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Nesta seção, discorremos sobre a base teórica que buscamos nas obras “Marxismo e Filosofia da Linguagem”28 e “Estética da criação verbal”29, ambas de autoria de Mikhail Bakhtin, representadas, aqui, pelos capítulos que versam sobre a interação verbal, o dialogismo e os gêneros discursivos respectivamente. Ao tratarmos dos ideais de Bakhtin, pensamo-lo articulado, em especial, à Linguística do Texto e ao Sociointeracionismo.

Para Bakhtin (2014), toda palavra é dotada de sentido ideológico ou até mesmo vivencial e, segundo o teórico, “não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis” (BAKHTIN, 2014, p. 98-99). Isso nos auxilia na compreensão do funcionamento da língua ao trabalharmos o ensino de produção textual argumentativa, pois, enquanto pesquisadora- professora, intentamos que o estudante perceba o texto como um “iceberg”, portanto construa sentidos tanto durante a leitura, no momento da consulta aos textos base, como ao longo da produção do texto.

Com esse posicionamento, queremos que o discente vá além da percepção do significado das palavras, ansiamos que a partir da significação – que reside no social – possa

28 Capítulos 4, 5 e 6: “Duas orientações do pensamento filosófico-lingüístico”, Língua, fala e enunciação” e “A

interação verbal” respectivamente.

construir sentidos – os quais são unos e intransferíveis, pois residem no individual. No momento em que o aprendiz de texto constrói sentidos, por meio do uso das funções psicológicas superiores, pode desenvolver a atenção com o significado das palavras, o que corrobora a seleção do léxico e o emprego de estratégias de escrita para a produção de um texto, de modo que, dessa maneira, para cada sujeito a palavra tenha um sentido ideológico.

Os textos produzidos pelos participantes desta pesquisa – exemplificados aqui pelos de autoria do sujeito S7, os quais constituem o corpus de análise deste trabalho – carregam um sentido ideológico, o qual configura o ponto de vista de S7 em relação a sua opinião sobre os temas abordados no texto. Assim, com o trabalho com informatividade – em que objetivamos que os estudantes se apropriem da habilidade de angariá-la em suas produções textuais a fim de utilizar tal critério como meio propulsor da argumentação do texto – não estamos apenas atuando na habilidade linguística do ato de argumentar. Além disso, estamos contribuindo com o discente a se constituir enquanto cidadão que busque significados no social e construa sentidos a partir deles.

Nesse sentido, entendemos que a essência do pensamento de Bakhtin (2014, p.127, grifo do autor) está na percepção de que “a interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua”, uma vez que, conforme o autor, “a verdadeira substância da língua [...] é constituída [...] pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações”.

Bakhtin (2014) assevera que a forma mais relevante da interação verbal é o diálogo, pois toda palavra procede de alguém e é direcionada a alguém. Sempre que algo é dito, independentemente do gênero discursivo, isto é, dos diferentes modos em que a(s) enunciação(ões) pode(m) se apresentar, sejam elas orais ou escritas, se o ouvinte/leitor é real ou virtual, tal enunciação é proferida para alguém. Nesse momento, mencionamos Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014), que defendem que todo orador deve adequar seu discurso ao seu auditório, mediante as peculiaridades deste. Não apenas toda palavra, toda enunciação, procede de alguém e é dirigida a alguém, como também é definida por aquele a quem a recebe.

Apoiando-nos no dialogismo de Bakhtin (2014), validamos o trabalho de produção textual com interlocutor marcado, contexto social e situação imediata delimitados para que os discentes possam desconstruir seu conceito sobre o ensino de produção textual tradicional e em decadência, principalmente nas escolas públicas brasileiras.

Com base em indícios e na realidade de grande parte das escolas brasileiras, a escrita de um texto com leitor marcado é algo, em certa medida, que escapa à percepção dos estudantes. Desse modo, consideramos mais pertinente, nesta pesquisa, iniciar o trabalho com interlocutor

marcado pertencente à mesma comunidade linguística e social específica, em que escritor e possível leitor comunguem conhecimentos, pois são colegas de turma. Bakhtin (2014, p. 116, grifo do autor) assevera que

A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é a função da pessoa desse interlocutor:

variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se estiver ligada ao locutor por laços sociais mais ou menos estreitos. [...] Não pode haver interlocutor abstrato; não teríamos linguagem comum com tal interlocutor, nem no sentido próprio nem no figurado.

Destarte, o trabalho com interlocutor marcado se coloca como uma necessidade constitutiva de sentido do uso da língua pelo estudante. A opção em trabalhar com um interlocutor muito próximo ao escritor dá possibilidade para esse ter um certo conhecimento sobre o meio social em que aquele está inserido, quais suas necessidades informativas, o que ele pode esperar de um texto, uma vez que os laços sociais são mais estreitos.

Para o discente que não está adaptado ou não tem bem definido interlocutor, e, em consonância com o trabalho com a informatividade, entendemos que o trabalho com pares: (colegas) favorece o processo de apropriação do uso da informação pelo discente em sua produção textual de caráter argumentativo. Asseveramo-lo considerando os preceitos da CI de que a informação é definida pelo receptor.

Além de contribuir com a compreensão acerca do funcionamento dialógico da língua e, consequentemente, com o trabalho com pares, Bakhtin (2014) corrobora os ideais sociointeracionistas de que a natureza da aprendizagem é social e se realiza por meio da interação verbal. Conforme o teórico, nós não recebemos uma língua para a usarmos, distintamente disso, inserimo-nos nela, por meio da comunicação verbal. No início de nossa vida, tal inserção ainda não é consciente, em comparação à aquisição de uma língua estrangeira. Para o autor “os sujeitos não ‘adquirem’ sua língua materna; é nela e por meio dela que ocorre o despertar da consciência” (BAKHTIN, 2014, p. 111).

Tal asserção vai ao encontro de Vygotsky (1991), o qual defende que o homem é dotado de funções psicológicas superiores, conforme já discutimos na seção anterior. O despertar da consciência, disposto por Bakhtin (2014) só é possível por meio do uso das funções psicológicas superiores e, o uso dessas funções é efetivado pela interação do indivíduo com os outros. Tal uso que pode ser aprimorado por meio da interação do indivíduo em situações comunicativas mais complexas, que demandem o uso do raciocínio dedutivo, da abstração, da comparação, dentre outros.

Conforme tratamos na seção anterior, a escrita constitui-se como ato complexo, uma vez que demanda uso aprimorado de tais funções e, considerando o caráter processual, pode proporcionar ao indivíduo não apenas a tomada de consciência da língua materna, mas o uso consciente da língua em diferentes situações comunicativas e em diferentes grupos sociais. De acordo com Bakhtin (2014), toda enunciação é decorrente de resposta a outra, como se fosse uma cadeia de atos de fala. Ademais, o teórico dispõe que não há enunciado que já não tenha sido dito/escrito.

Bakhtin (2014, p. 122) corroborando o que já versamos, auxilia-nos a validar o trabalho com escrita ao dispor que “Uma vez materializada, a expressão exerce um efeito reversivo sobre a atividade mental; ela põe-se então a estruturar a vida interior, dar-lhe uma expressão ainda mais definida e mais estável”. Ao propormos ao estudante uma situação comunicativa, em resposta ele realiza sua enunciação materializada através de um artigo de opinião. Tal materialização demanda que o discente utilize as funções psicológicas superiores e organize seu pensamento, seu posicionamento sobre determinado tema, para, então, materializar sua enunciação em um gênero de caráter argumentativo. Logo, essa materialização orienta a atividade mental, de modo que podemos observar a natureza social da aprendizagem, também, em Bakhtin (2014).

Disso depreendemos o caráter social da perspectiva do autor, pois a cadeia de enunciações só é passível de realização na interação social, por meio da língua. Assim, a escola, representada especialmente pelo professor de língua materna, tem o papel de proporcionar aos discentes situações comunicativas em que eles exerçam enunciações, em diferentes gêneros textuais. Sobrelevamos que em Bakhtin (2014) encontramos base para trabalhar a questão de que toda escrita, no nosso caso, procede de alguém e é destinada a alguém, noção que não recebe a devida notoriedade no ensino de produção textual. Assim, propomos a produção do artigo de opinião com interlocutor marcado para auxiliar o estudante no seu processo de escrita.