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CAPÍTULO 3 – MAPEANDO UM CENÁRIO: CONTANDO HISTÓRIAS DA

3.3 As Faculdades de Filosofia e a Formação de professores

Em seus estudos, Núria Hanglei Cacete (2014) assinala que as Faculdades de Filosofia57 foram as primeiras instituições responsáveis pela formação de professores em nível superior, expandindo-se como instituições de caráter privado, consolidando o binômio expansão/privatização. O ensino superior brasileiro cresceu pela multiplicação do número dessas instituições e não pela ampliação dos núcleos universitários. Esse fato ratificou a tradição de escolas profissionais isoladas criadas pela pressão da sociedade, que ambicionava o alcance desse nível de ensino.

Conforme Ferreira (2012) a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Minas Gerais nasceu, em 1939, dos anseios de um grupo de professores que tinham vínculo com

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Projeto de autoria do Deputado Cícero Dumont, sancionado pelo então governador do Estado Magalhães Pinto por meio da Lei 2.615 de 24 de maio de 1962.

57“Inicialmente, duas seriam as principais funções dessa Faculdade: a formação geral, que deveria ser ampla e

aprofundada, e a formação para a pesquisa científica. Uma terceira função lhe foi atribuída posteriormente, a formação científica do professor da escola secundária. [...] A Reforma Francisco Campos para o ensino superior se aproximava desse modelo alemão de Universidade e significou, para a época, uma tentativa de dar organicidade e um caráter de universalidade ao incipiente ensino superior brasileiro. O ideal da pesquisa científica pura em um sistema tradicionalmente profissionalizante e a introdução dos estudos pedagógicos como condição para a formação de professores para a escola secundária em nível superior configuravam o ineditismo da reforma, que, entretanto, não se concretizou. Assim a ideia de uma unidade universitária especialmente voltada à formação pedagógica não se efetivou” (CACETE, 2014, p. 4).

uma instituição privada, sem qualquer apoio do poder público, desvinculada da Universidade de Minas Gerais, constituindo-se numa unidade isolada e privada.

Em Montes Claros não foi diferente... De acordo com nossos colaboradores, havia uma tensão e, em certa medida, uma pressão da sociedade, para que os professores que atuavam no ensino secundário, sem certificação para tal função, ampliassem sua formação, atendendo desse modo às imposições legais para o nível de atuação. O ensino secundário havia se democratizado e as classes médias pressionavam para o ingresso no ensino superior. Disse o professor Juvenal Caldeira Durães sobre os docentes de Matemática:

Em 1968, os professores de Matemática, sem habilitação, que já lecionavam na cidade tiveram a ideia de criar o curso de Matemática de nível superior para regularizar suas situações. Até então fazíamos os cursos da CADES58 para obtermos autorização para lecionar. Procuraram a então diretora da FAFIL, Sônia Quadros, que prontamente apoiou o grupo desde que uma comissão fosse criada para ajudar na concretização do curso.

Outros de nossos entrevistados também abordaram a questão.

Antigamente Montes Claros era muito deficiente nessa questão de professores formados. Aliás, não existia professor... [...] Não havia professores de Matemática formados em curso superior, mas eram magníficos professores. Na época, lecionavam: o professor Rametta, Juvenal, Rosa, Expedito... Havia muitos... Então esses professores eram professores leigos e a Fundação tinha interesse em profissionalizar os professores, não só de Montes Claros como, também, da região [...]. E esse curso de Matemática foi criado aqui, basicamente, para suprir a deficiência das escolas no sentido da formação profissional superior dos professores. O curso de Matemática foi criado... A primeira turma foi criada, exclusivamente, para os professores que estavam lecionando na área

(Excerto do depoimento do professor Edson Guimarães).

58 A Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES) foi criada pelo Presidente

Getúlio Vargas em 1953, com o objetivo de difundir e elevar o nível do ensino secundário. De acordo com o Decreto nº 34.638, de 14 de novembro de 1953, que a criou, a CADES visava: tornar a educação secundária mais ajustada aos interesses e possibilidades dos estudantes bem como às reais condições e necessidades do meio a que a escola serve, conferindo ao ensino secundário maior eficácia e sentido social; possibilitar a maior número de jovens brasileiros acesso à escola secundária.

Comecei, também, a lecionar na Escola Estadual Tiburtino Pena, em Francisco Sá. Nessa época, quase não havia professores licenciados, então, eles me chamaram para dar aulas de Matemática de quinta à oitava série. Os professores leigos de Matemática, que era o meu caso, de História, de Geografia, de Português se organizaram para fazer os cursos aqui em Montes Claros. Isso foi no ano de 1973 (Excerto do depoimento da

professora Dilma Silveira Mourão).

Quando o curso de Matemática foi criado, não havia Universidade próxima da região... Então, a maioria dos professores eram leigos e os que conseguiram alguma formação foi fazendo um curso fora. Essa criação vem, exatamente com esse sentido, esse propósito de habilitar os profissionais da região. A maioria deles já lecionava (Excerto do

depoimento do professor Sebastião Alves de Souza).

Destarte, podemos inferir que a criação da primeira instituição de ensino superior no norte de Minas pautou-se pelos interesses de uma elite intelectual constituída por pessoas que já tinham concluído cursos superiores em outras cidades e, ainda, por interesses de profissionais que já atuavam em instituições educacionais do município e que, naquele momento (1968), detinham prestígio social, poder político e econômico. Esses profissionais se mobilizaram, se organizaram e concretizaram o sonho de ingresso numa instituição de ensino superior com o intuito de obter, mais que formação, uma certificação para validar o exercício de sua função. Pareceu-nos também que esforço, empenho, força de vontade e um certo capital social (expresso pelo clientelismo, que era muito mais forte no momento de criação da Instituição do que na atualidade) eram suficientes para fundar uma instituição de ensino superior no período.

Nos anos de 1960, o norte de Minas foi palco de investimentos do Estado pró- melhoria de sua infraestrutura – energia, saneamento, transportes, habitação – e a região foi contemplada por políticas desenvolvimentistas do Governo Federal. Desse modo, em 1965, ela foi incorporada ao denominado “Polígono das Secas” (por possuir características climáticas e socioeconômicas semelhantes às do semiárido nordestino), e passou a ser atendida pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE59, que tinha

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A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, criada pela Lei no 3.692, de 15 de dezembro de 1959, foi uma forma de intervenção do Estado no Nordeste, com o objetivo de promover e coordenar o

como objetivo fomentar o processo de industrialização da região e reduzir as desigualdades macrorregionais. Entretanto, essa questão do desenvolvimento é controversa na visão de nossos colaboradores frente aos documentos escritos a que tivemos acesso, pois os primeiros aludem às condições de carência e os últimos definem a região como rica, conforme será abordado na próxima seção.

No relato da professora Isabel Rebello de Paula, o norte de Minas, longe dos

centros de decisão do Estado, era mal servido pelos meios de comunicação – a estrada de ferro demorou 20 anos para chegar de Corinto (1906) a Montes Claros (1926), e o asfalto de Curvelo a Montes Claros, quase 50 anos. Para uma ligação telefônica interurbana – BH, Rio ou São Paulo havia uma espera de seis a doze horas – o que dificultava as transações comerciais do algodão e da pecuária, base da economia regional da época. O norte de Minas era a parte menos conhecida do Estado. Quando estudantes em BH,

tínhamos muitas vezes de explicar a colegas “onde fica isso?”. “Isso” era Montes Claros.

Era esse o cenário da época.

Sobre essa contradição, Thompson (2002, p. 307) salienta que a linha tênue que existe entre o oral e o escrito não se caracteriza por um ser mais confiável que o outro, e que “a entrevista pode revelar a verdade que existe por trás do registro oficial. Ou, então, a divergência poderá representar dois relatos perfeitamente válidos a partir de dois pontos de vista diferentes, os quais, em conjunto, proporcionam pistas essenciais para a interpretação verdadeira”.

Na descrição de Urbino de Souza Viana (2007), por ter uma estrutura “melhor” em comparação aos outros municípios da região, Montes Claros foi escolhido como lócus privilegiado para investimentos no setor industrial, o que concorreu para o aumento de sua população urbana. Atraídos pelas oportunidades de emprego no setor industrial e pela oportunidade de melhoria de qualidade de vida, instalaram-se no município imigrantes de regiões circunvizinhas.

desenvolvimento da região. Sua instituição envolveu, antes de mais nada, a definição do espaço que seria compreendido como Nordeste e passaria a ser objeto da ação governamental: os estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e parte de Minas Gerais. Informação obtida em http://cpdoc.fgv.br Acesso em: 10 dez. 2011.