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CAPÍTULO 2 – CAMINHOS PARA A RECONSTRUÇÃO DE MUITAS HISTÓRIAS

2.2 Sobre documentos-monumentos: fontes escritas – legislação educacional e atas, jornais e

atas, jornais e periódicos

No argumento de Veyne (1982, p. 21), “[...] um acontecimento só é conhecido mediante indícios e [...] qualquer fato da vida de todos os dias é indício de algum evento [...]”. Desse modo, as fontes documentais nos remetem a acontecimentos, a construções humanas, que, na concepção de Le Goff (1984) são ‘monumentos’construídos para contar ‘uma determinada história’.

Para esse autor (idem), numa acepção tradicional, ‘monumento’ é tudo aquilo que evoca o passado e perpetua a recordação, constitui-se num legado à memória coletiva, e ‘documento’ tem o sentido de ‘prova’ histórica.

A partir da História Nova (século XX), ocorre o que Le Goff (1984, p.98) denomina ‘revolução documental’, de cunho quantitativo e qualitativo, na qual o historiador começa a “[...]fazer falar as coisas mudas [...]”, por meio da dilatação da memória escrita em dois níveis de mudanças: o nível do documento em si, através da consideração de uma diversidade de fontes, diferentes dos documentos oficiais (diplomáticos, militares, por exemplo) e o nível da introdução do computador, que possibilita o acesso a uma ampla documentação. Altera-se, desse modo, o estatuto do documento, valorizando a memória coletiva. Le Goff (idem), ainda salienta que o documento enquanto monumento precisa ser submetido a uma crítica radical, que ultrapasse a prática tradicional de ser somente uma procura pela autenticidade do mesmo. Já para os historiadores dos Annales (principiando pela primeira geração), era enfatizada a crítica em profundidade do conceito de documento. Le Goff (ibidem) cita a posição de Marc Bloch, reiterando que

[...] os documentos não aparecem, aqui ou ali, pelo efeito de um qualquer imperscrutável desígnio dos deuses [...] (eles) dependem de causas humanas que não escapam de forma alguma à análise, e os problemas postos pela sua transmissão [...] (LE GOFF, 1984, p. 101).

Nesse sentido, há a crítica ao documento enquanto monumento, produzido socialmente a partir de relações de força, de poder. Conforme Le Goff (1994), uma história global deve considerar que o documento é sempre monumento, ou seja, um esforço das sociedades para impor uma determinada imagem de si mesma. Portanto, documentos são ao mesmo tempo verdadeiros e falsos, pois, estão vestidos de intencionalidades. O argumento de que somente os documentos oficiais são fontes fidedignas não tem respaldo na historiografia atual. Conforme Veyne (1982, p. 25), “[...] a história não é senão respostas a nossas indagações [...]” e é nossa responsabilidade, como pesquisadores, problematizar o que dizem os documentos.

Portanto, Le Goff (1984) nos convida a abandonar a história linear, progressiva, e a trabalhar com a história descontínua.

Esse foi o esforço que procuramos empreender na análise do que dizem os documentos escritos relacionados a nossa pesquisa, produzidos no período de 1960 a 1990, fazendo o seu cruzamento com as narrativas a nós apresentadas.

Em nossa investigação não menosprezamos as fontes oficiais, buscando com elas construir articulações com as fontes orais. Todas as fontes foram igualmente analisadas, balizadas, “interrogadas”. Utilizamos documentos de âmbito nacional (analisamos pareceres, decretos, portarias do Ministério da Educação (MEC) e Revistas

Documenta – uma publicação do Conselho Federal de Educação), estadual (fizemos um

estudo da Carta Constitucional Estadual, de leis estaduais e pareceres do Conselho Estadual de Educação), municipal (foram lidas deliberações de conselhos) e de segmentos da instituição estudada (atas de reuniões, regimento do Conselho Universitário, relatórios de gestão, Projeto PolíticoPedagógico do Curso de Matemática, Planos de Curso e Diários do Curso de Matemática), com o intuito de identificar como as políticas públicas foram mobilizadas em prol da educação superior no tempo e espaço estudados.

Uma das potencialidades da legislação educacional como fonte está no fato de que ela é um importante instrumento para a análise das políticas educacionais, pois, evidencia a construção de identidades individuais e coletivas que encontram respaldo na lei ou que foram produzidas por ela e, também, deixa à vista conflitos passíveis de negociações. Conforme o professor e pesquisador Luciano Mendes de Faria Filho (1998), no Brasil a legislação educacional cria costumes e culturas quando deveria partir deles. Há, também, a possibilidade de interface dos campos jurídico e pedagógico, da política educacional e das práticas pedagógicas orientadas. Ou seja, há prescrições legais norteadoras das práticas nas Instituições que, em contrapartida, buscam adequar-se. Por meio da análise dos marcos legais é possível inferir sobre as intenções do Poder Público e, ainda, vislumbrar o ideário pedagógico de distintos momentos históricos.

É importante destacar que no uso desse tipo de fonte, a atribuição de sentido e a interpretação de vários aspectos vão depender das questões propostas pelo pesquisador ao documento. Na acepção de Eliane Marta Teixeira Lopes e Ana Maria de Oliveira Galvão (2010), uma fonte nunca está totalmente esgotada, pois sua análise está vinculada à questão proposta e a seu enfrentamento, bem a outras questões formuladas que auxiliarão na reescrita da história.

Destacamos ainda em nosso trabalho, o uso de jornais e periódicos: Diário

Oficial do Estado de Minas Gerais (1962), O Jornal de Montes Claros (1962) e o Diário de Montes Claros (1963), que trazem indícios para o entendimento das características

educacionais da porção nortemineira na época focalizada. Ainda que esse tipo de fonte deva ser analisado sob diferentes olhares, Antônio Nóvoa (1997) aponta sua potencialidade “ao dar voz” a distintos atores sociais – pais, professores, alunos, políticos – evidenciando seus anseios, suas desilusões e utopias, marcos do projeto educativo construído nos dois últimos séculos. Nessa operação de criação de lugares de memória, a imprensa faz escolhas sobre o que é relevante publicar, de quem, quando e como, “decidindo” sobre os valores que deverão ser materializados por meio dos jornais, e, portanto, constituir a memória de seus leitores45. As matérias veiculadas denotam interesses, compromissos e paixões, fornecendo imagens parciais e subjetivas da realidade (LUCA, 2005). De acordo com Maria Lúcia

45

Jacques Le Goff (2003) atribui à memória a apropriação de imagens e textos, fenômeno individual e psicológico, ligado ao tempo e à sua apropriação.

Pallares-Burke (1998), a imprensa periódica tomou para si a responsabilidade de mobilizar opiniões e de propagar ideias. Em nossa investigação, o trabalho com esse tipo de fonte oportunizou a análise das possibilidades, mobilizações, dificuldades, resistências e conflitos registrados no cenário investigado e, ainda, nos mostrou as proposições para esse empreendimento e a reação das pessoas diante das mesmas.