• Nenhum resultado encontrado

4. AS AÇÕES PREFERENCIAIS

4.4 As demais ações preferenciais

4.4.1 Enquadramento

Empreendemos no ponto anterior a trabalhosa tarefa de analisar o regime legal das ações preferenciais sem direito de voto que, como vimos, representam o principal tipo de ações preferenciais entre nós e que, atento o seu desenvolvimento, se assumem por isso como um referencial para a compreensão jurídica da figura do acionista preferencial. Todavia, este não é o único tipo de ações preferenciais a que a nossa lei da atenção, como veremos. Assim, uma vez aqui chegados, trataremos agora de abordar de modo inevitavelmente sucinto as ações preferenciais remíveis, previstas no artigo 345.º.

Finalmente, não concluiremos a presente dissertação sem que antes dediquemos especial atenção à disposição legal aditada pelo DL 26/2015 ao leque das ações preferenciais. Esta é, como já tivemos oportunidade de afirmar, uma disposição crítica na perceção do “renovado” regime das ações preferenciais. Sobre este preceito importa desde já avançar que, não obstante o mesmo figurar no enquadramento normativo das ações preferenciais sem direito de voto, não é, em bom rigor, destas ações que trata.

Com efeito, convencido pela incomensurável empreitada que seria renumerar mais de metade do CSC, o legislador optou simplesmente por aditar o artigo 344.º-A, logo a seguir ao preceito legal que regula a conversão de ações. Ora, como é facilmente compreensível através de uma primeira leitura do disposto no artigo 344.º-A, não é de conversão de ações

516 Vide o ponto 2.2 supra.

517 Neste sentido, quanto à referida natureza híbrida destas ações, vide ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, Manual de Corporate Finance cit., p. 158.

UM ESTUDO SOBRE O ACIONISTA PREFERENCIAL

que efetivamente trata esta norma. Optámos assim por reservar para o final do nosso estudo o exame desta nova norma, procedendo desta forma a um salto sistemático que entendemos ser merecido pela imparidade do seu teor.

4.4.2 As ações preferenciais remíveis

As ações preferenciais remíveis518-519, à luz do que resulta do artigo 345.º, n.º 1, representam um tipo de ações preferenciais que, conferindo quaisquer privilégios de ordem patrimonial aos seus titulares, ficam, aquando da sua emissão, sujeitas a remição em determinada data, seja ela uma “data fixa ou quando a assembleia geral o deliberar”520.

Ora, como resulta desta norma, não é definido qualquer tipo de privilégio patrimonial que implique a qualificação de determinadas ações preferenciais como sendo “remíveis”. Ao invés, é pedra de toque da aplicação do disposto no artigo 345.º o facto de terem as ações preferenciais emitidas pela sociedade sido sujeitas a remição. Atenta esta primeira impressão, afasta-as do conceito de ações preferenciais PAULO OLAVO CUNHA, preferindo vê-las antes como “acções privilegiadas a prazo”521.

Não é infundada esta opinião, no entanto, não seguimos a severidade sugerida que conduz ao desprezo da natureza “preferencial” que a lei quis estabelecer. Com efeito, julgamos que esta teve como efeito aproximar este tipo de ações especiais às ações preferenciais sem direito de voto, de algum modo induzido o intérprete a pensar que, quando tal se justifique, poderá buscar naquele regime típico a solução analogicamente viável para o tratamento do privilégio patrimonial concedido aos titulares das ações preferenciais remíveis.

518 Cuja origem se encontra no artigo 39.º da Segunda Diretiva sobre Sociedades. Sobre esta origem vide RAÚL VENTURA, Adaptação do direito português cit., pp. 127-130.

519 Previstas noutros ordenamentos jurídicos, como por exemplo em Inglaterra, enquanto reedemable shares (Part 18, Chapter III, Sections 684 a 689, do Companies Act 2006, c. 46), em Itália, enquanto azioni riscattabli (nos termos do artigo 2437-sexies, do CCit), e em Espanha, enquanto acciones rescatables (artigos 500 e 501, da LSC). Para melhor desenvolvimento vide ELDA MARQUES, anotação ao artigo 341.º, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário cit., Vol. V pp. 719-721 (notas n.ºs 4 a 6).

520 Sobre as possíveis razões por detrás da emissão de ações preferenciais remíveis vide POIRIER BRAZ, Sociedades Comerciais cit., p. 98.

UM ESTUDO SOBRE O ACIONISTA PREFERENCIAL

Corrobora esta aproximação a igual necessidade de autorização no contrato de sociedade para a sua emissão (artigo 345.º, n.º 1)522.

Quanto à remição propriamente dita, conforme explica ELDA MARQUES, “as

ações extinguem-se sendo devida uma contrapartida aos respetivos titulares, mas diferentemente do que ocorre na amortização de ações (cfr. art. 347º), a remição não importa a redução do capital”523. Importa quanto a esta remição referir que, naquela que foi a mais significativa alteração promovida pelo DL 26/2015 neste regime524, de acordo com a nova redação do n.º 6, do artigo 345.º: “A partir da remição, uma importância igual ao valor

nominal das ações remidas, ou na falta de valor nominal, igual ao valor de emissão, deve ser levada a uma reserva especial, que só pode ser utilizada para incorporação no capital social, sem prejuízo da sua eliminação no caso de o capital ser reduzido”.

Antes da alteração, era apenas da remição que esta norma falava, prevendo por que valores esta deveria ser efetuada, todavia, perde-se agora esse singelo intuito. Ao mandar levar uma importância igual àquele valor a reserva especial, parece o legislador querer de algum modo garantir a estes acionistas preferenciais o pagamento do que estes tenham desembolsado. Assim, conjugada esta norma com o disposto no respetivo n.º 10 – onde se fez sentir com maior acuidade o ímpeto clarificador do DL 26/2015 –, denota-se a finalidade de garantia a que aludimos.

De acordo com ambas as normas, os acionistas preferenciais, após a remição, têm a garantia de que os valores que desembolsaram serão afetados a um regime de intangibilidade. Assim, esta alocação só poderá ser desfeita para incorporação do respetivo valor no capital social, que, como vimos525, tem como uma das suas funções primordiais a garantia dos credores da sociedade (que é o que estes ex-acionistas passam a ser). Por outro lado, contra reduções de capital indevidas ou lesivas dos seus direitos de crédito, poderão os então ex- acionistas reagir nos termos gerais (artigo 96.º).

522 Vide ponto 4.3.2(i) supra.

523 Cf. ELDA MARQUES, anotação ao artigo 341.º, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário cit., Vol. V p. 719.

524 Para além daquela a que já fizemos referência e que corresponde à referência aos direitos de voto no respetivo n.º 1 (que podem ou não ser conferidos a estas ações especiais).

UM ESTUDO SOBRE O ACIONISTA PREFERENCIAL

Para finalizar, diga-se, de modo sucinto, que esta é uma categoria de ações preferenciais que, atenta a gravosa desvantagem que importam, i.e. a perda da qualidade de acionista sem a concorrência da vontade deste, mereceu especial proteção por parte do legislador, como é disso prova bem evidente o facto destes acionistas poderem requerer a dissolução administrativa da sociedade por falta de pagamento dos créditos de que são titulares perante aquela por força da remição – é caso para dizer que o legislador não admite grandes hipóteses de incumprimento para com estes acionistas, ou de outro modo não lhes outorgaria tão severa arma de arremesso contra a sociedade emitente.

4.4.3 “Outros tipos de ações preferenciais”

Talvez a maior inovação do DL 26/2015 tenha sido a introdução do novo artigo 344.º-A, em que consagra aquilo que entendemos ser uma cláusula geral aberta de atipicidade das ações preferenciais. Com efeito, abre-se agora efetivamente a porta para a flexibilização do regime das ações preferenciais em Portugal.

De acordo com esta norma, o disposto nos artigos precedentes em matéria de ações preferenciais “não impede a sociedade de, nos termos dos artigos 24.º e 302.º, emitir ações

que confiram ordinariamente direitos de voto e disponham de dividendo prioritário ou outros direitos especiais que estejam expressamente previstos no contrato de sociedade”. Em

primeiro lugar cumpre salientar que, apesar de merecer o nosso aplauso, a verdade é que se denota desde logo a incongruência da epígrafe legal adotada. Com efeito, se é da atipicidade das ações preferenciais que se trata, então, não foi por certo a melhor opção referir-se a “outros tipos” – talvez tivesse sido melhor falar em modalidades, como o faz o artigo 360.º a a propósito das obrigações.

À luz desta norma, as sociedades têm agora apenas como limites à criação de novas ações preferenciais, para além daqueles que decorrem dos termos gerais, os que são impostos pelos artigos 24.º e 302.º, em matéria de direitos especiais e categorias. Em bom rigor a inovação desta norma é apenas a sua positivação, uma vez que, como fomos demonstrando ao longo da presente dissertação, já era reconhecida às sociedades uma grande margem de discricionariedade na criação de direitos especiais e, consequentemente, de ações

UM ESTUDO SOBRE O ACIONISTA PREFERENCIAL

preferenciais. Mas se por um lado esta norma não acrescenta muito ao figurino legal das ações preferenciais, por outro lado tem o mérito de aproximar o ordenamento jurídico português das boas práticas dos sistemas de Common Law, caraterizados pela liberdade que é concedida às sociedades.

UM ESTUDO SOBRE O ACIONISTA PREFERENCIAL