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CAPÍTULO 3 – MAPEANDO UM CENÁRIO: CONTANDO HISTÓRIAS DA

4.10 Evasão, Reprovação, Critérios de Avaliação

Sobre a questão da evasão, reprovação e critérios de avaliação utilizados no curso de Matemática, o professor Gil, referindo-se à primeira turma, declarou:

Da turma inicial, não me lembro mais quantos concluíram, mas parece que foram uns quinze ou dezesseis, mais ou menos, que conseguiram formar, dos cinquenta e

tantos... Mas, em compensação, formaram dezesseis professores com P maiúsculo. “Eu botava a mão no fogo por eles”, porque para falar a verdade, as nossas provas eram muito

mais difíceis do que as que eu fazia aqui em Belo Horizonte... (Professor Francisco Bastos

Gil).

A professora De Lourdes relembrou que:

Mais tarde, aprender matemática ficou muito difícil para os que chegavam... Penso que aquela ideia de que a matemática é difícil contribuía, um pouco, para a evasão. Na colação de grau tínhamos poucos formados. Os alunos já iniciavam o curso com o terror de que era difícil aprender matemática e muitos desistiam do curso. Alguns continuavam por causa da parte de Ciências... O curso oferecia duas opções: Ciências do 1º grau ou Matemática. Eles entravam para fazer tudo e acabavam ficando com Ciências

porque não davam conta da Matemática. Havia muita reprovação (Professora Maria de

Lourdes Ribeiro Paixão).

Conforme nossos depoentes, depois de formadas as primeiras turmas, de professores que buscavam uma certificação para uma atuação profissional já consolidada, o curso de Matemática atraiu alunos “fracos”, que desconheciam os conteúdos, e o resultado era que não conseguiam concluir o curso. Também era marcante a concepção de que o curso de Matemática era difícil, destinado a poucos. Nesse sentido, cabe trazer um trecho da narrativa do professor Edson Guimarães.

Havia um problema sério... Os novos alunos que saíram do segundo grau e ingressaram na Faculdade não tinham base nenhuma da Matemática. Tinha uns que não sabiam nem a tabuada. [...] Não podia nunca ter misturado a gente, que já era professor, com os novatos, a garotada... Todos eram alunos nossos... Tinha aluno que não sabia a tabuada quando começou... Mas o curso foi bom e a Fundação (FUNM) aprendeu muito com o próprio curso e com a responsabilidade dos professores. A evasão e as reprovações aconteciam porque os estudantes não tinham preparo... O curso era difícil... Poucas

pessoas procuravam, somente os mais afoitos... Eles diziam “Ah, eu vou fazer Matemática! Eu gosto de Matemática!”. Mas o gosto era assim entre aspas, gostava mas não sabia, não

tinha base. O curso era muito teórico. O problema era esse... Muito teórico (Professor

Edson Guimarães).

As dificuldades e o “peso” do curso de Matemática estão presentes em outros depoimentos, como os das professoras Ruth Tolentino e Dilma Silveira Mourão.

Na minha turma de 1972 começaram trinta e terminaram cinco. Na verdade, Matemática não é um curso para pessoas que não gostam de pensar, de raciocinar e que não buscam o conhecimento por si só... É um curso pesado. Você tinha que dar conta de álgebra, das derivadas... (Professora Ruth Tolentino).

Na minha turma, nós éramos cinquenta, porque era o número de acadêmicos que entrava pelo vestibular. Mas concluíram o curso somente oito. A evasão acontecia porque o curso era muito puxado. No primeiro ano, a turma se reduzia à metade e a cada ano ia diminuindo... O curso de Matemática era muito pesado. No início, em minha turma,

houve uma grande dificuldade porque havia pessoas que tinham feito o curso normal e outras o científico, que dava uma base melhor para fazer o curso de Matemática. Esses colegas nos amedrontavam dizendo que nós, que tínhamos feito o “Normal”, não daríamos conta, que não aguentaríamos, pois o curso era puxado demais para nós (Professora Dilma

Silveira Mourão).

A concepção de que a Matemática é algo muito difícil, reservado a um número pequeno de pessoas, veiculada nas narrativas de nossos colaboradores, nos remete ao conceito de distinção tratado por Bourdieu (2007), no qual as práticas culturais incentivadas pela família e pela escola “distinguem” o que será reconhecido como gosto legítimo, ou seja, o gosto e as preferências são submetidos a uma lógica interna de um determinado grupo que deseja evidenciar seu pertencimento e seu status privilegiado em relação a outro. As escolhas são modos de estabelecer distinções sociais, estratégias de marcar o lugar social e o grupo a que pertence cada indivíduo. Desse modo, alguns daqueles que concluíram o curso de Matemática da FAFIL proferem o discurso de que o curso era bom por ser difícil e conseguir formar poucas pessoas. Sobressaíam-se somente os mais inteligentes ou mais dedicados – justamente aqueles que concluíram o curso – nossos depoentes. Nas narrativas de nossos colaboradores, a evasão e a reprovação eram marcas da distinção do curso (BOURDIEU, 2007) e, consequentemente, de sua qualidade.

Um aspecto que nos chamou a atenção, no tocante à conclusão do curso de Matemática pelos estudantes, é o apresentado na Figura 22, que indica que, do ano de 1971, em que se formaram os primeirosdezesseis licenciados, até 1977, o número de graduados foi diminuindo. No ano de 1978 (quando o curso ainda era de licenciatura em Matemática), houve 17 (dezessete) concluintes. Em 1980 (quando o curso já funcionava na modalidade Ciências – 1º grau – Habilitação em Matemática), o número de concluintes foi 20 (vinte). De 1985 a 1988 (também como curso de Ciências – 1º grau – Habilitação em Matemática), o número de aprovados foi crescente, sofrendo declínio em 1989; não houve concluintes em 1990. Em uma reunião que tivemos com os professores Sebastião Alves de Souza (graduado em 1989) e Ronaldo Dias Ferreira (graduado em 1992), foi-nos explicado que o motivo de o curso de Matemática não ter graduados em 1990 pode ter sido a mudança de duração de quatro para cinco anos, ou seja, os ingressantes em 1987 só concluíram o curso

em 1991. Já o curso de Ciências – 1º grau (licenciatura curta) teve 47 (quarenta e sete) formandos em 1990.

Contudo, ao analisarmos a situação dos outros cursos de licenciatura em Geografia, História, Letras e Pedagogia, na mesma Figura 22, verificamos que também havia evasão de acadêmicos. De 150 estudantes (30 de Geografia, História, Letras e 60 de Pedagogia – vespertino e noturno) que ingressavam em cada ano, cerca de 75% concluíam os cursos. Pareceu-nos, assim, que havia, por parte dos graduados em Matemática, uma produção discursiva que reforçava a ideia do rigor, da raridade e da distinção de seu curso em relação aos outros.

Para explicar os fenômenos da evasão e da reprovação, tanto na licenciatura em Matemática quanto nas demais, levantamos algumas hipóteses. A primeira delas seria a necessidade de tempo e dedicação aos estudos: aproximadamente 90% dos estudantes eram trabalhadores durante o dia e frequentavam o curso à noite116. Outra possibilidade de explicação está no fato de alguns estudantes terem ingressado no curso sem terem afinidade com uma determinada licenciatura, apenas devido à oportunidade de obtenção de um diploma de curso superior na mesma cidade em que residiam. A realidade do curso, configurada pelos conteúdos trabalhados, metodologia usada nas aulas e critérios de avaliação, não correspondia às expectativas desses alunos.

Figura 22: Demonstrativo da Evolução da Graduação na UNIMONTES – de 1967 a 1990.

Fonte: MONTES CLAROS, Relatório de Atividades da UNIMONTES, 1990.

QUADRO III

DEMONSTRATIVO DA EVOLUÇÃO DA GRADUAÇÃO NA UNIMONTES – 1967/1990

UNIDADE CURSOS NÚMERO DE GRADUADOS

TOTAL 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 FAFIL  Ciências - - - 60 28 25 41 38 08 56 32 32 32 45 65 55 40 70 47 674  Ciências Sociais ( ) - - - - 07 09 11 - 16 26 - 13 14 16 14 27 20 30 62 32 28 31 33 27 416  Geografia 12 04 05 04 05 06 13 17 16 19 23 10 16 14 - - 24 26 - - 24 27 28 26 319  História 14 02 06 07 13 18 07 07 26 23 17 19 - 20 - - 14 14 - - 21 20 21 28 297  Letras 08 06 04 02 09 29 26 26 18 27 22 25 22 25 10 27 29 24 32 35 34 36 22 27 525  Matemática - - - - 16 04 07 12 12 08 14 17 07 20 10 09 08 18 29 30 32 32 29 - 314  Pedagogia (*) 14 06 18 14 17 11 08 54 50 72 100 103 150 76 157 141 145 140 203 164 131 135 61 56 2.026  Filosofia - - - 75 75 FADIR  Direito - - 45 25 28 26 25 50 42 58 57 59 82 68 72 72 83 50 78 61 67 61 74 74 1.257 FAMED  Medicina - - - 40 39 41 37 36 39 39 43 29 36 45 38 40 42 32 33 39 648 FADEC  Administração - - - 60 33 45 45 36 41 38 37 39 43 47 46 47 38 53 648  Ciências Contábeis - - - 11 16 25 45 37 19 34 40 25 48 41 52 40 42 54 529  Ciências Econômicas - - - 51 29 25 32 38 10 36 31 30 24 29 31 - 34 26 426 FACEART  Educação Artística - - - 33 19 29 81

UNIMONTES  UNIMONTES 48 18 78 52 95 103 97 206 279 424 373 418 490 397 432 445 499 473 602 544 563 534 504 501 8.175

TOTAL UNIMONTES 8.174

( ) CIÊNCIAS SOCIAIS: Licenciatura Bacharelado

( * ) PEDAGOGIA: Magistério 2º Grau; Supervisão Escolar 1º Grau; Orientação Educacional

Como já foi comentado, os relatos apresentados por nossos entrevistados enfatizam que o curso de Matemática era considerado pesado, e que era preciso dedicar-se muito para obter a aprovação em todas as disciplinas ao fim de cada ano. Mais um desses exemplos está na narrativa da professora Rosina Rabelo Nuzzi Ribeiro (graduada em 1977).

Quando ingressei no curso de Matemática, o objetivo do curso era uma formação para atuar na Educação Superior. O curso era muito pesado. Nós tínhamos uma formação básica para atuar como professores. O curso era de licenciatura mesmo! [...] Era um curso muito difícil, ninguém queria fazer Matemática. A cultura era muito direcionada... Era uma cultura de medo, de distância... Também, à época, achava-se que a mulher não podia fazer um curso superior... O perfil das pessoas que procuravam o curso de Matemática era de professor. No meu caso, foi uma escolha consciente.

Baseando-nos nas falas de nossos colaboradores, podemos concluir que o curso de Matemática continuou a ser considerado difícil, mesmo por alunos que o realizaram muito depois de sua criação. É o que salienta o professor Edson Crisóstomo (graduado em 1988).

Não sei se o curso de Matemática se classificaria como fácil, difícil... Enquanto critério de avaliação, ele poderia ser classificado como um curso difícil, porque nós éramos avaliados, na maioria das disciplinas, apenas com provas. Então nós tínhamos 100% das notas atribuídas por meio de provas, avaliações escritas, individuais. As Ciências Exatas têm esse critério de avaliação... Poderia ser considerado um curso difícil, também, porque era um curso em que havia muita dependência, muita reprovação... Nós tínhamos Química que era, também, uma disciplina em que havia muita reprovação, a parte de Estatística... Então... A gente tinha um rol de disciplinas que eram consideradas disciplinas pesadas, vamos usar esse termo... Em linhas gerais o curso... Se considerarmos as questões de reprovação, do nível de avaliações, era um curso difícil.

Nas narrativas dos professores que atuam, no momento presente, como docentes do curso, evidencia-se uma preocupação com o atual processo de formação de professores de Matemática na instituição que os formou e na qual lecionam, já que três deles disseram que hoje os alunos estão mais interessados em cursar a pós-graduação para poderem ser pesquisadores do que em se tornarem professores. Isso nos leva a uma

reflexão sobre a natureza do curso oferecido nos anos 1960 e 1970, pois, ao que identificamos, a intenção era certificar o professor de Matemática para atuar no que atualmente se chama educação básica, ou seja, o curso era conduzido com esse objetivo. Já entre aqueles graduados nos anos 1980 há indícios de uma tentativa de formação que aproximasse a docência e a pesquisa (verificada nos cursos de bacharelado de outras instituições).

Desse modo, assim como em todo o território brasileiro, a primeira instituição de ensino superior da região norte mineira a criar um curso de Matemática foi constituída de forma isolada, distanciada do modelo de instituição universitária, que à época tinha como objetivo primordial desenvolver a pesquisa científica (CUNHA, 2007a).

No próximo capítulo, abordaremos alguns dos elementos da cultura acadêmica do curso, focalizando fazeres pedagógicos, métodos de ensino, materiais didáticos e formas de avaliação.