• Nenhum resultado encontrado

3 A CONTRATAÇÃO EMERGENCIAL DECORRENTE DA FALTA DE

3.2 O ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

A Constituição Federal assinala que o Tribunal de Contas da União exerce suas atribuições com a finalidade de auxiliar o controle externo feito pelo Congresso Nacional (BRASIL, 1988).

De acordo com o disposto no art. 70 do texto constitucional, o referido controle compreende a fiscalização quanto ao emprego dos recursos financeiros, às operações orçamentárias, no âmbito da União e das entidades da administração direta e indireta, sob a perspectiva da legalidade, legitimidade e economicidade (BRASIL, 1988).

O Tribunal de Contas da União, cujo sistema de fiscalização é originário da França, atua por meio de uma formação colegiada de seus membros, exercendo um controle de legalidade em relação ao erário público (AGRA, 2014, p. 543).

Quanto ao julgamento das contas, apresentadas pelas pessoas que administram os recursos públicos, as decisões proferidas pelo Tribunal de Contas não estão marcadas pela coisa julgada, visto que, no Brasil, cabe ao Poder Judiciário exercer a jurisdição (AGRA, 2014, p. 547).

Ademais, embora as decisões do TCU não limitem a apreciação realizada pelo Poder Legislativo, a Constituição Federal admite a imposição de multa ao responsável pelo dano causado, com eficácia de título executivo, diante da constatação, por parte do referido órgão, de irregularidade na administração de recursos públicos (AGRA, 2014, p. 546).

Desse modo, é relevante compreender o posicionamento do TCU diante do debate empreendido, visto que estão elencadas dentre as competências previstas no texto constitucional, mais especificamente no art. 7126, o poder de impor sanções aos responsáveis pela ilegalidade ou irregularidade nas contas, bem como a atribuição de encaminhar ao Poder competente as informações relacionadas com as irregularidades apuradas.

Feitas essas considerações, importa analisar os casos considerados referências, na matéria discutida.

Na Decisão nº 347/1994, o plenário do Tribunal de Contas da União, com base na competência fixada no art. 1º, XVII da Lei nº 8.443/9227, a qual dispõe sobre a Lei Orgânica

do Tribunal de Contas da União, respondeu à consulta formulada pelo Ministério dos Transportes, sobre os requisitos para a configuração dos casos de emergência ou de calamidade pública (BRASIL, 1994).

No caso em tela, o Ministério dos Transportes realizou a referida consulta, visto que pretendia submeter à apreciação do Presidente da República um Programa emergencial de Recuperação da Malha Rodoviária Federal, e almejava adquirir material para determinadas estradas ou regiões, por meio da contratação direta, considerando que já havia sido declarado, pelo Decreto de 19/04/94, o estado de calamidade pública do sistema rodoviário federal, em razão das péssimas condições de conservação do sistema rodoviário (BRASIL, 1994).

A consulta dirigida ao TCU, a princípio, foi formulada com o propósito de tomar conhecimento sobre a regularidade da utilização da dispensa de licitação, prevista no art. 24, IV da Lei nº 8.666/93, para a situação acima descrita, contudo, o TCU emitiu resposta de forma abstrata, uma vez que estava em vigor uma súmula, bem como disposições regimentais,

26 “Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: (...) VIII - aplicar aos responsáveis, em caso e ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; (...) XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.”.

27 Art. 1° Ao Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição Federal e na forma estabelecida nesta Lei: (...) XVII - decidir sobre consulta que lhe seja formulada por autoridade competente, a respeito de dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes a matéria de sua competência, na forma estabelecida no Regimento Interno.”.

que impediam a apreciação da consulta de forma específica para o caso concreto (BRASIL, 1994).

Na Decisão nº 347/1994, cuja sessão foi realizada em 01/06/1994, sob a relatoria do Ministro Carlos Átila Álvares da Silva, foram estipulados como requisitos para a dispensa de licitação, em razão da emergência ou da situação calamitosa, numa análise abstrata, que a urgência de atendimento não tivesse decorrido da má gestão, falta de planejamento ou desídia administrativa; que a urgência fosse concreta; o risco de danos à saúde e vida das pessoas fosse iminente e gravoso; e que a contratação das obras e serviços, ou compras fosse o meio adequado e eficiente quanto ao afastamento do risco (BRASIL, 1994).

A interpretação do art. 24, IV da Lei n º 8.666/93, realizada pelo Tribunal de Contas da União foi restritiva, uma vez que considerou que o texto legal teria abarcado somente as situações emergenciais e calamitosas, que a Administração Pública não tivesse condições de prever.

Desta forma, percebe-se que a decisão em comento foi fundamentada na preservação dos valores consagrados pela licitação, notadamente, a moralidade administrativa, bem como enalteceu o dever jurídico da Administração Pública planejar as suas demandas.

Nada obstante o posicionamento acima defendido, sobre a temática da dispensa de licitação, quando a emergência ou calamidade pública decorre da omissão da Administração Pública, após alguns anos ocorreu uma mudança de entendimento no âmbito do Tribunal de Contas da União, por meio do Acórdão de nº 46/2002.

O acórdão supramencionado foi proferido no bojo do processo de nº 007.585/1999-7, relativo à prestação de contas do Presidente e dos Diretores de Planejamento e Coordenação da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (BRASIL, 2002).

Foram apuradas diversas irregularidades em dois processos, os quais foram reunidos com as contas examinadas, mas em um dos processos, o de nº 011.584/1996-3, constatou-se a realização de uma dispensa de licitação, fundamentada no art. 24, inciso IV, da Lei 8.666/93. O IBGE contratou, através da utilização do referido instituto jurídico, a empresa Denison Propaganda São Paulo Ltda. para a prestação de serviços de publicidade relacionados à Campanha de Lançamento e Sustentação para o Censo Agropecuário e o Censo Populacional 1996, no valor de R$ 5.600.000,00 (BRASIL, 2002).

No relatório do acórdão ficou descrito que a irregularidade na contratação direta residiu no fato de que, em razão da falta de planejamento, ou seja, da não realização do procedimento licitatório de forma prévia, o contrato teve que ser celebrado com a empresa Denison Propaganda, nove dias antes do início da realização dos censos, ou seja, dentro de

um curto lapso temporal, sob pena de não promover a campanha de publicidade antes das pesquisas (BRASIL, 2002).

Os responsáveis pela dispensa de licitação apresentaram como justificativa a emergência resultante da grande necessidade de realizar a campanha publicitária antes do censo 96, com o intuito de alcançar melhores resultados (BRASIL, 2002).

O plenário do Tribunal de Contas da União, na sessão de 27/02/2002, sob a relatoria do Ministro Walton Alencar Rodrigues, consignou na referida decisão, que a emergência ou calamidade pública, que possibilita a dispensa de licitação, resta configurada, ainda que a emergência tenha decorrido da má gestão administrativa (BRASIL, 2002).

A má gestão, supracitada, ficou configurada na falta da diligência por parte dos responsáveis, que já tinham conhecimento da demanda, mas não realizaram o procedimento licitatório em tempo hábil. Contudo, a corte de contas destacou que o reconhecimento da configuração da emergência não eximiria o gestor público de responder pela omissão (BRASIL, 2002).

Cumpre frisar que, na decisão em comento, em virtude da contratação direta, marcada por várias irregularidades, foi imposta multa aos responsáveis, com fulcro no art. 58, I da Lei 8.443/9228, cumulada com o art. 220, inciso I, do Regimento Interno do TCU29 de 18 de fevereiro de 2002 (BRASIL, 2002).

Ao analisar os argumentos utilizados em ambas as decisões, nota-se que a mudança de interpretação do preceito legal disposto no art. 24, IV da Lei nº 8.666/93, recaiu sobre a configuração da emergência ou calamidade pública. Enquanto no primeiro momento a corte de contas não admitiu a dispensa de licitação, quando a emergência fosse oriunda da falta de planejamento, má gestão ou desídia administrativa, posteriormente, o TCU passou a entender que não importava se a emergência era real ou fabricada, a contratação direta seria cabível nas duas hipóteses, visto que o mais importante era a preservação do interesse público.

Em que pese as referidas decisões não discutirem a emergência ou calamidade pública declarada em razão da seca e estiagem, através de pesquisa realizada no site do Tribunal de

28 “Art. 58. O Tribunal poderá aplicar multa de Cr$ 42.000.000,00 (quarenta e dois milhões de cruzeiros), ou valor equivalente em outra moeda que venha a ser adotada como moeda nacional, aos responsáveis por: I - contas julgadas irregulares de que não resulte débito, nos termos do parágrafo único do art. 19 desta Lei;”. 29 “Art. 220. O Tribunal poderá aplicar multa, nos termos do caput do art. 58 da Lei nº 8.443, de 1992, atualizada na forma prescrita no § 2º deste artigo, ou valor equivalente em outra moeda que venha a ser adotada como nacional, aos responsáveis por contas e atos adiante indicados, observada a seguinte gradação: I - contas julgadas irregulares, não havendo débito, mas comprovada qualquer das ocorrências previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 159 deste Regimento, no valor compreendido entre cinco por cento e cem por cento do montante definido no caput deste artigo;”.

Contas do Estado do Rio Grande do Norte, por meio do emprego do marcador de pesquisa “seca”, foi possível encontrar um julgado sobre a questão aqui debatida.

No acórdão de nº 67/2012, vinculado ao processo nº 006.776/1998, o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte discutiu a regularidade da dispensa de licitação, fundamentada em emergência provocada pelos efeitos da seca. No caso em tela, houve a contratação direta da Construtora Câmara Ltda., empresa que ficaria responsável pela execução de obras de montagem e instalação de equipamentos, dentro do Programa Água Boa, promovido pela Secretaria de Estado de Recursos Hídricos (RIO GRANDE DO NORTE, 2012).

O pleno da corte de contas do Estado do Rio Grande do Norte, por meio da sessão de 19/01/12, considerou que a execução de obras, vinculadas ao sistema simplificado de abastecimento de água e de água dessalinizada, poderia ocorrer através da realização do procedimento licitatório, visto que a medida empreendida estaria abarcada pelo poder-dever de planejamento da Administração Pública (RIO GRANDE DO NORTE, 2012).

No referido julgado houve a imposição de multa ao Secretário da Secretaria de Estado de Recursos Hídricos e ao Sócio da empresa contratada, haja vista a ausência da emergência ou calamidade pública que ensejasse a dispensa de licitação (RIO GRANDE DO NORTE, 2012).

Cumpre destacar ainda, que foram expedidas as seguintes recomendações à Secretaria de Estado de Recursos Hídricos, pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte, com a ressalva de que a não observância das mesmas incidiria na aplicação de multa: que a referida Secretaria providenciasse a licitação; que se abstivesse de dispensar a licitação em casos semelhantes, bem como realizasse o planejamento e a respectiva licitação, no que tange aos serviços que já tem conhecimento da necessidade e da urgência (RIO GRANDE DO NORTE, 2012).

Do exame do citado acórdão, percebe-se que a tese acolhida, no caso em comento, pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte é semelhante àquela apresentada pelo TCU na Decisão nº 347/1998, qual seja, de que a emergência ou calamidade pública, que possibilita a contratação direta não pode decorrer da falta de planejamento, má gestão ou desídia administrativa.

No site do Tribunal de Contas da União30, especificamente por meio da consulta de acórdãos, é possível verificar a existência de decisões proferidas após o Acórdão nº 46/2002, fundamentadas de acordo com os critérios fixados na Decisão nº 347/1994, a exemplo dos Acórdãos nº 1.030/200831 (Plenário), nº 7.557/201032 (2ª Câmara), e de nº 3.656/201233 (2ª Câmara).

Nos citados acórdãos, a dispensa de licitação foi considerada irregular em razão da ausência dos requisitos legais, dentre eles, que a emergência ou calamidade pública não tivesse sido ocasionada pela falta de planejamento, desídia ou má gestão.

Entretanto, com amparo na fundamentação apresentada no acórdão paradigma de nº 46/2002, foram julgados diversos processos, de modo a considerar que a configuração da emergência estava relacionada, sobretudo, com a demonstração da urgência de atendimento da situação emergencial ou calamitosa e da adequação da contratação direta em relação ao afastamento do risco, além dos demais requisitos legais.

Nesse sentido, tem-se, à título ilustrativo, os acórdãos nº 1.138/201134 (plenário), nº

1.876/200735 (plenário) e o de nº 1.122/201736 (plenário).

30 Disponível em: < https://contas.tcu.gov.br/pesquisaJurisprudencia/#/pesquisa/acordao-completo> Acesso em: 29 jun 2017

31 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdãos nº 1.030/2008 – Plenário. Relator: Min. Valmir Campelo.

Brasília. Sessão de: 04 jun. 2008. Disponível em:

https://contas.tcu.gov.br/pesquisaJurisprudencia/#/detalhamento/11/%252a/NUMACORDAO%253A1030%252 0ANOACORDAO%253A2008/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/f alse/1/false. Acesso em: 16 maio 2017

32 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 7.557/2010 - 2ª Câmara. Relator: Min. Benjamin Zymler.

Brasília. Sessão de 07 dez. 2010. Disponível em: <

https://contas.tcu.gov.br/pesquisaJurisprudencia/#/detalhamento/11/%252a/NUMACORDAO%253A7557%252 0ANOACORDAO%253A2010/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/f alse/1/false>. Acesso em: 16 maio 2017.

33 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 3.656/2012 - 2ª Câmara. Relator: Min. André De Carvalho. Brasília. Sessão de 22 maio 2012. Disponível em: < https://contas.tcu.gov.br/pesquisaJurisprudencia/#/detalhamento/11/%252a/NUMACORDAO%253A3656%252 0ANOACORDAO%253A2012/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/f alse/2/false>. Acesso em: 16 maio 2017.

34 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1.138/2011 - Plenário. Relator: Min. Ubiratan Aguiar.

Brasília. Sessão de 04 maio 2011. Disponível em: <

https://contas.tcu.gov.br/pesquisaJurisprudencia/#/detalhamento/11/%252a/NUMACORDAO%253A1138%252 0ANOACORDAO%253A2011/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/f alse/1/false>. Acesso em: 16 maio 2017.

35 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1.876/2007- Plenário. Relator: Min. Aroldo Cedraz.

Brasília. Sessão de 12 set. 2007. Disponível em: <

https://contas.tcu.gov.br/pesquisaJurisprudencia/#/detalhamento/11/%252a/NUMACORDAO%253A1876%252 0ANOACORDAO%253A2007/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/f alse/1/false>. Acesso em: 16 maio 2017.

O presente trabalho não tem a pretensão de adentrar na busca pela identificação de qual dos dois entendimentos, acima descritos, é adotado de forma predominante, no âmbito da jurisprudência do Tribunal de Contas da União.

O objetivo proposto é verificar, a partir da ideia de juridicidade, qual seria a melhor solução diante do conflito de interesses públicos, constatado na contratação direta, quando a emergência decorre da inércia administrativa, má gestão ou falta de planejamento.