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PARTE III. Perfil Estrutural: o Âmbito de Proteção do Direito Fundamental à

1. Igualdade ao processo

1.1. Problemas derivados de desigualdades extraprocessuais

1.1.2. As dificuldades no tratamento individual dos litígios que impõem seu

A noção de equilíbrio processual pode também ser colocada em xeque em casos nos quais a relação jurídica conflituosa envolver direitos individuais, mas seja caracterizada pela sua natureza repetitiva ou disseminada, a ponto de configurar-se uma potencial replicação de demandas (ou conflitos não-judicializados) envolvendo o mesmo ente, especialmente no pólo passivo da relação. O acesso à justiça funciona como critério para a caracterização de interesses individuais homogêneos, nas situações

com a nomeação ou a constituição de novo defensor;‖) parece drástica para ser implantada em processos civis.

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TARTUCE, Fernanda. Igualdade e vulnerabilidade no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 193.

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em que a tutela coletiva representa ganho em relação à tutela individual771. Nesses casos, podem ser vislumbrados problemas envolvendo acesso à justiça, principalmente em dois aspectos. O primeiro diz respeito à potencial estruturação de um processo no qual, de um lado, esteja participando um litigante sem expertise processual, não habituado às lides forenses e, de outro, um litigante habitual, acostumado à participação em processos judiciais. Essa situação pode configurar desequilíbrio na medida em que crie embaraços à utilização da via judicial por parte daquele sujeito menos habituado772. O segundo problema, intimamente conectado a esse, concerne às situações em que, apesar da existência de uma relação conflituosa no plano material, não haja potencial prejuízo suficiente a legitimar a propositura de uma ação individual para tutela do direito lesado. Essa situação pode configurar desequilíbrio na medida em que iniba a utilização da via judicial por parte daquele sujeito supostamente prejudicado, face um raciocínio de custo e benefício, permitindo a outorga de vantagem para o sujeito que supostamente agiu de forma ilícita.

Em ambos os casos, a coletivização da questão pode contribuir para um maior equilíbrio na litigância773. Isso porque, na primeira situação, diminui-se, com a veiculação da pretensão de maneira coletiva, a diferença de expertise e hábito que é inerente nas relações entre o poder público ou sociedades empresariais provedoras de serviços ou produtos de utilização massificada e indivíduos (notadamente consumidores ou contribuintes). Já na segunda situação, a reunião de inúmeros conflitos similares que, sozinhos, não seriam hábeis a justificar a propositura de uma ação e, portanto, a tutelar o direito lesado, permite que haja a eventual responsabilização por ilícitos em face da criação de incentivos para a utilização do judiciário (ou mesmo para a efetivação de algum acordo pré-processual) com vistas à tutela dos direitos dessa coletividade de cidadãos.

771 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais. Para além da proteção dos

interesses individuais homogêneos. São Paulo: RT, 2013, pp. 139-140.

772 ―La situación ―clásica‖ de disparidad de fuerzas en el proceso es la que contrapone un individuo (persona física) a un adversario que disfruta las ventajas de la organización unidas a la superioridad de recursos económicos o a la influencia política. Es este caso están, por ejemplo, las grandes empresas y la Administración Pública‖. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. La igualdad de las partes en el proceso civil. In: Temas de Direito Processual. Quarta Série. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 78.

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―[C]lass members 'gain a more powerful adversarial posture than they would have through individual litigation' which 'serves to balance a currently imbalanced adversarial structure, in which large defendants with sufficient economic means are able to enjoy an overwhelming advantage against parties with small individual claims'. The ability of class proceedings to achieve and equal footing between the parties has also been judicially recognized‖. MULHERON, Rachael. The Class Action in Common Law Legal

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1.1.2.1. A litigância habitual

A sociedade moderna impõe certa dependência dos indivíduos a grandes empresas - e também entes estatais - provedoras de serviços, essenciais ou não774. De outro lado, em razão disso e de inúmeras diferenças no tamanho, atividade e mesmo poder econômico, esses atores sociais acabam utilizando mais o poder judiciário do que outros775. Inevitavelmente, essa frequência com que necessitam servir-se do sistema de justiça, como autores ou réus, outorga uma vantagem desses em relação aos demais usuários776, na medida em que acabam organizando-se para a litigância, dispondo de pessoal especializado e de ganhos com escala777. É natural que assim o seja e isso não é de forma nenhuma condenável778. Ocorre que essa situação cria potenciais disparidades, especialmente quando a assimetria informacional acarreta desconhecimento do próprio direito por parte de quem o postula (o que não é raro e surpreendente, diante da quantidade infindável de marcos regulatórios desses setores de prestação de serviços públicos ou privados).

O desequilíbrio pontual está normalmente relacionado à dificuldade na formulação de prognósticos mais ou menos precisos a respeito dos riscos e vantagens que o litígio pode proporcionar779. Para os repeat players, essa avaliação é possível

774 FRIEDMAN, Lawrence. Claims, Disputes, Conflicts and the Modern Welfare State. In: CAPPELLETTI, Mauro (ed.). Access to justice and the welfare state. Alphen aan den Rijn: Sijthoff, 1981, pp. 270-271.

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―Because of differences in their size, differences in the state of the law, and differences in their resources, some of the actors in the society have many occasions to utilize the courts (in the broad sense) to make (or defend) claims; others do so only rarely‖. GALANTER, Marc. Why the ‗Haves‘ Come out Ahead: Speculations on the Limits of Legal Change. In: Law & Society Review, vol. 9, nº 1, 1974, p. 97. 776

RESNIK, Judith. Processes of the Law. Understanding Courts and their alternatives. New York: Foundation Press, 2004, p. 123.

777 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. La igualdad de las partes en el proceso civil. In: Temas de

Direito Processual. Quarta Série. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 73. Ver também TARUFFO, Michele.

Problemi in tema di uguaglianza delle armi nel processo civile: l'accesso alle corti e la funzione del giudice. In: Studi Parmensi. Vol. XVIII. L'eguaglianza delle armi nel processo civile. Atti del convegno. Milano: Giuffrè, 1977, p. 344.

778 Condenável é a postura que adotam, na maioria das vezes, com relação à possibilidade de resolução não-judicial dos problemas que inevitavelmente surgem. O tema, entretanto, foge ao escopo do presente trabalho.

779 ―A parte contrária aos interesses coletivos possui sempre a dimensão global dos atos por ela praticados, tendo, portanto, ideia exata do alcance de outras eventuais ações ajuizadas, bem como das possibilidades de perdas delas decorrentes‖. MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no

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independentemente do contexto de dado conflito específico780. O desconhecimento e a falta de hábito de uso do processo judicial para tutela de direitos diminuem consideravelmente o poder de influência do litigante esporádico quando comparado com o litigante habitual. Daí porque o tratamento individual de cada uma dessas situações pode constituir um problema de igualdade, ligado principalmente à temática do acesso à justiça.

1.1.2.2. Problemas de custo e benefício

Há casos diretamente ligados ao problema enfrentado no tópico anterior que merecem tratamento coletivizado não tanto por acarretarem desequilíbrio no acesso ao processo, mas por determinarem justamente a sua não utilização como meio de tutela do direito. Trata-se daqueles interesses dificilmente tuteláveis individualmente781 por caracterizarem potencial vantagem tão pequena a quem postula a ponto de não compensar os custos (não somente pecuniários, mas de tempo e bem-estar, por exemplo) inerentes à propositura de uma ação. São os casos, por assim dizer, de

pequena monta782, que somados podem alcançar um potencial pecuniário expressivo.

Nessas situações em que o conteúdo patrimonial das supostas lesões é tão insignificante que o benefício com a eventual procedência da demanda não compensa a sua veiculação, a tutela coletiva pode funcionar como meio de criação das condições para que haja equilíbrio também na disposição à litigância, evitando-se que muitos indivíduos deixem de fazer valer seus direitos em razão da baixa relevância econômica dos eventuais danos783. Como efeito secundário, a própria demonstração de que há, por meio da coletivização, tendência à busca pela tutela desses interesses de pequena monta pode dissuadir determinados atores de certas práticas lesivas. Daí porque o simples reequilíbrio na disposição ao uso do processo pode evitar a ocorrência dessas situações.

780 CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no Processo Moderno. Contraditório, Proteção da Confiança

e Validade Prima Facie dos Atos Processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 155.

781 TARUFFO, Michele. Problemi in tema di uguaglianza delle armi nel processo civile: l'accesso alle corti e la funzione del giudice. In: Studi Parmensi. Vol. XVIII. L'eguaglianza delle armi nel processo

civile. Atti del convegno. Milano: Giuffrè, 1977, p. 344.

782 Sobre o tema ver ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais. Para além da

proteção dos interesses individuais homogêneos. São Paulo: RT, 2013, pp. 50

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TARUFFO, Michele. Tutela collettiva: interessi in gioco ed esperienze a confronto. In: Rivista

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