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4 NARRATIVAS DOS CAMINHOS PERCORRIDOS PELAS PROFESSORAS EVA E CLARISSA

4.1 PROFESSORA EVA

4.1.2 Lembranças da escola, escolha pela educação e formação profissional

Dizendo da época que estudou – tanto no primário quanto no Ginásio, como era chamado o EF e Médio – não tinha essas coisas de fazer trabalho em grupo, de modo que pudesse ter colegas em sua casa ou ir até a casa delas. Considera ter tido excelentes professoras nos primeiros anos de escola, definindo uma delas por “competente, mãezona, responsável, rígida e muito carinhosa” (Entrevista, Eva, 2017). No Ginásio estudou em um colégio municipal e destaca também a rigidez do diretor da época, o qual ela acredita que “todo mundo da minha geração lembra dele com carinho até hoje” (Entrevista, Eva, 2017).

Então era aquela coisa de toda sexta-feira ter hora cívica, que ele ficava lá de cima olhando se a meia estava cobrindo as pernas, as saias tampando o joelho, o uniforme bem passado... e era muito interessante, a gente tinha a senhora que olhava a portaria. E ela olhava o comprimento da saia. E eu detestava aquelas saias que a gente chamava de maria mijona, então enrolava a saia na cintura pra poder ir com a saia curta e chegava lá na porta era todo mundo desenrolando a saia para a saia encontrar a meia, porque não podia aparecer nada. Era uma escola pública, mas de gestores rígidos, mas competentes e carinhosos apesar da rigidez e de cobrar muito (Entrevista, Eva, 2017).

Eva usa a palavra rigidez como um modo de elogiar ao dizer da competência dos professores e do diretor do colégio no qual estudou. Esta rigidez aparece também como sinônimo de bons costumes quando descreve o seu pai em diversos momentos, afirmando ao final: “Ele era muito rígido!” (Entrevista, Eva, 2017). Como exemplo desta rigidez ela nos conta sobre a sua formação e relações sociais entre meninas e meninos no tempo que cursou o antigo Colegial e Ginásio – atual o EF e Médio – e também em tempos de Magistério, no Colégio Municipal de Belo Horizonte. O fato é que no turno da manhã funcionavam as turmas para os alunos do sexo masculino e pela tarde o feminino. No entanto, quando houve necessidade de funcionamento de um terceiro turno nesta escola, este passou a ser misto e “a fiscalização dobrou por parte do colégio e também familiares, pois os meninos não podiam chegar perto das meninas e, nossa, era uma cobrança muito rígida. Papai amava porque era isso mesmo que ele gostava! Ele era muito rígido! (Entrevista, Eva, 2017).

Já o curso de Magistério, este não foi sonhado por ela. Na década de 1960, ao fim do ginásio, os alunos poderiam optar pelo curso Clássico, Magistério, Científico ou Contabilidade. Eva optou por fazer o curso Clássico pensando em uma melhor preparação já que desejava cursar Direito ou Jornalismo: “Não queria ser professora e não queria fazer o Científico, só que papai não deixou. Quando eu coloquei para ele, ele falou que lá em casa ou era professora ou não estudava, ficava dentro de casa sem estudar, como eu já ficava” (Entrevista, Eva, 2017). Foi assim a sua entrada para o Magistério, curso do qual diz ter passado a gostar, especialmente em relação aos estágios e mais tarde pelo fato do trabalho ser remunerado. Outro motivo de ter gostado do curso foi pelo fato de gostar muito de ler, embora a leitura também fosse censurada pelo seu pai.

Porque eu gostava muito de ler, então eu tinha minha fichinha de biblioteca […]. Papai me chamava até de Monteiro Lobato, de tanto que eu gostava de ler. Então eu lembro que eu peguei O Cortiço para ler, escondidinho, porque todo mundo falava mal do livro e tal, e eu li escondido e papai descobriu e ficou bravo. E pediu para mamãe ir na escola para saber do professor porque que eu estava lendo aquele livro, se era o professor que tinha mandado. E aí o professor foi explicar para mamãe, que não, não foi ele que tinha pedido para ler o livro, mas que eu tinha pego na biblioteca, que ele tinha comentado então foi uma curiosidade, mas que não era para eles ficarem preocupados porque estava madura para ler. Mas mesmo assim papai não aceitou e ficou fiscalizando os livros que eu pegava. Fora as revistinhas em quadrinhos, que eu comprava, porque eu tinha meu dinheirinho: tecia os cabelos! Na época usava as revistas fotonovelas, todas em quadrinhos, comprava um tantão e colocava embaixo do colchão, trocava com as minhas colegas, lia escondidinho pela fresta da porta de noite. Porque ele trabalhava em casa, ele era alfaiate então trabalhava até altas horas da noite. Então eu deixava só a fresta da porta aberta, para

entrar uma luz, e ficava lendo aquelas revistas e colocava embaixo do colchão, escondido (Entrevista, Eva, 2017).

Ao dizer de uma de suas rebeldias, na juventude, Eva citou as leituras que realizava às escondidas de seu pai. Outra censura do pai era em relação aos passeios promovidos na época em que cursou o Magistério. Em um destes – promovidos pelo seu professor de Português – uma ida da cidade de Belo Horizonte a Ouro Preto, ela teve muito medo do pai não permitir tal aventura com sua turma, no entanto conseguiu sua permissão. Eva descreve este professor como o mais importante de sua vida, o que a motivou a gostar de escrever e ler, apesar de tê- la deixado sem “chão” nos momentos de arguição oral em pé em frente a turma pelo seu pavor de errar.

Excelente professor, bravo! Ele tinha um tal de um negócio de arguição oral. Ele chamava a gente, pedia pra ler um texto do livro e ia perguntando a classe gramatical, o tipo de frase... e aquelas coisas não paravam. E assim... eu era tranquila porque eu sentava na primeira carteira. […]. Eu me sentava na primeira carteira e eu vivia tranquila porque ele pegava meu livro emprestado pra ler então ele não podia me arguir. Então o primeiro dia que ele virou e falou pra mim... ele falou assim: 'Hoje eu não vou pegar seu livro, vai ser o livro da fulana' (risada), eu quase tive um infarto. Falei: 'Ele vai me arguir!' Não que eu tivesse receio de não saber, mas eu, além de eu ser muito tímida, eu tinha pavor de errar. Porque eu ficava vendo assim, que as colegas às vezes cometiam algum engano e ele ficava bravo, porque ele era muito exigente, um excelente professor (Entrevista, Eva, 2017).

Eva se lembra do professor sentado em uma cadeira, em sua mesa de frente para a turma que tinha as carteiras enfileiradas, uma atrás da outra, em fila. Descreve sua arguição como estranha, envolvendo risos de toda turma, inclusive dela, por ter sido algo mecânico.

E eu ali em pé na frente da mesa dele, em pé, lendo, e era assim, se fosse: o pato é bonito! O que o 'O' é? Qual a classe gramatical, o gênero, o número, o grau... e outra palavra, com outra sílaba, outras letras... E aquilo era rapidinho, não dava tempo nem de pensar. Eu já estava tão assim... psicologicamente preparada que eu não esperei ele perguntar. Sabe quando você vai assim, meio decorado: Pato é um substantivo, masculino, tem 4 letras, 2 sílabas... e eu fui falando, e ele me olhando: Como assim? Eu vou te perguntar não é nada disso e você já está falando? Mas, é que eu já estava assim... preparada! E por isso foi uma baboseira geral! (Entrevista, Eva, 2017).

Eva foi aluna deste professor durante 7 anos, desde o Ginásio e todo o curso de Magistério. Esse episódio da arguição teria ocorrido em seu primeiro ano deste curso. Considera-o como um professor “super simpático, que a gente falava na minha época – um gato – mas era casado e a gente respeitava muito, só achava bonito, aquele senhor de porte

elegante, educado que usava terno. Era um professor que ia trabalhar de terno e gravata (Entrevista, Eva, 2017).

Após e finalizar o curso de Magistério em dezembro de 1969, Eva viu no exercício da docência um meio de ganhar independência econômica, pois até então sua renda se limitava ao que ganhava fazendo perucas desde os 13 anos de idade. Embora não se lembre mais desta prática de tecer cabelos, aprendeu a técnica de tecer cabelos – para uma escola de samba do Rio de Janeiro – com a mãe de uma amiga.

Foi por intermédio de uma amiga que já era professora que, no ano de 1970, iniciou carreira como contratada de uma turma do 2º ano do EF da rede estadual de ensino. Todas as outras professoras eram efetivas e, segundo ela, muito acolhedoras. Define a sua primeira turma como “uma salinha do 2º ano toda de menina bonitinha, de menino bonitinho, de papai e mamãe responsável” (Entrevista, Eva, 2017). Nesta escola estadual funcionavam 4 salas de aula: do primeiro, segundo, terceiro e quarto ano.

Assim, aos seus 18 anos, Eva sentia-se realizada por ter sua primeira turma. Recém formada, nos conta de seus medos, já que “nunca tinha dado aula e só tinha entrado numa sala porque fiz estágio, estágio em escola boa, com professores bons” (Entrevista, Eva, 2017). Ela descreve sua turma como “uma turminha de 2ª série, lindinha, era tipo ‘elitizinha’ da escola, porque só estudavam lá filhos de comerciantes, porque o SESC era tanto para comerciários como para comerciantes […] então era uma escola elitizada (Entrevista, Eva, 2017).

Essa percepção da professora Eva sobre as crianças e a escola nos faz pensar na complexa relação entre educação, pobreza e desigualdade social. O que isto significa? A década de 1970 foi marcada como um momento de expansão da escola pública, especialmente do 1º grau (atualmente, Ensino Fundamental). Para as professoras que até então exerciam a docência para crianças da elite, de repente passam também a trabalhar com a criança pobre. Além do encontro das docentes com uma criança até então não idealizada pelas docentes, a novidade desta época, passou a ser o fato de aprenderem a lidar também com estas famílias, nem sempre alfabetizadas (CAMPOS, 1975). Assim, desejar uma turma homogênea – como se isso fosse possível, especialmente em meio a tanta diversidade – passou a ser o desejo de muitas professoras, inclusive da professora Eva em seu primeiro ano de trabalho, aos 18 anos.

Neste percurso, no ano de 1976, Eva assumiu um segundo cargo como professora efetiva por meio de concurso público realizado pela PBH. Três anos depois, em 1979, deixou

um dos cargos – o de professora contratada – e em turno oposto ao cargo de professora experimentou outra profissão: a de auxiliar de tesouraria. Justificou este desejo de conhecer outro ambiente por considerar que na escola exercia um trabalho isolado, no entanto após 6 meses de trabalho na nova função – período em que conheceu o seu marido – decidiu retornar à rede estadual como professora contratada.

Investiu em sua carreira docente e se formou em Pedagogia – 1976 a 1978 – especializando-se em Supervisão e Administração escolar do 1º grau, pelo Instituto de Educação de Minas Gerais, em Belo Horizonte – MG. Já no ano de 1982, realizou um segundo concurso, também na PBH, desta vez como Técnica Superior de Ensino – TSE, assumindo a supervisão de turmas de crianças da 1ª série do EF, deixando o cargo de professora contratada da rede municipal. Em 1982, em outro concurso tornou-se professora efetiva também no na Rede estadual de ensino de MG por meio de outro concurso público, cargo do qual se aposentou ao final do ano de 1997.

Já no ano de 1986, em busca de melhor salário e pontuação para realização de novos concursos, Eva especializou-se, também em Didáticas, na modalidade à distância pela Faculdade de Batatais – SP. Ao longo de sua carreira profissional se manteve trabalhando em 2 cargos como professora e por um mandato de 4 anos foi diretora de uma escola. Após sua primeira aposentadoria, retornou na rede estadual de ensino como supervisora pedagógica contratada para trabalhar no Projeto Acertando o Passo37 (1998 a 2001). Por falta de contrato – no ano de 2002 – interrompeu o trabalho por um ano. Neste período, relata que ficou hipertensa e engordou, chegando a pesar 98 kg em seu 1m54cm de altura. Retornou de 2003 a 2006 como professora de turma de 1º ano do EF pela rede estadual, também como contratada.