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As entrevistas trazem a proximidade e o maior envolvimento com os rapazes

No documento marizaconceicaograssanolattari (páginas 69-75)

Após a realização dos grupos focais, passei a discutir com os jovens a possibilidade de realizarmos entrevistas individuais. Expliquei que poderíamos conversar individualmente sobre as questões vistas nos grupos focais. Aos jovens que não haviam participado dos encontros em grupo, eu fornecia mais detalhes desta investigação, inclusive me referindo aos temas discutidos nos encontros anteriores com seus amigos, para exemplificar. As entrevistas eram um procedimento que eu já tinha em mente desde a entrada em campo, visando aprofundar os dados, por técnicas diversas, conforme disse no início deste capítulo.

Dos 14 jovens entrevistados, tive a oportunidade de realizar três entrevistas individuais com oito jovens; três com três jovens e duas com três jovens. Alguns rapazes se mudaram no

momento das entrevistas, outro jovem teve um afastamento com o grupo e se manteve mais distante, motivo que me fez realizar menos entrevistas com alguns deles. Elas geraram a transcrição de 39 áudios que duravam de 40 a 90 minutos, em média, e foram realizados após os grupos focais, entre o final de 2014 até o meio de 2015. A idade dos jovens era mais ampla nas entrevistas, variava de 17 a 26 anos; o grupo tem essa evidência de diversidade nas idades entre eles. Os temas selecionados e utilizados nas entrevistas não foram rígidos, seguiam meus objetivos de pesquisa e, a partir deles, ia acrescentando e trazendo para as discussões outros dados relacionais que surgiam em campo. A princípio pensei que as entrevistas com os rapazes seriam todas individuais, o que nem sempre aconteceu. Algumas vezes os amigos chegavam e participavam, acrescentando informações.

Após o convite aos jovens para as entrevistas, um deles, o K, particularmente próximo a VI, me convidou para realizá-las em sua casa. Disse que eu poderia ficar à vontade lá, sem nenhum problema. Preocupei-me em não incomodar seus familiares; quando eu dizia isso, ele ria. Os amigos ouviam a minha preocupação e também não diziam nada. Tempos depois, em entrevista individual, K me disse que morava sozinho desde os 14 anos, por isso, não teria problemas que eu ficasse por lá o tempo que quisesse e ele concordasse. Neste momento da pesquisa, o jovem trabalhava cuidando da aparência dos cabelos dos amigos, cortando, o que podia incluir desenhos ou outros formatos específicos neles. Fazia também tinturas, luzes e modelava as sobrancelhas. O jovem é considerado barbeiro profissional, “mandado” nos cortes, como costumam dizer.

Os jovens investigados cortam os cabelos semanalmente e preferem fazê-lo nas quintas, sextas e sábados. Essa rotina é para estarem bem para o final de semana. Parece haver rigor no período semanal de intervalo dos cortes e nos dias escolhidos para a prática. O convite para fazer as entrevistas na casa do K me proporcionou um contato mais próximo com os rapazes que ele conhecia, além de conhecer um número maior de jovens do grupo, pois a entrada da casa ficava cheia de rapazes que chegavam e aguardavam a vez para serem atendidos. Não me pareciam ter pressa ou hora marcada, iam chegando, conversando e vendo se podiam ser atendidos. A espera parecia ser um momento para estarem juntos, conversarem, e se divertirem. A foto a seguir, tirada pelo K para eu colocar nesta pesquisa, mostra a entrada de sua casa e local onde os cuidados com a aparência, os cortes, eram realizados. Neste espaço, é colocada uma cadeira para o cliente que está sendo atendido. Há algumas latas de tintas, há pedaços de madeiras em cima delas e que servem de bancos para quem quiser sentar mais perto do barbeiro e observar o trabalho. A maior parte da rapaziada fica sentada no muro da casa, conversando, “zoando” e esperando a vez de ser atendida. A “zoada” é uma prática

recorrente e priorizada pelos jovens do grupo. Na barbearia acontece muito. Vou tratá-la com mais dados de campo e análises no capítulo sobre os acontecimentos nas amizades.

Figura 10 – Entrada da casa de K.

Fonte: K

Na barbearia do K, eu aproveitava e, quando percebia que era um bom momento, convidava os jovens para as entrevistas. Algumas vezes não precisava fazer isso, eles se interessavam em saber o que eu fazia ali e participavam espontaneamente da pesquisa. Com o N foi assim. O K também interferia e falava para os jovens participarem das entrevistas. Costumava dizer assim: “Vai lá, cara, ajuda a mulher aí!”. Alguns não se interessavam,

mesmo com a ajuda do K, que foi efetiva para este estudo. Ocorreu também de alguns jovens indicarem outros colegas para a participação na pesquisa, como o PD que, segundo eles, eu tinha que conhecer porque é “mandado”19

no passinho.

Era comum terem referências particulares quanto aos amigos e me apontar isso, como V, que dizem que sabe “chegar” e, por isso, é muito considerado; K que manda bem nos cortes; PD que dança muito; PR é “figura”, no sentido de engraçado, e gosta de ser estiloso; M gosta de brigar. Passei a levar para a barbearia do K estudos de autores que pesquisam sobre os jovens para mostrar a eles que eu fazia algo parecido com os trabalhos já realizados. Eu levava esses temas próximos a minha pesquisa e explicava aos jovens, de forma breve, do que se tratavam; mostrava as proximidades com o que eu queria tratar. Estratégia já relatada nas tentativas de entrar em campo, que eu utilizava novamente. Eu via interesse dos jovens nesse diálogo e mostrava a eles que eu propunha algo que se construía também pela escrita, e eles teriam acesso a esse material, caso quisessem. Algumas vezes, quando me chamavam, pelas redes sociais, para “brotar” lá, e eu dizia que estava trabalhando na escrita, eles diziam que eu estava demorando nesse período, que acharam que eu tinha sumido de vez. Nunca pretendi sumir de vez, mas precisava “sumir” para escrever, e esse é um processo demorado.

Observo as mudanças em minha proposta de investigação acontecendo também na forma de abordar os jovens. Antes eu dizia que queria conhecer aqueles que faziam parte de grupos, que circulavam pelas ruas de Juiz de Fora e eram chamados de “gangues”. Não os considerava da mesma forma que as mídias, mas, algumas vezes, eu usava o termo com os rapazes. Tentava mostrar-lhes como as minhas interrogações começaram e faziam parte do contexto que, inicialmente, me chamara atenção.

Depois de conhecer os jovens, passei a me apresentar como uma pesquisadora que quer conhecer e analisar questões que envolvem as particularidades de um grupo específico de rapazes que via circular em grupos numerosos pelas ruas da cidade de Juiz de Fora. Minha atenção se volta para os aspectos evidenciados pelos jovens, como os estilos das roupas, que se caracterizam pelo uso de marcas famosas. Algumas vezes são preferidas muitas marcas ao mesmo tempo, tornando-os “chamativos”, como dizem. No momento das entrevistas, eu chego a usar palavras e experiências que eles conhecem, como “chamativo”, “mandado”, sinto que estou próxima da realidade que pesquiso. Falo dos cuidados que eles têm com a aparência, que eu gostaria de saber mais sobre isso, como, por exemplo, sobre a denominação

19

“Mandado” é o jovem que tem uma habilidade que o destaca entre os demais. Essa e outras categorias como o “playboy”, o “chamativo” e o “famosinho” serão analisadas pelos usos e sentidos que revelam entre os jovens, e para este estudo.

com o uso de termos específicos para os cortes e para os recortes com desenhos que fazem nos cabelos. E sobre os vídeos preferidos, os ensaios nas ruas com o celular e, às vezes, acoplado a uma caixinha de som; os lugares por onde gostam de estar e circular, as amizades, os relacionamentos afetivos, as formas de uso do tempo e do espaço urbano, dentre outros aspectos que tenho observado e procuro ampliar nas entrevistas.

Pelo que disse acima, nos encontros com os sujeitos desta pesquisa, procuro as singularidades que envolvem a visão e a apreciação dos jovens sobre a realidade que vivem, a partir de suas práticas cotidianas, principalmente entre os amigos no bairro e com os demais sujeitos com quem convivem nos espaços da cidade. Preocupo-me em desenvolver uma investigação que trate das suas vivências, das suas socialidades, das formas de lazer e das escolhas juvenis que se refiram à organização e à apropriação do tempo e do espaço onde vivem. Acrescento o interesse pelas maneiras como esses sujeitos apresentam e representam essas experiências e, também, como se situam na cidade e nos bairros em que circulam.

Ao me aproximar dos jovens, compreendo que não só os temas acima fazem parte de suas vidas; eles fazem parte de grupos e situações que envolvem práticas de rivalidades. Eles não negam isso, falam sobre as experiências envolvidas e as escolhas que fazem nessas relações. Vejo que essas podem me levar a pensar nas relações com as brigas, os envolvimentos com as drogas e os roubos, por exemplo, que não eram minha proposta inicial, mas que passo a observar que se mostram como dados significativos em campo.

O que eu pensava, antes de me aproximar dos informantes, tomou um rumo complexo e rico. Os jovens explicam seus pontos de vista ligados às suas escolhas, mas também às vivências, às trajetórias e às condições particulares de suas existências. Vivem experiências que, sendo consideradas lícitas ou não, são relevantes em suas vidas. Como a habilidade que valorizam nas brigas, que se associa a atitudes que envolvem coragem, liderança, virilidade, dentre outros aspectos, que fazem parte da construção do ethos masculino desses jovens, onde há a dimensão de mostrar força e viver perigos que consideram como “coisas de homem”. As experiências juvenis deste grupo têm sentidos que são vividos, construídos e compartilhados entre eles, possuem implicações que serão trazidas nas análises.

Nessas vivências e articulações constantes e variadas que os jovens evidenciam são os aspectos sociais, culturais e históricos das sociedades que se associam às práticas dos jovens e se particularizam nas formas como esses sujeitos criam, dialogam e recriam seus envolvimentos. As “lógicas” de ação dos sujeitos, manifestadas nas suas diversas relações sociais cotidianas, interagem e vivenciam os sentidos e os significados, não apenas os que se encontram nas construções já estabelecidas e reconhecidas socialmente, como vistas nas

lógicas integradoras refletidas por Dubet (1996), mas nas formas como reproduzem ou ressignificam essas construções. Os jovens deste estudo compreendem e interagem em um mundo social de acordo com os sentidos que atribuem aos elementos que o compõem, com o que foi construído em suas vivências e em conhecimentos anteriores. E que podem se modificar a partir de outras elaborações particulares, mas também das mais gerais.

Não há a intenção de dissociá-los de um contexto relacional e dialógico. Tenho a clareza de que são participantes de uma sociedade que desenvolve uma dinâmica de relações e reproduções por meio de seus aspectos mais abrangentes, assim como de suas contextualizações a partir de um social que está mais próximo. Nessa dialógica, ambos se mantêm inter-relacionados em um processo constante e dinâmico, caracterizando, assim, uma abordagem das macro e microinfraestruturas nas construções e vivências dos sujeitos.

Cuido desse mundo de relações que compõe as práticas dos jovens do Mundo Novo no movimento que via acontecer entre os jovens pelas ruas por onde passam. Mas, após a entrada em campo, passei a ver outros movimentos, traduzidos nas experiências que os rapazes vivem. Experiências que passo a considerar como acontecimentos. Um dos rapazes me diz que o Mundo Novo é o mundo dos acontecimentos. Vejo que o termo e o seu sentido passam a apresentar evidências e a mudar minha proposta inicial. Antes eu queria conhecer os movimentos dos jovens nas ruas da cidade, agora entendo que a importância se volta para os acontecimentos, principalmente os construídos no bairro em que vivem.

Acontecimentos vistos quando encontram os amigos e colegas na barbearia, na “padoca”, ou quando saem juntos para “zoar”, se divertir, mostrar seus estilos, seus comportamentos e suas “marras”20

, no contexto social em que vivem, possibilitando o estudo das vivências desses sujeitos inseridos no mundo dos acontecimentos, no mundo da vida. Os acontecimentos estão articulados às elaborações dos jovens, sem que deixem de ter vínculos às movimentações que realizam. O mundo dos rapazes do Mundo Novo, com suas experiências cotidianas e os significados atribuídos a elas, é a atenção desta pesquisa. Experiências vividas e compartilhadas no existir cotidiano de um grupo de jovens.

Através da escolha pela etnografia, a ideia e a realização deste estudo acontecem pelo esforço empírico que realizo em conhecer os jovens, em querer descobrir algo mais nessa juventude, nos jovens do Mundo Novo. Saber o que eles fazem, por que e como fazem, através de uma escrita que tenha força nos detalhes, no acompanhamento constante dos jovens que realizo, para estar o mais perto possível deles. Saber e refletir sobre o que esses rapazes

20 O termo que se refere a um jeito de ser, construído pelo estilo e respeito. Revelou ser uma importante

pensam, por onde andam, como constroem vivências e estratégias em suas relações cotidianas. Sem deixar de buscar os porquês de suas interpretações e como essas perspectivas compõem sua vida social.

No documento marizaconceicaograssanolattari (páginas 69-75)