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PARTE I. Perfil Conceitual: Da Igualdade Perante a Lei à Isonomia na Lei e à

1. Isonomia em uma perspectiva macro: da igualdade perante a lei à isonomia na lei e

1.2. Concepções dinâmicas: a isonomia na lei e a isonomia perante o direito

1.2.1. A isonomia na lei

1.2.1.3. Igualdade-meio e igualdade-fim

A igualdade pode, ainda, ser compreendida a partir de outra distinção fundamental: pode significar apenas um meio para a consecução de determinados fins ou, ao contrário, como uma verdadeira finalidade a ser buscada. A primeira concepção, relativa à igualdade perante a lei, era caracterizada por funcionar como mero instrumento, uma vez que não previa nada acerca do conteúdo do tratamento a ser dado a determinados casos ou sujeitos. Em outras palavras, não estava no seio do mandamento isonômico fornecer uma diretriz substancial de tratamento, mas apenas que, qualquer que fosse esse, deveria sê-lo de modo uniforme.

O segundo aspecto da igualdade, em sua acepção negativa, impõe apenas um limite de controle às diferenciações destituídas de critério constitucionalmente legítimo, funcionando, assim, como um meio para que as finalidades constitucionais possam ser alcançadas. Em sua segunda faceta, de ordem positiva, entretanto, constitui a própria igualdade o objetivo da sua atuação. Em outras palavras, a igualdade aparece como fim, cujo meio é a desigualação de tratamento. A redução de desigualdades sociais (ou, por outra formulação idêntica, o aumento da igualdade social) - merece menção, aqui, o inciso III, do art. 3º da Constituição Federal, que estabelece como objetivo fundamental da República brasileira a redução das desigualdades sociais - é uma das finalidades constitucionalmente legítimas a serem atingidas a partir da estrutura relacional da igualdade. Nesse sentido, e tão somente aqui, funciona a desigualdade como um meio para o alcance de uma igualdade como fim.

A característica mais marcante da igualdade é funcionar, portanto, com um instrumento para consecução de determinados fins constitucionalmente legítimos. Nesse sentido, a igualdade é um conceito comparativo e relacional e, portanto, uma estrutura

119 ―A igualdade social, exigida pelo principio, será, em cada momento, ‘aquela‘ que a consciência social impõe‖. GARCIA, Maria Glória F. P. D.. Estudos sobre o princípio da igualdade. Coimbra: Almedina, 2005, p. 66.

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que serve de parâmetro à aplicação em outros conteúdos120. É uma norma que está por trás de todas as outras, assegurando uniformidade na sua aplicação e uma norma que está ao lado de todas as outras, buscando nelas o fundamento para as medidas de comparação e as finalidades indispensáveis ao seu funcionamento121. Entretanto, dentre essas finalidades, está a própria igualdade social, de modo que poderá haver discriminação no conteúdo da lei (um meio) para a consecução (a mais próxima possível) de uma igualdade de fato quanto ao acesso a determinados bens básicos (fim), cuja intensidade vai depender de uma escolha política de maior ou menor promoção de bem-estar social por meio de políticas públicas inclusivas. Em outras palavras, a igualdade pode funcionar de modo independente, possuindo um sentido substancial autônomo122: ela própria uma finalidade a ser buscada.

Aparece, portanto, de modo mais nítido ainda, o perfil multifacetado da igualdade: ao lado da sua condição de princípio instrumental e, portanto, meio para a consecução de determinados fins estabelecidos como prioritários pelo Estado Constitucional, a igualdade (entendida aqui como uma diminuição da desigualdade social) também pode ser compreendida como uma finalidade, que exige do governo um mais ou menos intenso – a depender da ideologia democraticamente eleita – esforço na formulação e execução de políticas públicas que funcionem como meios idôneos à sua consecução123. Nesse sentido, a igualdade não só limita externamente a atuação dos poderes públicos (como freio e instrumento de consecução de finalidades variadas), como, ainda, mediante o conteúdo da norma ou decisão jurídicas, o limita internamente, exigindo, portanto, uma postura ativa124 (estabelecimento de meios idôneos) na tentativa de sua realização125.

120 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 140. 121 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 144. 122

ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 143. 123 ―Assim, a igualdade se expressa ora como meio, ora como fim; ora como u valor em si, ora como um valor para outros valores; ora de forma primária, ora de forma secundária ou auxiliar‖. GUEDES, Jefferson Carús. Igualdade e Desigualdade: introdução conceitual, normativa e histórica dos princípios. São Paulo: RT, 2014, p. 230.

124 GOMES, Joaquim Barbosa. Ação Afirmativa e Princípio Constitucional da Igualdade. O direito como

instrumento de transformação social. A experiência dos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001,

p. 6. 125

GARCIA, Maria Glória F. P. D.. Estudos sobre o princípio da igualdade. Coimbra: Almedina, 2005, p. 68

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O desenvolvimento da noção de igualdade respondeu, inicialmente, à necessidade de igualdade de tratamento entre todos os cidadãos, consubstanciando-se na exigência de aplicação uniforme da lei escrita (igualdade perante a lei). Verificou-se, entretanto, que a mera prevalência da lei não garantia o tratamento igualitário, pois dessa não se extraía qualquer exigência quanto ao seu conteúdo. Passa-se, então, a exigir não só a igualdade de todos perante a lei, mas também a igualdade de tratamento na lei.

A noção de igualdade na lei, inicialmente compreendida como um mero freio contra a existência de discriminações arbitrárias no texto legal (tratar igualmente os iguais), passa a exigir do legislador também uma postura ativa, no sentido de promoção de desigualações na própria criação da lei, com vistas à diminuição de disparidades (tratar desigualmente os desiguais, com vistas à sua igualação)126. Esse terceiro núcleo de significação pretende, a partir da desigualdade de tratamento (jurídica), proporcionar uma igualdade de fato em determinadas características tidas por essenciais127. O tratamento desigual passa a ser um meio para a consecução de determinados fins128, dentre os quais a própria igualdade (relativa).

Dentro dessa concepção dinâmica da igualdade, cumpre tentar estabelecer um critério que permita responder à pergunta: afinal, igualdade no quê129? Em outras palavras, quais as características (tidas por essenciais pela Constituição) que se pretendem igualar e que, portanto, determinam esse tratamento desigual.