• Nenhum resultado encontrado

4. AS AÇÕES PREFERENCIAIS

4.3 O “renovado” regime das ações preferenciais sem direito de voto

4.3.6 A natureza jurídica das ações preferenciais sem direito de voto

A discussão sobre a natureza jurídica das ações preferenciais sem direito de voto já acompanha esta figura desde a sua criação, podendo quase dizer-se ser-lhe congénita. Considerando as especificidades que vimos revestirem, bem como o regime legal que lhes é dedicado, indaga-se a respeito destes acionistas preferenciais, se se tratam de facto de verdadeiros acionistas ou se, opostamente, posicionam-se já, por exemplo, como credores da sociedade (sendo não raras vezes assemelhadas às obrigações). Vejamos brevemente o que se diz na doutrina portuguesa e estrangeira acerca desta questão.

legal; elas têm de outorgar aos seus titulares todos os direitos que os estatutos atribuírem às acções com voto”. Note-se que o Autor fundamenta esta posição com base no facto de a lei se referir “às ações ordinárias” e não “a ações ordinárias”. Parece-nos que esta argumentação não procede e esta falta de procedência deriva, desde logo, dos resultados a que conduz, é que, de acordo com esta lógica, conforme salienta a propósito das ações ordinárias da sociedade, “feitas as contas redunda em afirmar que estas não podem disfrutar de direitos especiais”.

507

Que, de resto, nos parece ser bastante similar ao artigo 102, n.º 1, da LSC, que prevê que “las acciones sin voto atribuirán a sus titulares los demás derechos de las ordinarias, salvo lo dispuesto en los artículos anteriores”.

UM ESTUDO SOBRE O ACIONISTA PREFERENCIAL

Para RAÚL VENTURA, “[é] indubitável que o legislador concebeu e regulou as

acções preferenciais sem voto como verdadeiras acções. Não é só a expressa denominação de acções – já de si indicativa – mas todo o regime, do qual destaco para este efeito, do lado positivo, a preferência relativamente a outras acções e a expressa atribuição de todos os direitos inerentes às acções, e, do lado negativo, a privação do direito de voto, direito que só a acções poderia ser retirado”509.

Por seu turno, para MENEZES CORDEIRO, “o accionista prioritário é um

verdadeiro sócio: não é um mero obrigacionista ou credor da empresa. Quer isso dizer que, nos termos gerais, ele correrá os riscos inerentes ao comércio. A diminuição do capital ser- lhe-á repercutida, tal como sucede a qualquer outro acionista. É certo que ele tem privilégios: mas esses privilégios, que operam como contrapartida da privação de voto, manifestam-se no estrito domínio que a lei prescreve”510, não deixando o douto Professor passar em claro a relevância da proibição de pactos leoninos no nosso Direito.

No mesmo sentido, VIEIRA PERES, refere que “[d]efender que estamos face a uma

entidade que só inadequadamente poderia denominar-se acção é manifestamente incorrecto”511.

Para AURELIO MENÉNDEZ e EMILIO BELTRAN, “[l]as acciones sin voto son

auténticas acciones, que atribuyen a sus titulares la condición de verdaderos socios. De un lado, la ley les da, en efecto, esa denominación, y las regula en el capítulo dedicado a las acciones. De otro, se dan en sus titulares todos los elementos necesarios para su clasificación como socios”512.

Quanto a FRANCESCO GALGANO, partindo da imparidade do conteúdo das azioni

di risparmio, escreve que este “assimila l’azionista di risparmio ad un associato in partecipazione è, invece, indotto a dilatare l’area delle disuguaglianze, in contrasto con il principio posto dall’art. 14, comma 4º”513– referindo-se, como se vê, ao princípio segundo o

509

Cf. RAÚL VENTURA, Acções preferenciais cit., pp. 450-451.

510 Cf. MENEZES CORDEIRO, Acções Preferenciais Sem Voto cit., pp. 1055-1056. 511 Cf. VIEIRA PERES, Acções preferenciais cit., p. 341.

512 Cf. AURELIO MENENDEZ / EMILIO BELTRAN, anotação ao artigo 90 da LSA, Comentario al regímen legal de las sociedades mercantiles, Editorial Civitas. 1994, p. 395.

UM ESTUDO SOBRE O ACIONISTA PREFERENCIAL

qual às ações de poupança são reconhecidos os mesmos direitos que às ações ordinárias (homólogo do nosso artigo 341.º, n.º 5).

Ora, aqui chegados cumpre agora concluirmos com a nossa opinião acerca desta questão. Conforme nota RAÚL VENTURA, tal como AURELIO MENÉNDEZ e EMILIO BELTRAN no caso espanhol, há que considerar como ponto de partida para resolução deste problema o facto de ser a própria a lei a escolher a denominação de ações para estes instrumentos de financiamento. Se é verdade que não é argumento bastante, não é menos verdade que não pode (nem deve) ser desprezada a opção legislativa de albergar sob o teto das ações estes instrumentos de financiamento.

Por outro lado, há que atender à materialidade do regime jurídico que é reservado às ações preferenciais sem direito de voto. Aqui, é clara a orientação legal no sentido de sujeitá-las ao mesmo regime a que são sujeitos os valores mobiliários clássicos de representação de participações sociais, vulgo as ações. É que, como diz RAÚL VENTURA, ainda que o digníssimo Professor não lhes reconheça a totalidade dos direitos que de facto têm514, aos titulares de ações preferenciais sem direito de voto são reconhecidos todos os direitos que são reconhecidos aos acionistas (artigo 341.º, n.º 5), sendo que a sua privação do direito de voto também comprova esta situação. Ademais, para além da privação do direito de voto, a sua concessão perante a falta de pagamento do dividendo prioritário é também ela prova disso mesmo.

Deveras relevante é também, como bem salienta MENEZES CORDEIRO, o facto de os titulares de ações preferenciais sem direito de voto estarem também sujeitos ao risco empresarial (affectio societatis)515, ainda que em diferente medida que o comum dos acionistas. Mas esta diferença na partilha do risco é expressamente admitida pelo artigo 22.º, que exige ainda a não ofensa pela proibição de pactos leoninos, preocupação clássica quanto aos acionistas.

514 Vide o ponto 4.3.5 supra.

515 Que também é apontada por FRANCESCO GALGANO (cf. La Società cit., p. 406) como uma das caraterísticas destes acionistas, conforme se pode ler na seguinte afirmação: “l’esistenza di azionisti privi del diritto di voto denota che l’estremo dell’esercizio in comume può essere integrato da uma participazione al rischio, anche senza contemporânea partecipazione all direzione di una attività economica”.

UM ESTUDO SOBRE O ACIONISTA PREFERENCIAL

Em suma, por tudo o que ficou exposto neste ponto, com particular ênfase para a paridade da quase totalidade dos direitos entre acionistas e acionistas preferenciais sem direito de voto, e, de um modo geral, pela concessão aos últimos de idêntica condição de socialidade516, somos da opinião de que os titulares de ações preferenciais sem direito de voto são verdadeiros acionistas. Sem embargo, se vistas as suas participações sociais à luz do seu conteúdo de um ponto de vista jurídico-financeiro, então, deveremos dizer que estes são acionistas subscritores de instrumentos de financiamento híbridos517.