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PARTE I. Perfil Conceitual: Da Igualdade Perante a Lei à Isonomia na Lei e à

1. Isonomia em uma perspectiva macro: da igualdade perante a lei à isonomia na lei e

1.3. A atividade complexa de promoção da isonomia (legislador, executivo e

1.3.1. Da garantia da igualdade à promoção da isonomia A fundamentalidade do

A igualdade é inegavelmente uma exigência de ordem complexa, que impõe a tutela da diferença e redução das desigualdades. Apresenta, assim, dois prismas, que podem ser reconduzidos ao próprio universalismo dos direito fundamentais213: como reflexo dos direitos de liberdade, impõe a tutela do tratamento igual, e como reflexo dos direitos sociais, a redução das desigualdades214. Em outras palavras, como interdição ao juiz de fazer distinção entre situações iguais, ao aplicar a lei, e como interdição ao legislador de editar leis que possibilitem tratamento desigual a situações iguais ou tratamento igual a situações desiguais por parte da justiça215. Dessa forma, quando o constituinte prevê que todos são iguais perante a lei, sem distinções de qualquer natureza, está indicando que não basta a igualdade na aplicação da lei – mandamento voltado primordialmente ao estado-juiz -, sendo necessária a vinculação também do estado-legislador e da administração pública, na proibição de tratamento discriminatório e na promoção de ações com vistas à diminuição de desigualdades. Além do legislativo, como é óbvio, é cogente a todos os poderes, na medida em que executivo e judiciário conferem aplicação às leis216. A isonomia é, portanto, mandamento que se dirige a todos os poderes do Estado217, sem o que restaria despido de significação jurídica218.

213 Sobre o tema ver PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Direitos Fundamentais. Trad. António Francisco de Souza e António Franco. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 35-50.

214

FERRAJOLI, Luigi. L‘uguaglianza e le sue garanzie. In: CARTABIA, Marta; VETTOR, Tiziana (coord.). Le Ragioni Dell‟Uguaglianza. Atti del VI Convegno della Facoltà di Giurisprudenza Università

degli Studi di Milano – Bicocca. Milano: Giuffrè, 2009, p. 28.

215 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 36ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 220.

216 PALHARINI JUNIOR, Sidney. O princípio da isonomia aplicado ao direito processual civil. In. FUX, Luiz; NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Processo e Constituição. Estudos

em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: RT, 2006, p. 617.

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TUCCI, Rogério Lauria; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Constituição de 1988 e processo.

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A história constitucional do século XX redimensionou o papel da igualdade, passando a considerá-la como um dos elementos fundamentais da forma de Estado Constitucional que impõe ao legislador a garantia não somente da igualdade formal (tratar igualmente situações iguais e de modo diverso situações desiguais), mas também a promoção do reequilíbrio entre situações de desigualdade por razões sociais e econômicas219. O poder legislativo, portanto, tem uma primordial função de conformar a legislação de modo a garantir a igualdade, sem efetivar discriminações legais destituídas de justificativa racional. Igualdade perante a lei não é igualdade exterior à lei. É, antes de tudo, igualdade na lei. Tem por destinatários, desde logo, os próprios órgãos de criação do Direito220, que, entretanto, devem, sempre que necessário, efetivar desigualações com vistas à promoção de um estado de igualdade de fato, possível e relativa a determinadas características tidas por essenciais em certo espaço e tempo. Ao legislativo, então, uma dúplice função: garantir a igualdade de tratamento e promover uma igualdade de fato, relativa a certas finalidades tidas por essenciais em determinada ordem constitucional.

Ao lado disso, o poder executivo - e todos os órgãos da administração pública - tem a função de concretizar os mandamentos de igualdade emanados do poder legislativo221. As agências reguladoras, os ministérios, as autarquias e mesmo os tribunais e órgãos administrativos estão vinculados à exigência de igualdade, tanto no exercício de sua função regulatória quanto na efetivação das políticas públicas222.

Por fim, o poder judiciário obviamente tem o dever de promover a isonomia, mediante a aplicação isonômica do direito, garantindo eficácia à igualdade. Faz parte da concepção mais comezinha do mandamento isonômico e necessidade de

218 ALVES, Maristela da Silva. Princípio da isonomia constitucional. In: ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Processo e Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 148.

219 CARETTI, Paolo. Uguaglianza e Diritto Comunitario. In: CARTABIA, Marta; VETTOR, Tiziana (coord.). Le Ragioni Dell‟Uguaglianza. Atti del VI Convegno della Facoltà di Giurisprudenza Università

degli Studi di Milano – Bicocca. Milano: Giuffrè, 2009, p. 209.

220 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. Direitos Fundamentais. 3ª Ed. Coimbra: Coimbra, 2000, p. 241.

221

ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 35.

222 ―Princípio da igualdade diz respeito a todas as funções do Estado e exige criação e aplicação igual da lei, da norma jurídica. Os seus destinatários vêm a ser então, além dos órgãos políticos e legislativos (os quais podem interferir nessa aplicação ou ser até destinatários de leis ordinárias), os tribunais e os órgãos administrativos‖. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. Direitos

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tratamento igual para casos iguais. Igualdade perante o direito significa tratar igualmente casos iguais no âmbito da administração da justiça223. Daí porque, vinculado à exigência de consistência, o mandamento isonômico impõe uma pauta de trabalho também ao sistema de justiça. Ao lado disso, também é tarefa do poder judiciário224, o controle relativo à constitucionalidade das distinções ou igualações efetivadas pelo legislador ordinário nos textos legislativos. O mandamento isonômico chama o juiz a sindicar, sob a óptica da constituição, a própria tarefa do legislativo225.

Daí ser possível concluir afirmando que todos os órgãos, funções e ações estatais vinculam-se aos direitos fundamentais de igualdade226. Em sua dimensão objetiva, constituem valor (e princípio) estruturante do Estado Constitucional e, em sua dimensão subjetiva, operam como fundamento de posições que tem por objeto, na perspectiva negativa (defensiva), a proibição de tratamentos (encargos) em desacordo com as exigências da igualdade e, em perspectiva positiva (prestacional), o direito de igual acesso às prestações disponibilizadas pelo poder público, até mesmo por meio de desigualações tendentes à promoção de uma igualdade de oportunidades227. É pressuposto de uma sociedade democrática desenvolvida a existência de estruturas institucionais que se complementem na promoção de uma verdadeira igualdade228. Não

223 CRANSTON, Ross. How Law Works: The Machinery and Impact of Civil Justice. Oxford: Oxford University Press, 2006, p. 219.

224 Admitindo-se, aqui, apenas de modo sistemático, a inserção do controle da constitucionalidade como exercício da função judiciária. Para uma crítica a esse posicionamento, discussão que foge ao escopo do presente trabalho ver, SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. O Tribunal Constitucional como Poder. Uma

nova teoria da divisão dos poderes. São Paulo: Memória Jurídica, 2002.

225 CARETTI, Paolo. Uguaglianza e Diritto Comunitario. In: CARTABIA, Marta; VETTOR, Tiziana (coord.). Le Ragioni Dell‟Uguaglianza. Atti del VI Convegno della Facoltà di Giurisprudenza Università

degli Studi di Milano – Bicocca. Milano: Giuffrè, 2009, p. 209.

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SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2012, p. 533, em coautoria com Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero.

227 ―Em síntese, a função negativa é o não fazer que se impõe pela aplicação do princípio; e a função positiva é o fazer que se impõe aos obrigados pelo mesmo princípio de igualdade. Por outra vista, a função positiva é o fazer, ou seja, os atos que se impõem para preservar ou obter a igualdade‖. GUEDES, Jefferson Carús. Igualdade e Desigualdade: introdução conceitual, normativa e histórica dos princípios. São Paulo: RT, 2014, p. 222. Sobre o tema ver também SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito

Constitucional. São Paulo: RT, 2012, p. 532, em coautoria com Luiz Guilherme Marinoni e Daniel

Mitidiero.

228 Analisando sociologicamente a estrutura institucional brasileira é possível vislumbrar um deficit isonômico bastante claro, pela tão só existência de traços diferenciadores como a instituição do ―jeitinho brasileiro‖: ―Development should imply far more than increases in per capita income, investment, or productivity. Development ought also imply the existance of an institutional structure which will permit meaningful equality before the law. Conditions precedent to such equality are a formal legal structure reasonably attuned to the times and culture, a high degree of obedience to the rule of law, and impersonal, efficient administration of the laws. These should be comparatively little room for the operation of an

institution like the jeito in a modern, developed society‖. ROSENN, Keith. The Jeito: Brazil's Institutional

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existe igualdade apenas pela aplicação da lei; do mesmo modo, não basta a igualdade na criação da lei. Ambos os fatores, conjugados, permitem uma asseguração qualificada do direito fundamental à igualdade229.

1.3.2. A complementaridade das concepções estática e dinâmicas da igualdade. A