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4 NARRATIVAS DOS CAMINHOS PERCORRIDOS PELAS PROFESSORAS EVA E CLARISSA

5.2 MOSTRA CULTURAL DA EME

A EMEI pesquisada realiza um evento todos os anos, denominado Mostra Cultural. Trata-se de um evento que acontece na EMEI Pampulha ao final de cada ano letivo e, ao final de 2017, ocorreu a 10ª Mostra Cultural desta escola. Durante o período em campo, este evento esteve presente nas falas das professoras como justificativa para as atividades e projetos em desenvolvimento com a turma. Neste evento, geralmente numa das manhãs de sábado do mês de novembro, os familiares das crianças são convidados a conhecerem os trabalhos desenvolvidos em cada turma.

Assim que iniciamos a observação participante na turma da professora Eva, em março de 2017, ela nos contou sobre os projetos que as professoras haviam pensado para a turma, exemplificando como poderiam obter produtos para esta exposição ao fim do ano letivo. Desde então, decidimos abordar esta temática por ser um acontecimento que nos auxiliou na compreensão das experiências sociais das professoras, especialmente em relação ao planejamento e organização do trabalho com as crianças.

livro de literatura que contasse a história de bichinhos. Porque assim, ela já tinha em mente o bichonário que ia trabalhar letra, alfabeto e dá para trabalhar poemas, parlendas, histórias. Para quando chegar a Mostra – olha como tudo é construído – é mais acessível para construir alguma coisa. Porque pode-se construir bichinhos, nós construímos um jacaré na nossa turma que está um show. O jacaré foi todo construído com os meninos [as crianças], tudo ideia das colegas artistas. E esse jacaré vai, depois para a Mostra (Entrevista, Eva, 2017).

Ao planejarem e desenvolverem projetos, fica clara a intenção da professora Eva em confeccionar com as crianças produtos a serem expostos durante a Mostra Cultural da EMEI. Quanto ao planejamento do trabalho com as crianças, em entrevista, Eva nos disse de seus planos em tom bem animado.

Tudo que eu acho, vejo uma musiquinha, uma parlenda – é lógico que eu não vou fazer só música, porque posso musicalizar uma parlenda, não sei musicalizar, mas tento – eu aprendi que posso fazer no curso de Música que te falei, que gostei. Então toda parlenda, toda música e toda poesia que eu vejo de bichinho eu já ponho um grampinho, um clips na apostila que eu tenho, no livro, alguma coisa que eu pego, já deixo lá com clips, já para preparar esse material (Entrevista, Eva, 2017).

Apesar de algumas ações coletivas, geralmente vindas da direção e coordenação da escola, como a Mostra Cultural e festas envolvendo os familiares das crianças, percebemos o quanto é isolado o trabalho das professoras em seus planejamentos individuais. Eva e Clarissa, buscavam meios de compartilhar as suas ações geralmente com a professora com a qual exerciam a docência no mesmo turno. Era visível esta necessidade de falarem sobre o que faziam e planejavam, fosse nos encontros pelos corredores, porta de salas durante os momentos de planejamentos individuais ou durante o horário do parquinho. Observamos que, estas conversas, também aconteciam entre as professoras e as Auxiliares da turma.

Quanto ao pouco envolvimento e participação das crianças nos planejamentos dos projetos e atividades propostas pelas professoras, Eva justifica que as atividades consideravam interesses das crianças, citando como exemplo o pedido de uma delas.

Uma menina, há uns dois meses atrás, aluna de 5 anos vai fazer 6, virou para mim e falou assim: Eva, por que que a gente não faz um caderninho de música? A minha mãe me falou sobre isso e assim, não vai ser interessante? Na hora aquilo mexeu comigo, porque no início do ano eu e as 4 colegas, a gente construiu dentro do Projeto Institucional Literatura, como que a gente ia subdividir esse projeto para poder ficar rico, produtivo e atingir todas as linguagens do início do ano. Já te falei sobre a Mostra, tem de ter um material construído para estar mostrando antes de ir para a casa, e mesmo o material que vai estar no portfólio, na exposição na sala de aula ou no corredor, então a gente mais ou menos construiu isso (Entrevista, Eva, 2017).

A justificativa da professora Eva, de certo modo, parece confundir os interesse de uma criança com as indagações de toda turma, ou seja, o fato de que o projeto foi proposto e planejado entre as professoras para atender ao evento Mostra Cultural. Em alguns momentos, como o citado acima, observamos uma espécie de luta cotidiana vivida pelas professoras Eva e Clarissa: as diretivas da EMEI e o excesso de preocupação com os conteúdos e formas exigidos pela Mostra Cultural que se chocavam com os interesses das crianças, os instrumentos normativos e a literatura da área. Como exemplo, um registro no qual, relatamos sobre o dia anterior desta Mostra.

Durante a semana, as professoras estiveram muito ocupadas com os trabalhos de preparação da Mostra. Na sexta-feira, precisavam deixar tudo pronto para a manhã de sábado. Haviam poucas crianças neste dia, visto que a EMEI e professoras enviaram bilhete aos familiares explicando sobre a falta de funcionários [todos que recebiam salários pela Caixa Escolar] por motivo de paralisação do trabalho por 1 dia. Este pedido foi reforçado aos familiares das crianças com deficiência, visto que as auxiliares se encontravam em greve. Todos os adultos com os quais conversei na EMEI torciam para que as famílias compreendessem que as professoras precisavam deste tempo sem as crianças para concluírem a preparação do evento. […]. Uma mãe informou à professora Clarissa por WhatsApp [grupo dos familiares das crianças da turma 4 anos] ela havia explicado a situação e pedido aos pais que deixassem as crianças em casa quinta e sexta-feira. Especialmente na sexta-feira foram intensos os trabalhos, não só pela falta de funcionários, mas também pelas acaloradas discussões envolvendo a recepção dos familiares. Eva nos dizia da tensão que sentia e de suas dores nas costas. Com Clarissa não foi diferente. Estavam visivelmente cansadas, não só pela confecção dos trabalhos manuais, mas pela expectativa do dia seguinte (Diário de campo, 2017).

Apesar dos esforços para que as crianças não estivessem presentes nesta preparação do evento, na sexta-feira, véspera da Mostra e dia da paralisação de 1 dia de trabalho pelos funcionários “na turma da professora Eva estavam presentes 6 crianças, uma delas com deficiência. Na turma de Clarissa, esteve presente pela manhã um menino que foi embora às 11h30min. e outro que chegou às 13h e permaneceu até 17h30minutos” (Diário de Campo, 2017). Especificamente neste dia, o tempo das professoras foi dedicado à organização os trabalhos confeccionados pelas crianças ao longo do ano, quanto a preparação de outros pelas professoras que envolviam o enfeite de painéis e do local.

Clarissa, na véspera da Mostra, apressadamente trançou parte de um tapete com o nome da turma. Apesar dos seus esforços e de uma das professoras que o levou para terminar em casa, este não ficou pronto para ser apresentado na Mostra no dia seguinte. Apesar de ter sido planejado, este não foi feito pelas crianças porque o material correto não chegou a tempo. Nesta mesma sala, outra professora recortava mensagens para colocar dentro das garrafas de plástico transparente pintadas com

glíter, enquanto eu [a pesquisadora] e outra professora confeccionávamos as galinhas ruivas feitas com pratinhos de papelão. Após ela ter feito a pintura dos pratinhos com a cor laranja e colado as asas, ela me orientou a colar bicos, as cristas, os olhos e um rabo de penas. Em seguida, colávamos as pernas feitas com barbante (Diário de campo, 2017).

A busca das professoras era por produtos visíveis a serem expostos neste evento. Nas turmas de Eva e Clarissa, além dos brinquedos construídos com material reciclável, estavam expostos os cadernos de “Para Casa” das crianças; atividades desenvolvidas em folha A4; painéis com fotos demonstrando o desenvolvimento de alguma atividade, entre os muitos trabalhos artesanais feitos pelas crianças durante o ano.

No dia da Mostra, 5 turmas entre as 26 existentes – na EMEI naquele ano, com crianças de 0 a 5 anos – tiverem uma maior presença das crianças junto aos seus familiares: 4 turmas que, no Teatro de Arena, apresentaram coreografias de músicas; e 1 turma que confeccionou um livro de histórias e as crianças o autografaram. Já nas turmas de Eva, apesar dos muitos visitantes e dos elogios que receberam, estiveram presentes 5 familiares de crianças da turma, e na turma de Clarissa, 10 familiares. Os elogios que receberam parecia recompensá-las de algum modo, depois de intenso trabalho.

Nas duas turmas, percebemos uma maior centralidade dos adultos nas tomadas de decisões em relação ao planejamento. Quando se tratava de dar visibilidade a determinados produtos, algumas práticas das professoras demonstravam a ausência de escuta das crianças em suas demandas e necessidades. Sem dúvidas, muitas interações e brincadeiras ocorriam entre as professoras e crianças, embora estas não fossem apresentadas.

Clarissa buscava pelas atividades que favorecessem as interações não só entre as crianças da sua turma, mas também com outras como foi o passeio na turma de crianças de 1 ano no Berçário e os momentos de discoteca na sala de vídeo com as duas turma nas quais exerce docência no turno da tarde. Outra atividade foi o passeio – realizado pela EMEI – em uma grande centopeia feita de bambolês. Clarissa ia à frente segurando a cabeça da centopeia, também feita de bambolê. Em seguida, dentro de cada bambolê, amarrado um após outro, seguiam as crianças cantando ou conversando com os que encontravam. Esta brincadeira foi desenvolvida após a leitura da história de uma centopeia que conseguia fazer várias coisas com a ajuda dos amigos: nadar, voar e subir em árvores, entre outras coisas (Diário de campo, 2017).

Esta brincadeira foi apresentada por fotos em um mural feito por Clarissa e Aline. No entanto, muitas brincadeiras e interações entre as professoras e crianças ou entre crianças e crianças observadas ao longo do ano, assim como as práticas de cuidado desenvolvidas pelos

adultos, por não serem computadas como produto visível no evento Mostra Cultural, ficaram invisibilizadas. Diante da constante necessidade de produção, esta organização do trabalho refletia diretamente na relação com as crianças – ora de cuidado, ora de punições para os que infringiam as regras da turma, como veremos nos próximos tópicos: práticas de cuidado com as crianças; e, “perder a vez” como punição das crianças.

Diante do exposto, nos perguntamos: como desenvolver uma interação dialógica entre professoras e crianças de modo que a professora acolha e considere em seu planejamento o que a criança necessita? Como investir em um planejamento que considere o eixo das interações e brincadeiras? Como desenvolver uma escuta mais atenta e interessada, um olhar para o outro em ação, no caso as crianças na EI? Seria possível conciliar desejos e anseios das professoras com as expectativas das crianças? Para Buss-Simão (2012), estas questões envolvem aprendizagens por parte do adulto.

Para tanto, é preciso que o adulto aprenda o exercício da escuta e do olhar atento com intuito de compreender as crianças e as relações que elas estabelecem nas suas particularidades. Não se trata de um olhar qualquer, mas de um olhar e de uma escuta interessada e interrogativa dos modos de ser e viver constitutivos dos mundos infantis. Nesse sentido, o exercício da interrogação toma o lugar das respostas prontas sobre as vidas das crianças. Essas respostas que, por muito tempo, nortearam o fazer pedagógico na educação infantil em que as crianças eram divididas em etapas, consideradas prontas ou incompletas, maduras ou imaturas (BUSS-SIMÃO, 2012, p. 282).

Compreendemos o desenvolvimento profissional das docentes como um percurso, uma vez que estão em constante reelaboração, desde sua formação inicial, vivências cotidianas nas instituições e suas histórias de vida. Acreditamos em uma formação – inicial e continuada – que estimule as professoras a falarem de suas memórias, lembranças, numa atitude crítico-reflexiva, por meio de dinâmicas em que as aprendizagens sejam socializadas entre o conjunto de professoras na instituição, em um processo contínuo de formação.

Ainda sobre os conhecimentos já acumulados no campo da EI, sob o que se define como Pedagogia da Infância, Buss-Simão (2012) afirma que a concretude e a qualificação desses modos de fazer pedagogia só são possíveis de alcançar pelo exercício da documentação, “da observação, do planejamento, do registro, da discussão e da reflexão, em que se ‘olha’ não apenas os processos de desenvolvimento das crianças, mas também os seus

conhecimentos, as suas produções, as suas manifestações, as suas preferências, as suas interações” (BUSS-SIMÃO, 2012, p. 282).

Durante as nossas análises, consideramos que as referências profissionais para o desenvolvimento do trabalho com as crianças de 4 e 5 anos estão em construção para as professoras. Observamos que, no planejamento entre elas, a divisão do trabalho por linguagens e o foco na produção para exposição na Mostra Cultural desviavam o processo vivenciado por elas e pelas crianças, reduzindo as interações aos comandos dos adultos. Assim, o eixo das interações e brincadeiras passava para um segundo plano toda vez que as professoras davam maior ênfase à uma determinada produção final, como a Mostra ou a necessária elaboração de 3 atividades semanais a serem enviadas nos cadernos de “Para Casa” de cada uma das crianças. Diversos fatores como a fragmentação do tempo de cada uma das professoras e o receio de uma avaliação externa – principalmente por parte dos familiares das crianças ou colegas de trabalho – contribuíam para este cenário.