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ENTREVISTAS: 2 PROFESSORAS E 1 COORDENADORA PEDAGÓGICA

3.1.5 As duas turmas de crianças

Nas duas turmas acompanhadas – professoras Eva e Clarissa – todas as crianças frequentaram a instituição em jornada integral: das 7h às 17h30minutos. A turma da professora Eva – que a chamaremos de turma de crianças de 5 anos – era denominada pela EMEI por Turma Flex, em função da variedade de idade das crianças, próximas aos 5 anos. Essa prática, presente nesta RME, acontece quando não há, na lista de espera por vagas, um número suficiente de crianças para formar uma turma com crianças com idades semelhantes.

Em março de 2017, quando iniciamos o período de observação, a turma da professora Eva estava formada por 22 crianças, sendo 13 meninos e 9 meninas, quantidade que permaneceu durante todo o ano. A idade das crianças variava entre 4, 5 e 6 anos: 4 crianças completaram 4 anos em março; 2 já haviam completado 6 anos em maio e outras 6 em dezembro; 10 completariam 5 anos no decorrer do ano, de maio a dezembro. No ano letivo seguinte – em 2018 – 13 destas 22 crianças frequentariam o EF.

Conforme as fichas de matrícula das crianças, entre as 22 crianças desta turma consta registrado pelos pais que: 15 delas se declaram de cor branca; 6 pardas e uma de cor negra. Destas 22 crianças, 5 possuíam laudo médico em função de alguma deficiência: 1 menino apresentava deficiência física com laudo de paralisia secundária e má formação cerebral; 3 meninos e 1 menina foram diagnosticados como Autistas. Um dos 3 meninos – em seu quarto ano com a professora Eva – apresentava grau de Autismo severo. Ele completou 6 anos em maio de 2017 e permaneceu na EI porque sua família ganhou na Justiça esse direito. Já a menina, que também apresentava deficiência na coordenação motora e fala, fazia uso de

sonda gástrica para se alimentar, o que necessitava de maiores cuidados por parte da professora e de sua Auxiliar de Apoio ao Educando.

Pelo número de 5 crianças com deficiências, normalmente esta turma estava acompanhada por 4 adultos: a Professora Regente e 3 Auxiliares de Apoio ao Educando. Este número aumentava nos períodos de troca de professoras, pois geralmente, uma delas permanecia na sala realizando seus registros durante o seu horário de planejamento. E com a presença da pesquisadora, em determinados momentos, totalizavam 6 adultos em sala. Este número realmente causava impactos no desenvolvimento da docência pela professora e sua relação com as crianças, como veremos nos Capítulos 4 e 5. Quanto às interações entre a pesquisadora e as crianças, desde o primeiro encontro estas sempre foram mediadas por Eva.

Quando iniciei as observações, Eva me apresentou à turma dizendo o meu nome e também que eu estaria junto à ela em vários momentos. Não me perguntaram o que eu fazia ali, talvez pelo fato da escola receber estagiários/as ao longo do ano. Durante a minha permanência nesta turma conversei com as crianças de forma individual em algumas ocasiões, no entanto havia as interações não verbais quando algumas delas mandavam um beijo, esboçavam um sorriso, uma espreguiçada ou um aceno rápido de mão enquanto a professora falava (Diário de Campo, 2017).

Já a turma de Clarissa – que a chamaremos de turma de crianças de 4 anos – era denominada pela EMEI por Turma do Recorte. Esta, diferenciava-se da Turma Flex pelo fato de que algumas das crianças, aquelas que completassem 6 anos até 30 de junho do ano seguinte, passariam para o EF, mesmo que não tivessem frequentado o último ano da EI. Essa turma permaneceu – durante todo o ano de 2017 – formada por 20 crianças: 10 meninos e 10 meninas. A idade das crianças variava entre 4 e 5 anos e metade da turma completaria 6 anos até o mês de junho do ano seguinte, motivo pelo qual, apesar de frequentarem a turma de 4 anos, seriam matriculadas no EF no início de 2018. Uma das meninas com idade de 5 anos – portadora de Síndrome de Down – está com o mesmo grupo de crianças desde os 2 anos, ou seja, pelo terceiro ano consecutivo e “a família acionou a Justiça para garantir o direito de mais um ano na EI” (Entrevista, Clarissa, 2017). A seguir, um relato sobre o meu primeiro encontro com a turma.

Clarissa me apresentou à turma dizendo meu nome e também que eu a acompanharia por um período na EMEI. Assim que crianças responderam ao meu cumprimento, repetiram o meu nome. Em seguida, ela pediu a cada uma delas que se apresentasse dizendo o nome, idade e o que mais gostava de fazer. As crianças pareciam à vontade, sentadas em suas cadeiras em volta das mesas espalhadas pela

sala. Não houve um pedido, por parte da professora, para a ordem das apresentações: iniciaram espontaneamente e assim que um terminava, outro se apresentava. Quando chegou minha vez, ao dizer minha idade, 49 anos, eles reagiram com espanto, dizendo: Ohhh!!! Continuando a apresentação, ao dizer que eu gostava de ler, imediatamente apontaram para a estante de livros e pediram para que eu lesse uma história. Conheciam todos os livros, até que escolheram um: Hora do Almoço. Era a história de um pai que fazia uso da imaginação para incentivar o filho a comer e ao verem as imagens fizeram associações com suas histórias, com os ‘aviõezinhos’ que os seus pais faziam quando eram bem bebês (Diário de Campo, 2017).

Nesse primeiro encontro, após leitura da história, as crianças apresentaram – à pesquisadora – o mascote da turma: um camaleão feito de tecido e espuma. A professora nos mostrou o caderno de registros com fotos que a família de cada uma das crianças fazia durante a visita do mascote. Havia uma grande liberdade por parte das crianças que se movimentavam pela sala buscando outros brinquedos relacionados a nossa conversa.

Eu me sentei em uma de suas pequenas cadeiras e elas à minha volta, recontavam ao mesmo tempo e folheavam o caderno de registros como que para confirmarem o fato, a visita do mascote em suas casas. Uma delas pegou meu cabelo e cheirou dizendo: Nossa, tá tão cheiroso! Nesse momento, vieram mais duas crianças que pegando em minha orelha diziam: Nossa! Você tem 3 furos! Três brincos! Me vi rodeada pelas crianças que me fizeram perguntas sobre mim, observaram e cheiraram mais vezes o meu cabelo. Ao final, a professora afastou as mesas e as crianças iniciaram uma brincadeira enquanto aguardavam a próxima professora. Correram para o meio da sala e fingiram que estavam dormindo. Outras com a língua para fora diziam que estavam mortas (Diário de Campo, 2017).

Nessa turma, a música e a dança faziam parte da rotina de atividades desenvolvidas por Clarissa que havia selecionado um variado repertório musical que direcionava o seu trabalho com as crianças. De acordo com as histórias que lia para a turma ou filmes que assistiam, as músicas iam sendo apresentadas e as coreografias e brincadeiras iam sendo criadas com o auxílio da internet, fosse pelo computador ou fazendo uso do celular junto das crianças. O filme Trolls e seus personagens eram os favoritos desta turma desde que conheceram o livro e assistiram ao filme. Como um dos lemas dos Trolls era ser feliz, esta fala aparecia com frequência entre as crianças. Em determinados momentos quando algumas delas reclamavam de um colega com a professora, esta o olhava e dizia: por que você não está brincando? Vá lá, converse com ele! Vá ser feliz! E assim, era comum as crianças repetirem tais recomendações umas às outras, em determinadas situações. Num determinado dia, um dos

meninos disse ao colega: Pare com isso, vá ser feliz! Deixa a professora ser feliz! Era comum escutá-los repetindo estas falas da professora.