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As “Elites Bacharelescas” e o Problema da Formação

I. RASTREAMENTO INICIAL

1.3. Prática Judiciária no Brasil: Um Outro Mundo

1.3.2. As “Elites Bacharelescas” e o Problema da Formação

de uma cultura igualmente pouco oxigenada e, sobre o mais, resultado de um ensino em crise.201 Tal ensino vem sendo

200 (Wittgenstein, 1969: 31)

201 Nota: E m contraposição às origens da formação da sociedade brasileira, de tipo

miscigenado, tome-se por ilustração o perfil do Juiz brasileiro que é o de um home m que se diz católico, de meia idade, pertencente à classe média e valorizador menor (hedonístico) de seu status social; a dizer, o protótipo do home m burguês e m país

inserido no regime de deficiências estruturais por que atravessa a sociedade brasileira desde há muito com nítidos reflexos na vida institucional, sobretudo na prática jurídica para a salvaguarda do Direito em sua exata

compreensão e na sua correta aplicação.202 Adeodato

classifica pelo menos cinco fatores de redução da “excelência” acadêmica em nosso ensino jurídico: o baixo nível do corpo docente, o baixo nível do corpo discente, a proliferação do mercantilismo, a remuneração aviltante e a

carência de infra-estrutura material ajustável às

atividades de ensino, pesquisa e extensão.203 Todavia, de

acordo com Nogueira: “será sempre necessário que o ensino jurídico, condicionado na Academia, se processe em meio a um ambiente de discussões críticas no qual o potencial de cada um de seus agentes, seja o docente seja o discente, habite continuamente entre eles de forma a encontrar motivações à criatividade, à liberdade que eleva o espírito científico para o alto, livrando o homem do seu cativeiro diante dos próprios desejos e paixões.”204 Pois, afinal, pelo menos nos grandes centros sociais do Ocidente, de acordo com Aulis Aarnio: “La universidad es la última

fotaleza que defiende los valores fundamentales.”205

O florescimento de uma vanguarda intelectual na esfera do mundo jurídico tem sido definado por obra dos regimes de opressão que têm sucedido no Brasil, notadamente a partir da quebra constitucional de 1964. Muitos segmentos sociais têm sido garroteados e assim a Universidade. Mesmo com o advendo da redemocratização, o que se tem observado apenas formalmente, o “entulho” do passado acabou prosperando até os dias que correm. Mais do que nunca, as “elites bacharelescas” se afirmam como corroboradoras de um sistema político que já deveria ter propiciado a expansão do regime periférico colonizado por um modelo místico-dominador. Em uma conhecida pesquisa encomendada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), levada a efeito pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, de um universo de 12.847 entrevistados, somente 3.927 se dignaram a responder os questionários que lhe fora m encaminhados (Carneiro, 1996: 6). Essa omissão aponta, igualmente, para um espírito acomodatário que assume feição pusilânime, quando entra em cena algum aspecto da vida institucional de rotina que permite revelações intergrupais. As exceções, como se sabe, confir mam a regra. Também sobre o caráter estamental do Poder Judiciário na Argentina, apontando-o para um grupo social de maior prestígio econômico e intelectual, Guilhou (1989: 89).

202 Nota: O intérprete há de sempre ceder a interpretações sérias, coerentes com as

fontes do Direito e os fatos aos quais elas se reportam bem como a dimensão social de sua destinação; jamais com aquilo que se intente que elas digam. Afinal, sempre será necessário para a correta realização do jurídico que haja lei co mpatível com a realidade que ela visa disciplinar e pessoal qualificado o bastante para dar-lhe, técnica e eticamente, o enredo aplicativo programado no momento de sua edição, ou seja, a eficácia augurada socialmente.

203 (1992: 09/07). 204 (2003, 78).

de igualdades e de plena cidadania.206 Tais circunstâncias sócio-políticas acabam ofuscando gerações de juristas teoricamente capacitados à melhor compreensão e aoi exercício de seu próprio tempo.

Por causa deste quadro, foram super valorizadas as disciplinas exatas em detrimento das ciências humanas e sociais. A tecnocratização da sociedade se houve uma tônica em detrimento de sua humanização e compartilhamento. Além

disso, o mercado interno sofreu crescente

internacionalização, pelo que os problemas nacionais se afastam, em medida significativa, da cena política das profissões, transnacionalizando-se a economia, ante o que também foram alterados os regimes de competência de diversas profissões no país com graves implicações na institucionalização das carreiras jurídicas no país.207

Conforme lembra Nogueira: “As carreiras jurídicas oficiais como a de Juiz, de Membro do Ministério Público,

de Procurador Judicial Autárquico, de Professor

Universitário Autárquico, dos Auxiliares de Justiça etc., têm sofrido a dura repercussão desse processo autofágico, a

começar pelos níveis remuneratórios, crescentemente

aviltados bem como pela escassez de recursos com que se desincumbam, adequadamente, das mesmas os seus atores. Por isso se corrompem por diversas formas, praticam o nepotismo (tipo de corrupção moral) e fazem pouco caso da coisa pública, a despeito de uma retórica cínica que se instala, de regra, em seu discurso (sem assentimento no cotidiano de suas práticas). O sistema é montado para esse estado e a origem de tais desvios, pois, reside na formação jurídica inadequada em parcela significativa que vai ao encontro de uma “eticidade” sombria que povoa a personalidade desses agentes.”208 E acrescenta, citando também outros autores: “Já as carreiras jurídicas privadas como a advocacia, ou caminham largamente por entre chicanas de todo tipo ou se limitam a algumas poucas áreas realmente compensatórias sob o ponto-de-vista financeiro, a exemplo da matéria

tributária a vencer irresignações de empresários

interessados, nunca raramente, com fórmulas de sonegação fiscal e para cuja satisfação inventam ‘teses jurídicas’ descompassadas da razão, reclamam decisões judiciais açodadas (‘na perna’) para a formação da (in)certeza jurídica em torno do assunto proposto, fazendo instalar, mediante abordagens por vezes descerimoniosas, uma situação de dúvida e reticência, quando não de amizade ou temor (reverencial ou coativo), de tal grandeza que, também não

206 Nota: Por “ Elites Bacharelescas” deve-se entender o contigente de egressos das

Faculdades de Direito no país, caracterizado por uma aura de superioridade mítica estabelecida mediante brilho, pompa e circunstância, mas escassa em termos de profundidade e abrangência.

207 Nota: Sobre o assunto, ver item 1.3.9 (“ E m Tempo de Globalização” ). 208 (2003: 78, 79).

raro, chega a abalar a capacidade subjetiva do Juiz na produção do seu veredicto, tornando-se parcial, ainda que o não declare. A chamada ‘indústria das liminares’ costuma passar por esse processo medonho. Como diz Dallari com costumeiro acerto: ‘A ética e o direito passaram para plano bem inferior e o sucesso individual e social passou a ser medido exclusivamente em termos de capacidade para ganhar dinheiro e acumular bens materiais.’209 Ou como remete McCormack, fazendo crer que a dimensão do problema é ainda mais universal: ‘Em um mundo onde o tempo é dinheiro, os advogados são mestres em protelar. Nos assuntos de negócios, onde a comunicação clara é crucial, os advogados escondem-se atrás de uma linguagem misteriosa que ninguém mais conhece. Em uma sociedade onde a Justiça, em teoria pelo menos, é tida como o ideal mais elevado, os advogados estão sempre à procura de meios técnicos e por vezes dúbios de torcer a lei a seu favor.’210 A maioria, no entanto, anda a migalhar causas que talvez nem se justificassem. O curioso é que, não obstante a subversão de tal estado de coisas, muitos administram a hipótese como reserva de mercado absolutamente impensável em uma sociedade aberta, em um regime democrático autêntico no qual a representação popular resulte eficaz e não apenas retórica. Uma parcela significativa de advogados trabalha como se as ‘técnicas’ por eles inventadas constituíssem apanágio do próprio Direito que eles jamais apreenderam nas Faculdades, até porque estas não estão cumprindo a sua vocação primeira, qual seja, a de formar juristas de verdade, não ‘lobistas’, agentes prebendários que propugnam ‘demonizar’ a vida de muitos e destroçar, pela prática dissimulada de seus malefícios, o que resta de instituição jurídica.”211 E de toda decência no meio dela, arrematando que: “Um fundamento mais remoto de natureza sociológica tem produzido igual comprometimento: o espírito colonizado e colonizante presente na formação da sociedade brasileira, periférica, segmental e corporativa.”212

As assim denominadas “elites bacharelescas” traduzem, dessa forma, uma comunidade formada por “burorocratas da lei”, dificilmente de pensadores jurídicos. As exceções confirmam a regra. Essa atrofia intelectual aponta também para o estágio de subdesenvolvimento da sociedade brasileira, tida como periférica.

Neste contexto, o ensino jurídico assim como muitas outros setores da sociedade é um exercício retórico, cristalizado no “pacto da mediocridade” a produzir legiões de bacharéis nitidamente despreparados para o mercado de trabalho, ante as exigências sociais da modernidade.

209 (1994: 20/06). 210 (1987: 11) 211 (2003, 79, 80). 212 (op.cit., idem).

No contraponto e para agravar o paradoxo, refere Nogueira: “O Direito, por se tratar de instrumento de disciplina da vida social, permeia como que o universo de todo o conhecimento humano. Reúne, assim, em um sentido, uma necessária concepção enciclopédica sobre aspectos da vida humana e das demais coisas do universo, incursionando, outrossim, e inclusive, em situações de fronteira intelectual, em algum tipo de especulação metafísica até porque o seu ideário, utópico, assim também o é: a Justiça.”213 Justamente por isso, o universo dos operadores

jurídicos deveriam merecer melhor preparo, pois se apenas produzem aplicações mecânicas de algumas fontes formais do Direito, produto de preguiça mental coletiva, como poderiam

se desincumbir adequadamente dos pressupostos de

justificação e razoabilidade que lhes são modernamente

exigíveis pelo próprio Direito? Conforme esclarece

Carnelutti: “Quizá uno de los caracteres de la crisis es

precisamente este, que denominaria el desinterés por el futuro.”214

Historicamente, lembra Nogueira: “Os Cursos Jurídicos no Brasil tinham na sua fundação em São Paulo e no Recife (1827) a função de sistematizar o liberalismo e integrar o Estado Nacional elitista para o que se intentava preparar uma burocracia subserviente. Ainda no Império acentuou-se o controle do Governo Central sobre a ação do ensino

jurídico, fazendo predominar as chamadas ‘aulas-

conferência’ nas quais sequer uma mínima participação dos alunos era permitida uma vez que eles eram reduzidos à condição de meros espectadores (platéia). As salas de aula em forma de anfiteatro ainda em uso evocam essa época, ante o conjunto de formalidades permeadas ao ensino jurídico de então. Pelo lado pedagógico propriamente dito, aulas

puramente expositivas primavam pela repetitividade

escolástica dos conceitos trabalhados, mas não debatidos. O ensino, pois, era principiológico e puramente definitório. Nada a explorar e nada a descobrir; tão só atender às fórmulas de memorização impostas pelo subsistema de ensino, espécie do gênero sistema político. Tal predominância, outrossim, também não prescindia do jusnaturalismo, exceto pela influência da Escola do Recife (Tobias Barreto), precursora do positivismo jurídico nacional, o qual viria a acentuar-se na República Velha. Ainda hoje, diversos professores da Faculdade de Direito do Recife caminham por um dogmatismo cego a pretexto do argumento metodológico. Hans Kelsen, com o seu hermetismo jurídico, continua sendo seu grande ídolo teórico e de certo modo o é, quanto à descrição da estrutura das Normas Jurídicas.”215

213 (2003, 82). 214 (1989: 65, 66) 215 (2003, 83).

Entre 1930 e 1972 ocorreu no país uma massiva

proliferação de Cursos e Faculdades de Direito,

precipitando, dessa forma, bem ou mal, o acesso da classe média ao ensino jurídico.216 Esse fenômeno tem apresentado monumental incremento com o gerenciamento do neoliberalismo no Brasil desde os últimos Governos pós-revolucionários, multiplicando-se geometricamente a oferta de vagas em Cursos Jurídicos reconhecidos pelo Estado, agravando, em conseqüência, as condições do mercado de trabalho com repercussão na qualificação profissional dos bacharéis. Como se vê, a mera concorrência não assegura melhores chances ao bom desempenho das operações jurídicas como decorre das considerações econômicas do neo-liberalismo. A educação, pois, não pode ser confundida com mercadoria. Todavia, é o que se tem observado, via de regra, na construção das profissões jurídicas no Brasil, pois mesmo as mudanças que se vêm processando ao longo dos anos, inclusive na perspectiva curricular, não enredam quadros que transbordem ao assim denominado “intelectualismo de vernizagem”.217

Diante desse perfil didático-metodológico e também empresarial, concorda-se com San Tiago Dantas no pensamento segundo o qual a crise do ensino jurídico reflete um aspecto da crise do Direito e da cultura jurídica.218 Reflete, sobretudo, a crise da sociedade brasileira como grupamento periférico ainda em vias de encontrar a plenitude de sua auto-determinação política, de sua própria identidade.

Três dos mais significativos fenômenos que explicam o atual quadro de deficiências por que passa o sistema de ensino jurídico no país bem como o hipossuficiente perfil de suas “elites bacharelescas”, foram bem alinhavados por Nogueira, a saber: “(1) o de que a clientela discente das Faculdades de Direito particulares se compreende, de regra, entre pessoas de uma média faixa etária, já atuando no mercado de trabalho e que dispõe de pouco ou nenhum tempo para a pesquisa científica, limitando-se ao aprendizado básico por meio de anotações de classe e ‘apostilas’, atendendo ao Curso de Direito em períodos noturnos, preferencialmente; (2) o de que a mesma clientela, quando se trate de Faculdade de Direito manutenida pelo Poder

Público, agasalha, paradoxalmente, a mocidade,

especialmente pinçada de famílias tradicionais e abastadas, freqüentando, de regra, Cursos de Direito em períodos

216 (Rodrigues, 1988: 35)

217 (Nogueira, 2003: 84). Nota complementar: “ Intelectualismo de vernizagem” é

expressão que remete à formação de uma cultura pessoal dotada de brilho e pouca profundidade. Sobre isto, Faria reclama pela atualização dos Cursos Jurídicos no Brasil quanto às disciplinas melhor vocacionadas para o exercício crítico sobre o meio social existente. (1986: 50)

diurnos e dispondo de tempo bastante para os estudos regulares e para a pesquisa científica, porque inteiramente custeados pelos parentes (desvelam-se em manter seus filhos nos estudos, já se lhes tendo propiciado as melhores escolas – de regra, pagas - no ensino secundário, ao invés do trabalho, que ‘degrada’); (3) a saturação do mercado de trabalho para os profissionais do Direito no qual uma ‘corrida’ frenética se eleva em direção aos Concursos Públicos para carreiras jurídicas oficiais - porque as carreiras jurídicas privadas encontram-se ‘reservadas’ a pequenos clubes de ‘medalhões’ que se transferem de geração em geração -, provocando, em conseqüência, um outro desvio institucional neste campo de discussão, qual seja o aparecimento, também em profusão e de qualificação duvidosa, de ‘cursinhos’ de preparação para tais Concursos (uma fonte crescente de recursos financeiros para os seus empreendedores, de onde se pode naturalmente extrair a equação: Direito = Mercadoria).”219 Também Lyra: “Cresce o número de matrículas em Faculdades que se multiplicam.

Aplica-se a vacinação bacharelícia até noutros

profissionais civis e militares, que são, além de contadores (concorrentes n.º 1), dentistas, médicos, engenheiros, sacerdotes etc. Não faltam os rebotalhos de todas as atividades... Acumulam-se diplomas e certificados, como nunca, mas não conhecimentos. Se a elite intelectual fosse composta dos portadores de instrução superior, o Brasil seria o país mais culto do mundo, o de mais em umeroso escol, o de mais alto nível mental. ‘Funcionários e doutores’ - escreveu Tobias Monteiro. Não. Funcionários e bi ou tri-doutores. Falsa elite, falsos doutores. E pouquíssimos doutos”.220

Deste modo, falta muito a que Faculdades de Direito do tipo se transformem em autênticos Centros de Ensino e Pesquisa Jurídica.221 E de “escolas cartoriais” só se podem esperar profissionais estultos, salvo exceções. Podem, outrossim, se revelar bons profissionais de áreas diversas do conhecimento, como as do comércio, por exemplo, mediante

o penhor dissimulado e dissimulante de um grau

especializado em ciência jurídica. Por isso mesmo, de acordo com Franco Montoro: “A formação jurídica não se confunde com o simples conhecimento de leis vigentes, para a sua aplicação mecânica aos casos concretos. Essa formação legalista pode convir à figura ridícula de um João das Regras, decorador de textos e autômato na sua aplicação. A formação jurídica, objetivo fundamental do ensino do Direito, é outra coisa”.222

219 (2003: 86). 220 (1988: 46).

221 (Faria, 1995: 102).

Nesse contexto, as inteligências mais genuínas no Brasil têm fugado ao ministério, ora por expulsão ora por exoneração ou obstáculo ao seu florescimento no âmbito universitário. A mediocridade acadêmica tem triunfado, lamentavelmente, e produzem freqüentes jogos de emulação nesse meio por forma a manter o status quo. Enfim, eventuais esforços de qualificação não advém das políticas públicas, de ordinário, mas da criatividade de abnegados que ainda participam da comunidade acadêmica.

Todavia, há exceções. Exemplo de resposta a essa pauta crescente de reivindicações acadêmicas tem sido o empenho da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), de orientação confessional, ao instalar, no âmbito de seu Departamento de Ciências Jurídicas do Centro de Ciências

Sociais, toda uma infra-estrutura voltada para o

funcionamento dos já instalados “Fórum Universitário” e “Laboratório Jurídico”, mediante os quais seus discentes são instados a familiarizar-se com a prática jurídica antes de enfrentá-la, por vezes sem condições, na vida profissional.

Sem prejuízo das exceções de casos isolados que confirmam regra em sentido contrário, é dedutível que diante de todos esses fatores: “o universo acadêmico das Faculdades de Direito no Brasil esteja em crise, distante das responsabilidades que terão de enfrentar seus egressos, ávidos e legitimados à inclusão no mercado de trabalho, problema grave para o qual se exige reflexão, haja vista que as gerações que ali são formadas continuamente povoarão de algum modo os espaços sociais e políticos do país. Se bem formados é curial esperar por avanços, estabilidade das instituições públicas como também privadas, um futuro realmente promissor para um tempo igualmente de crises e perplexidades.”223 No mesmo sentido, Carvalho: “Evidente que

o reflexo na perda da atividade criativa no ambiente universitário alcança, por sua vez, de forma “maldita”, o exercício da advocacia, do ministério público e da magistratura (o Juiz nada mais é do que um ex-aluno de Faculdade de Direito que, em determinado momento de sua vida, presta concurso - às vezes um concurso mal feito). Ora, em tal contexto, o direito (não crítico) e seus atores (não criativos) perdem sua utilidade social transformadora, gerando profundo descrédito perante a população”.224

De fato: “constitui razoável certeza científica (em razão do elemento psicológico aí incluído sem disfarces) que um ensino jurídico mal conduzido e pior ainda assimilado, repercute miseravelmente no exercício das

223 (Nogueira, 2003: 91). 224 (1992: 86)

profissões de igual natureza, sejam elas oficiais sejam elas de ministério privado.”225

A má formação de um povo, dentro do que se inclui a má formação de seus profissionais, é o pressuposto clássico da hipossuficiência de uma sociedade e disso decorrem todas as crises nela geradas. 226 Com razão, Comparato: “É princípio assaz conhecido que as civilizações se mantêm em vida, em grande parte, graças à sua capacidade de formar as novas gerações de governantes. Toda vez que essa tarefa educacional entra em crise, por rigidez conservadora ou desinteresse coletivo, as civilizações declinam. Assim foi entre outros muitos exemplos, com o Império Romano a partir do século 2º e com o sistema do mandarinato chinês, a partir do século 18.”227

Finalmente, um tal espelho reflete também as técnicas de controle da qualidade profissional dos operadores jurídicos. Assim, tanto quanto mal formadas, as “elites bacharelescas” acabam sendo pouco cobradas pelo socius quanto à eficiência e ao permanente aprimoramento de seus agires. Um espaço, aliás, fecundo para o florescimento de

atividades empreendedorísticas do comércio jurídico

(“cursinhos”, “Escolas de Preparação” etc.). Com efeito: “O problema é que nada está a sugerir que uma política universitária se tenha feito instalar para recobrar de vez uma exigência tão fundamental quanto inadiável de elevação da categoria do pensamento das elites intelectuais do país.”228

Por isso, ainda Nogueira: “Enquanto as Faculdades de Direito produzem legiões de Bacharéis, candidatos à inatividade, o mercado não tem como incrementar as possibilidades de absorção dessa massa. Primeiro porque a qualidade profissional, técnica e humana, desse pessoal é, como visto, duvidosa. Segundo porque o Estado brasileiro não tem se interessado, como deveria, por iniciativas sociais próprias que alarguem o espectro das carências de pessoal de seu próprio povo. Tibiez econômica com abertura do mercado à internacionalização “globalizante” não tem parecido de bom presságio para os destinos dos países que,