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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.8 As escolhas conceituais

O percurso teórico realizado até aqui priorizou a discussão de GRH a partir de suas fontes na teoria econômica. Não se tratou aqui de reduzir GRH a uma extensão da Economia, já que a Administração, como ciência social aplicada, também é derivada de outras áreas de conhecimento. A intenção, neste percurso, foi buscar na Economia elementos conceituais alternativos para a análise da GRH, tendo como preocupação a forma como as relações de trabalho são tratadas por ela em sentido geral e, de modo específico, no Brasil recente. Entre as principais contribuições da Economia, foram identificados o caráter sistêmico e institucional, dentro do qual as organizações estão inseridas, e também um critério mais objetivo para a tomada de decisões quanto à sua governança a partir dos custos de transação.

A ilustração a seguir sintetiza o caminho teórico percorrido até aqui dentro da Teoria Econômica. Com o risco de simplificações excessivas, mostra-se uma evolução conceitual que, partindo da Teoria Institucional, passa aos CT e, com contribuições de campos como a Teoria da Firma Baseada em Recursos e a de personnel management, convergindo à GERH.

Ilustração 2. Evolução histórica-conceitual dos temas do estudo

A necessidade de emparelhamento de expressões importantes na temática abordada no que se refere à terminologia dos autores internacionais e nacionais é algo importante. O campo de conhecimento da Economia e da Administração, florescem e se desenvolvem primeiro e principalmente nos países de economias mais desenvolvidas. A disseminação desses conhecimentos não se dá de forma automática e/ou sem questionamento.

Neste ponto, vale uma observação a respeito do pouco uso da abordagem de RI no Brasil. Para Horn et al. (2011), dois fatores combinados atuaram neste sentido. No primeiro fator, está que a experiência histórica, que deu margem ao surgimento da teoria de RI nos Estados Unidos e Inglaterra, foi muito diferente da verificada no Brasil (contam aqui a regulação exercida pelo Estado, a valorização da negociação direta entre as partes etc.). No segundo aspecto, está a formação teórica dos pesquisadores e estudiosos brasileiros, em boa parte contrária ou muito distante daquelas vigentes nos Estados Unidos, em termos conceituais e soluções normativas propostas.

Aqui se registra especialmente uma certa confusão teórica e mesmo ideológica vigente nos anos 1980 na área trabalhista brasileira, tanto em termos da pesquisa quanto em termos profissionais. Naquele período, algumas das propostas para mudanças no sistema trabalhista brasileiro, ao serem identificadas por pesquisadores e também sindicalistas com o modelo dos Estados Unidos, foram tomadas como tentativas de imposição de um sindicalismo “não político” ou “partidário”. Em termos políticos, à esquerda, isto certamente confrontava a tradição brasileira de sindicalismo com forte conexões com partidos políticos, como o PCB, o PTB e, a partir dos anos 1980, também do Partido dos Trabalhadores (PT) (Amorim & Fischer, 2015)8. Por outro lado, à direita, a resistência às RI como abordagem teórica vinha da visão econômica neoclássica que dá suporte à visão neoliberal, encara os sindicatos como algo que prejudica o livre funcionamento dos mercados e não como algo inerente ao jogo econômico e à sociedade9.

Quanto a esses dois pontos, entende-se, entretanto, que, se o enraizamento histórico das relações de trabalho tinha um peso expressivo na má avaliação teórica de RI em fins dos anos 1980, mais de três décadas depois isso já não faz tanto sentido em função da menor interferência do Estado nas negociações coletivas e mesmo da maior disseminação da negociação coletiva como algo institucionalizado no País. No que se refere ao segundo aspecto, não se prega aqui a neutralidade científica como atributo de RI ou mesmo o fim das disputas teóricas e ideológicas no período após a Queda do Muro de Berlim. Porém, destaca-se o fato de oferecer alternativas analíticas interessantes e mesmo críticas para o estudo aqui proposto.

Neste trabalho, estaremos alinhados a Fischer na adoção de “Gestão” em vez de “Administração”10

, pelo caráter “mais moderno e negociado de conduzir a relação com

8 Além disso, há que se destacar que, dentro dos marcos da Guerra Fria, entre os anos 1960 e até meados

dos anos 1990, sempre houve recursos do Departamento de Estado dos Estados Unidos para a AFL/CIO (central sindical norte-americana) destinar à cooperação sindical internacional. No caso do Brasil, esses recursos chegavam por meio do escritório do IADESIL (Instituto Americano para o Desenvolvimento do Sindicalismo Livre), em São Paulo, para difusão do modelo de sindicalismo daquele país. Ver Amorim (2007).

9 Adota-se aqui o referencial de esquerda (mais igualdade) e direita (mais liberdade) conforme

estabelecido por Bobbio (2001).

10 Em outro ponto sensível quanto à terminologia utilizada, observa-se em Fischer (2015b) uma

preocupação com relação ao largo uso no Brasil da denominação de “Gestão de Pessoas” em vez de “Administração de Recursos Humanos” ou “Gestão de Recursos Humanos”. Para também manter maior

as pessoas” na organização. Além disso, a palavra “gestão” não chega a colidir ou divergir em sentido com o termo “management”, que é predominante na literatura internacional.

Após essas escolhas de terminologia, apresenta-se a seguir um quadro com os conceitos a serem retidos para efeito de continuidade deste estudo.

conexão com a literatura internacional, será mantida a expressão “recursos humanos” como de uso preferencial neste trabalho.

Quadro 7 – Escolhas conceituais

Conceito Definição Autor

Sistema de relações industriais/sistema

de relações de trabalho

Sistema composto por atores — trabalhadores, empresas e Estado (ou agências privadas especializadas na questão do trabalho) — que coexistem em um ambiente condicionado por fatores econômicos, sociais e

tecnológicos. As regras de relacionamento do sistema são definidas por seus atores e eles mantêm-se coesos no sistema por uma ideologia (conjunto de ideias e crenças compartilhadas).

Dunlop (1972)

Sistema de relações de emprego

Configuração de estruturas, políticas, programas e práticas que as firmas adotam para demitir, desenvolver, motivar, coordenar e governar o insumo trabalho (recursos humanos), de modo a atingir as metas da organização.

Kaufman (2012)

Gestão de Recursos Humanos

Conjunto de “...atividades e processos para adquirir, coordenar e efetivar o trabalho como insumo na produção [...], determinados pelo padrão de custos de produção e transação”.

Kaufmam (2004b)

Gestão Estratégica de Recursos

Humanos

É a Gestão de Recursos Humanos operando ao longo do tempo, de modo a ter sua própria estratégica alinhada verticalmente à estratégia geral da organização e também horizontalmente no âmbito de suas políticas e práticas. Kaufman (2004b) Fischer (2015) Custos de Transação

Custos de negociar e realizar transações nas quais estão envolvidos direitos de propriedade dos atores econômicos. Podem ser custos de coordenação (monitoramento do ambiente, planejamento e negociação para decidir o que deve ser feito) e custos de motivação (de medição de performance, de oferta de incentivos, de garantia cumprimento dos acordos pelas pessoas ao seguir instruções, ou de manter comprometimento, por exemplo).

Milgrom e Roberts (1992)

Organizações (firmas)

Sistema de relacionamentos cujo uso de recursos é dependente da coordenação exercida pelo empreendedor/gestor. Relação orgânica entre agentes, efetivada por contratos explícitos (como os de trabalho) ou implícitos (parcerias formais).

Coase (1937), Saes (2009) (a partir de Coase) Coordenação (management)

Resposta interna da firma na forma de realinhamento deliberado e consciente para lidar com a sua adaptação às condições de mercado.

Williamsom (1991)

Governança

Organização das transações para economizar e salvaguardá-las simultaneamente contra a racionalidade limitada e contra os perigos do oportunismo (e não só os compromissos de maior credibilidade).

Williamson (1993)

Especificidade de ativo

Dimensão da transação relacionada à característica física, de localização, marca e/ou posicionamento no tempo do ativo transacionado.

Williamson (2002)

Hierarquia Estrutura de governança em que há ação de avaliação e deliberação dos

gerentes quanto às alternativas possíveis de ação das partes.

Milgrom e Roberts (1992) (Saes, 2009)

Mercado Estrutura de governança em que não há especificidade de ativo (ou seja,

não há exclusividade entre as partes). Saes (2009)

Racionalidade limitada

Situação em que os indivíduos operam com as informações disponíveis e com sua capacidade de compreensão circunstancial, de modo que suas tomadas de decisões são apenas as melhores possíveis para cada situação (em vez de ótimas).

Simon (1991)

Oportunismo

Comportamento que tem como pressuposto o autointeresse, mas vai além, porque considera que os agentes econômicos não procuram todas as informações, nem falam a verdade sempre e nem se comportam responsavelmente o tempo todo.

Williamson (1993)

Presença do sindicato

Verifica-se dentro do Sistema de Relações de Trabalho brasileiro, por meio de sua participação nas negociações coletivas, no grau de sindicalização dos trabalhadores de sua base e também de sua influência institucional mais ampla nas questões nacionais.

Almeida (1998) Carvalho Neto, Amorim e Fischer (2016)

O ordenamento dos conceitos no quadro procura obedecer a ordem a partir da qual serão aplicados à análise dos dados compilados no estudo, tanto na parte quantitativa quanto qualitativa. No próximo capítulo, serão apresentados os referenciais metodológicos da pesquisa realizada, assim como também a forma como eles irão se conectar com os conceitos aqui elencados.