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PARTE III. Perfil Estrutural: o Âmbito de Proteção do Direito Fundamental à

1. Igualdade ao processo

1.1. Problemas derivados de desigualdades extraprocessuais

1.1.1. Desigualdades no tratamento individual dos litígios

1.1.1.2. Representação jurídica (acessibilidade técnica)

Assim como ocorre com relação à situação econômica, o processo civil deve conceder também oportunidades às partes necessitadas no que diz respeito à assistência jurídica – igualmente gratuita – por profissional devidamente habilitado755. O defensor,

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A jurisprudência tem demonstrado inclinação pelas teses. Exemplificativamente, quanto à concessão do benefício em razão de gastos altos da parte requerente Agravo Interno nº 70053758686, Relator Desembargador Rui Portanova, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, Julgado em 02/05/2013 publicado no DJe em 07/05/2013, e, quanto à existência de patrimônio imobilizado, AI nº 70024795585, Relator Desembargador Umberto Guaspari Sudbrack, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, Julgado em 06/08/2008, publicado no DJe em 12/08/2008.

754 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. La igualdad de las partes en el proceso civil. In: Temas de

Direito Processual. Quarta Série. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 74.

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TUCCI, Rogério Lauria; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Constituição de 1988 e processo.

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público ou privado, funciona como agente neutralizador das diferenças eventualmente existentes no plano material. O direito ao patrocínio judiciário é inerente ao direito ao processo justo756, uma vez que permite o conhecimento técnico especializado que assegura o equilíbrio do contraditório757. Ademais, como adverte a doutrina, o advogado funciona como fator de arrefecimento da litigiosidade, o que tendencialmente leva a um ambiente mais leal no processo758. No Brasil, a regra geral é a necessidade de advogado legalmente habilitado para a propositura e a defesa em processos civis759.

A temática envolvendo a necessidade de promoção de acessibilidade técnica é discutida com bastante interesse no direito estrangeiro760. Ocorre que, no Brasil, a questão parece já ultrapassada na medida em que há bastante tempo existe a figura do advogado dativo e do defensor público (a própria Lei 1.060/50 já previa as figuras em seu art. 5º761). Mais recentemente, a nossa Constituição, ao prever a estruturação da Defensoria Pública como órgão obrigatório do sistema de tutela dos direitos, determinou a estruturação de um órgão voltado especificamente à assistência jurídica dos necessitados. A sua função precípua, de acordo com o art. 134, da Constituição

756 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2012, p. 676, em coautoria com Ingo Wolfgang Sarlet.

757 TUCCI, Rogério Lauria; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Constituição de 1988 e processo.

Regramentos e garantias constitucionais do processo. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 23.

758 TARTUCE, Fernanda. Igualdade e vulnerabilidade no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 203.

759 O Código de Processo Civil (Lei 5.869/73) assim disciplina: ―Art. 36. A parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado. Ser-lhe-á lícito, no entanto, postular em causa própria, quando tiver habilitação legal ou, não a tendo, no caso de falta de advogado no lugar ou recusa ou impedimento dos que houver‖. O Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), por sua vez, prevê em seu art. 1º que ―São atividades privativas de advocacia: I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais‖. A palavra qualquer foi retirada do texto em face do julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Associação dos Magistrados do Brasil (ADI 1127, Relator Ministro Marco Aurélio, Relator para acórdão Ministro Ricardo Lewandowski, Supremo Tribunal Federal, Pleno, julgado em 17/05/2006, publicado no DJe em 11/06/2010).

760 Sobre o tema ver a excelente obra de Nicolò Trocker (TROCKER, Nicolò. Assistenza legale e

Giustizia Civile. Due studi sull‟evoluzione dell‟assistenza legale ai meno abbienti nel mondo contemporaneo. Milano: Giuffrè, 1979) sobre a evolução da assistência judiciária na Itália e no direito

comparado.

761―Art. 5º. O juiz, se não tiver fundadas razões para indeferir o pedido, deverá julgá-lo de plano, motivando ou não o deferimento dentro do prazo de setenta e duas horas. § 1º. Deferido o pedido, o juiz determinará que o serviço de assistência judiciária, organizado e mantido pelo Estado, onde houver, indique, no prazo de dois dias úteis o advogado que patrocinará a causa do necessitado. § 2º. Se no Estado não houver serviço de assistência judiciária, por ele mantido, caberá a indicação à Ordem dos Advogados, por suas Seções Estaduais, ou Subseções Municipais. § 3º. Nos municípios em que não existirem subseções da Ordem dos Advogados do Brasil. o próprio juiz fará a nomeação do advogado que patrocinará a causa do necessitado. § 4º. Será preferido para a defesa da causa o advogado que o interessado indicar e que declare aceitar o encargo. § 5° Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos‖, o último inciso incluído pela Lei nº 7.871/89.

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Federal762, é a proteção dos hipossuficientes mediante a prestação de orientação jurídica e defesa, em todos os graus de jurisdição. Daí porque a grande maioria dos problemas discutidos no direito comparado não pode ser aplicada ao Brasil. A estrutura do sistema de assistência jurídica, entretanto, ainda se dá de forma mista no país, uma vez que, mesmo depois da criação de Defensorias Públicas estaduais em todos os estados da federação763, muitas das unidades ainda têm deficit de pessoal, material e de estrutura. A figura do advogado dativo ainda contribui para a assistência jurídica dos necessitados, assim como as estruturas de assistência jurídica universitária. Diante de tantas alternativas, tem-se um sistema bastante completo de assistência legal aos necessitados.

Um dos poucos problemas práticos envolvendo a necessidade de acessibilidade técnica diz respeito às hipóteses em que a presença de advogado é facultativa, de que são exemplos as causas de valor de até vinte salários mínimos propostas perante os Juizados Especiais Cíveis764 e as medidas de urgência previstas na denominada Lei Maria da Penha765, entre outros766. Nesses processos, a ausência de advogado constituído por uma das partes pode causar desequilíbrio na medida em que

762 ―Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo- lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do Art. 5º, LXXIV.‖ 763 O Estado de Santa Catarina foi o último a criar o órgão, em 2012 (Lei Complementar Estadual/SC nº 575/12).

764 Lei Federal n.° 9.099/95: ―Art. 9º Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória‖.

765 Lei Federal nº 11.340/06: ―Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida‖ e ―Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de Advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei‖.

766 Discute-se a respeito do Juizado Especial Federal e dos Juizados Especiais da Fazenda Pública. A Lei nº 10.259/01, que instituiu os Juizados Especiais Federais, prevê em seu art. 10 a possibilidade de postulação direta (―Art. 10. As partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não‖). Discute-se a viabilidade da postulação pela parte acima do valor de vinte salários mínimos (dada a aplicação subsidiária da Lei nº 9.099/95) até o teto do Juizado Especial Federal (sessenta salários mínimos). O mesmo ocorre com o Juizado Especial da Fazenda Pública (Lei nº 12.153/09). Ainda, no plano cível, nas hipóteses de habeas corpus (segundo o próprio Estatuto da OAB – Lei 8.906/94 – no parágrafo 1º do art. 1º ―§ 1º Não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou tribunal.‖) e na postulação urgente de alimentos (Lei nº 5.478/68 – ―Art. 2º. O credor, pessoalmente, ou por intermédio de advogado, dirigir-se-á ao juiz competente, qualificando- se, e exporá suas necessidades, provando, apenas o parentesco ou a obrigação de alimentar do devedor, indicando seu nome e sobrenome, residência ou local de trabalho, profissão e naturalidade, quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe. § 3º Se o credor comparecer pessoalmente e não indicar profissional que haja concordado em assisti-lo, o juiz designará desde logo quem o deva fazer‖). Na Justiça do Trabalho a postulação direta é também admitida pela CLT (Decreto-Lei nº 5.452/43 – ―Art. 791. Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final.‖). Sobre o tema, o TST editou enunciado sumular: Súmula 425, TST: ―O jus postulandi das partes, estabelecido no art. 791 da CLT, limita-se às Varas do Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho‖.

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haja a presença de procurador no outro polo processual. No caso de litígios contra a fazenda pública, o potencial desequilíbrio fica ainda mais evidente (diante da litigância habitual que é típica desse tipo de conflito)767.

Outra questão tormentosa diz respeito à possibilidade de utilização de assistência jurídica das defensorias públicas e, mesmo, dos escritórios de assistência jurídica universitária, por parte de pessoas jurídicas. O problema é hoje objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Conselho Federal da OAB, (ADI nº 4636, em tramitação do Supremo Tribunal Federal, Relator Ministro Gilmar Mendes) que, entre outros pontos, questiona a constitucionalidade da norma que autoriza os defensores públicos a atuarem em favor de pessoas jurídicas768. Nessa ação, o Ministério Público Federal apresentou parecer propondo interpretação conforme a Constituição, no sentido de que a atuação em favor de pessoas jurídicas esteja limitada às hipóteses comprovadas de insuficiência de recursos para arcar com os ônus decorrentes do ingresso em juízo e que tais entidades incluam entre suas finalidades institucionais a defesa dos direitos protegidos pela Defensoria Pública.

Por fim, podem ser vislumbrados problemas relativos à acessibilidade técnica também em caso de criação de desequilíbrio processual em razão da diferença na qualidade técnica existente entre os defensores de cada uma das partes. Nesses casos, a própria assistência técnica do advogado pode constituir um fator de desequilíbrio769.

767 ―Podemos comparar a lide instaurada entre o jurisdicionado leigo desacompanhado de advogado e a Fazenda Pública, com a mitológica cena do homem comum tentando combater o leviatã. O desequilíbrio existente entre as partes, nesses casos, será absolutamente evidente, afrontando a regra básica e o princípio constitucional da igualdade entre as partes, a respeito do qual o juiz tem o dever de assegurar o equilíbrio processual (art.125,I,CPC)‖. FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados Especiais Federais Cíveis: Comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001. São Paulo: RT, 2002, p.192.

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A ação aponta a inconstitucionalidade do termo ―e jurídicas‖ incluído no inciso V do art. 4º (―Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: V – exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses;‖) da Lei Complementar nº 80/94, que organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e reúne normas gerais para a organização das Defensorias nos Estados, alterada pela Lei Complementar 132/09.

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GALANTER, Marc. Why the "Haves" Come out Ahead: Speculations on the Limits of Legal Change. In: Law & Society Review, vol. 9, nº 1, 1974, p. 114. A solução encampada pelo procedimento do Tribunal do Júri, no processo penal, para os casos em que a defesa mostre-se insuficiente (Decreto-Lei nº 3.689/41, alterado pela Lei nº 11.689, de 2008 - ―Art. 497. São atribuições do juiz presidente do Tribunal do Júri, além de outras expressamente referidas neste Código: V - nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso, dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento,

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Resta claro que mesmo diante de um sistema voltado à promoção da assistência jurídica integral, certos problemas de igualdade envolvendo acessibilidade técnica podem ser vislumbrados.