ao asseverar que a lei não vedou a realização de nova contratação, denominada renovação, uma vez que não afastou a possibilidade de que a emergência perdurasse por mais de 180 dias.

Porém, nestes casos, a inexecução do contrato, ou ainda, a impossibilidade da conclusão da licitação pública, no prazo máximo legal de 180 dias, os quais são contados de forma contínua e ininterrupta, são circunstâncias que não podem ser imputadas à Administração Pública.

No que concerne à prorrogação, tem-se que a depender da urgência e do risco de perecimento do interesse público a ser tutelado, esta deve ser admitida, estando tal posicionamento devidamente fundamentado na aplicação do critério da proporcionalidade, resultando numa solução adequada e compatível com os princípios, valores que norteiam o ordenamento jurídico.

Portanto, depreende-se que a permissão legal da contratação direta emergencial não foi elaborada com o intuito de incentivar diversas contratações sucessivas do mesmo objeto e do mesmo contratante por dispensa de licitação, mas tão somente a contratação dos bens e as parcelas de obras e serviços suficientes para afastar o risco. Todavia, em casos excepcionais, pode ser admitida a nova contratação, na qual deverão estar reunidos todos os pressupostos da contratação direta emergencial.

Aqui, merece destaque as lições de Niebuhr (2015, p. 267) ao explicar que apesar da prorrogação e da nova contratação, semelhante à anterior, produzirem os mesmos resultados práticos, são institutos distintos, posto que a nova contratação exige que sejam demonstrados todos os requisitos para que a contratação direta emergencial seja considerada válida.

Fernandes (2013, p. 317) defende que diante da possibilidade de extremo prejuízo ao interesse público, o administrador deve preferir firmar novo contrato, sendo a prorrogação usada de forma excepcional, com base no art. 57, §1º da Lei nº 8.666/93.

Admitir a possibilidade de flexibilização de limitações impostas na lei, ou seja, o afastamento da regra infraconstitucional, diante das condições extraordinárias acima descritas,

é uma postura compatível com a ideia de juridicidade administrativa, uma vez que a motivação possui amparo nos valores e princípios, constitucionalmente tutelados, legítimos interesses públicos, cuja proteção e consecução constituem objetivos da Administração Pública, ao exercer suas atividades.