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Capítulo I – A interação na infância

2. As fases da interação

Berry Brazelton (2002) delineou quatro fases distintas no desenvolvimento da interação mãe-filho que se podem descrever da seguinte maneira: controlo homeostático; prolongamento da atenção e da interação; limites experimentais e o aparecimento da autonomia.

Controlo Homeostático

A primeira tarefa para as crianças consiste em atingir o controlo dos seus sistemas de captação e de produção de energia. Elas têm de ser capazes de fechar-se ao exterior e de receber estímulos, além de controlarem os seus estados de consciência e sistemas fisiológicos. Para darem atenção aos adultos com os quais interagem, as crianças têm de dominar a actividade motora, os estados de consciência e as reações autónomas. A atenção a um estímulo proveniente de um adulto implica o controlo de todas as situações. Para atingir um estado de atenção, as crianças têm de aprender a conhecer as condições prévias que possibilitam esse acesso, assim como as que acompanham as reações comportamentais que se seguem e segundo Brazelton (1989) isto ocorre nos primeiros oito ou dez dias de vida, se for uma criança sem problemas. A tarefa dos pais, como já foi referido, consiste em aprender a refrear o bebé, a reduzir a sua captação de energia de modo a não sobrecarregar o equilíbrio

60 precário da criança. Compete-lhes igualmente aprender a adaptar as suas reações comportamentais às limitações individuais e específicas do bebé, sendo este o primeiro passo a dar, quando se aprende a cuidar de um bebé. Um sentido profundo de empatia põe a mãe em contacto com os sistemas de controlo do bebé, descrevendo uma esta vivência de seguinte modo:

Como se eu estivesse dentro do meu bebé, como se eu fosse outra vez bebé, como se eu fosse aquele bebé. Mas, quando me apercebo da competência do meu bebé, dou-me conta de que se trata mais de experimentar aquilo por que ele está a passar, para que possa controlá-lo e dar-lhe atenção. A princípio quero fazer tudo em vez dele, mas quando o observo, verifico que é muito mais importante ajudá-lo do que fazer as coisas em vez dele. Ele esforça-se muito e eu esforço-me também. É-me muito difícil não estar sempre com ele ao colo. (p.130).

Verifica-se por um lado o esforço do bebé para atingir o controlo durante este período de desorganização e por outro, a mãe debate-se com a sua sensação de separação, depressão e desorganização que se segue ao esforço máximo do parto e do nascimento, devendo ser reconfortante poder constatar a competência crescente do bebé. Quando é mostrada à mãe a NBAS10, é visível a importância que a competência do bebé tem para ela pois a sua identificação com o bebé permite-lhe levar por diante a tarefa, muitas vezes difícil, de aceitar a separação física e de ajudá-lo a ser uma pessoa diferente.

O prolongamento da atenção

As crianças podem começar a ter acesso e a utilizar os estímulos sociais para prolongar os seus estados de atenção e para incorporar sequências de mensagens mais complexas, depois de ter atingido um certo grau de controlo. Nesta fase as crianças começam a empenhar-se activamente em prolongar a interação com um adulto que é importante para elas. À medida que controlam os sistemas motor e autonómico para estarem atentas, apercebem-se da sua capacidade para dominar este processo - sorrisos, vocalizações, comportamentos faciais, estímulos motores - para assinalarem a sua recetividade e para delinearem as suas respostas. Aprendem a adaptar-se à alternância dar-receber de uma relação sincronizada, decorrendo este processo no período compreendido entre a primeira e a oitava semanas e atingindo o seu

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Escala de Avaliação Neuro-comportamental do Bebé Recém-nascido (NBAS), tem sido utilizada em todo o mundo desde 1973. Foi criada para ajudar os profissionais a julgar o estilo de reação dos bebés e consequentemente, para ajudar os pais no seu esforço de chegar até aos filhos. A sua maior utilidade é, não tanto a de um teste, mas a de um meio de revelar aos pais o comportamento dos recém-nascidos, para que eles consigam entender os bebés e aperfeiçoar desde o princípio, o trabalho que lhes está destinado (Brazelton, B.T. & Gomes –Pedro, 5º Curso Intensivo em “Touchpoints” – Cuidar e Educar dos 0 aos 5+, nos dias 22 a 26 de Setembro de 2008, na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa)

61 máximo no final do segundo mês, quando a criança sorri para os outros e emite sons. Nessa altura, cada um dos membros da dupla já conhece os elementos necessários a um sistema de interação prolongado e mutuamente compensador. E se este período é rico em aprendizagens para o bebé, também o é para a mãe, pois aprende com a criança a refazer uma nova imagem de si mesma, tendo-se iniciado já na gravidez.O lado negativo da sua ambivalência leva-a a sentir-se insegura, a questionar-se mas também alimenta a necessidade de procurar estímulos no exterior. Neste período, não há lugar para a complacência pois não só ela se volta para toda a gente que a rodeia - o marido, a mãe, um médico, uma enfermeira, os amigos, os seus pares - como também se mostra muito sensível às reações do bebé. Todas as deixas, ainda que ténues - uma reação de contentamento, a imobilização, um sorriso - funcionam para ela como recompensa. Na sua necessidade de ser compensada, continua a fazer aprendizagem dos limites, temperamento e estilo de respostas do seu bebé, mostrando-se recetiva a todo o tipo de experiências e à sabedoria tradicional.

Quando uma mãe se apercebe de que os ritmos do bebé estão subjacentes à capacidade deste para lhe dar atenção, sincroniza o seu próprio comportamento com o do bebé. Aprende a adaptar-se às suas deixas e a definir os seus tempos de resposta, a afastar-se ou abrandar ao mesmo tempo do bebé. E apercebe-se de que pode ampliar ligeiramente qualquer ato comportamental, ajudando assim o bebé a orientar-se. Quando este sorri, ela sorri mais abertamente, ensinando-lhe assim a prolongar um sorriso, quando a criança emite um som, ela acrescenta uma palavra ou gorjeio, apelando à imitação. Ao adaptar os seus ritmos e comportamentos aos bebés, penetra no seu universo e dá-lhe um incentivo para que chegue até lá e ao fazer tudo isto, começa a preencher a sua necessidade de se tornar uma mãe desejada.

Limites experimentais

Durante o terceiro e quarto mês, os adultos sensíveis pressionam as crianças até aos limites máximos apontados e dão-lhes tempo e oportunidade para que elas se apercebam de que acrescentaram outras capacidades ao seu reportório. A mãe aprendeu o seu papel, o bebé está agora apto a pô-lo à prova e agora, mãe e filho podem desenvolver jogos sequenciais de sorrisos, de vocalizações e de toques. Daniel Stern (1985) refere que através destes jogos mãe e filho aprendem a adaptar-se à intensidade um do outro, aos contornos dessa intensidade, aos ritmos e frequências temporais e a modelar o ritmo das exteriorizações comportamentais um do outro. Neste processo cada um dos intervenientes faz a aprendizagem de si próprio e dos

62 efeitos compensadores de se relacionar com o outro. Através destes “jogos” a criança tem possibilidade de explorar os seus próprios sistemas de controlo interno e de se sintonizar com o parceiro. Para a mãe, eles proporcionam a confirmação da sua capacidade para entender o filho e, em especial, para fomentar o seu desenvolvimento.

Quando a mãe e o filho estão a brincar, ambos põem à prova a sua capacidade de domínio. Para o bebé trata-se da capacidade de criar sequências de controlo e de produzir sinais e a mãe também desenvolve um sentido de controlo - não só das reações do filho como também de si própria e da sua impaciência, da sua necessidade de se retirar para o mundo dos adultos. Ela sente que está completamente disponível para o outro ser, pondo à prova a sua capacidade de educadora e de se identificar, a vários níveis, com um ser que depende dela. Os receios de inadaptação começam a desvanecer-se e quase desaparecem neste curto período lúdico. Também durante este período é frequente a mãe experimentar um sentimento renovado de amor pelos outros, amando mais profundamente o marido e a mãe. Quando começa a aperceber-se do seu poder, a depressão pós-parto começa a diluir-se e ela goza verdadeiramente a alegria de ser mãe, e é este tempo que as mães recordam mais tarde como apogeu do afeto, do enamoramento pelo seu bebé. Brazelton e Cramer (1989) alertam para o seguinte aspeto: se a interação não se tornar gratificante durante o terceiro ou quarto mês, se algumas destas experiências e jogos não têm lugar, a relação pais-filho pode correr um sério risco. A sensação de alegria neste jogo constitui o melhor sinal de uma adaptação correta.

O aparecimento da autonomia

Quando o adulto pode reconhecer e encorajar o bebé a procurar sozinho e a reagir aos estímulos sociais, do meio e aos jogos - imitando-os, procurando-os e brincando com objetos - atinge-se uma etapa fundamental. O sentimento da criança de que é competente e de que controla voluntariamente o seu meio ambiente fortalece-se. Um dos sinais mais comuns desta evolução pode observar-se em crianças entre os quatro e os cinco meses, quando estão a comer e param para olhar à sua volta e prestar atenção ao que as rodeia. Quando a mãe aceita e fomenta esta actividade, está a permitir que a autonomia do seu filho se desenvolva.

Esta fase do sistema de interação pais-filho decorre entre os quatro meses e os quatro meses e meio, depois da actividade lúdica intensa, no terceiro e quarto mês. Esta fase foi designada por Margaret Malher (1975) de “ incubação” e é acompanhada de um tipo de perceção da autonomia do bebé, quer da parte deste quer da parte da mãe. Até aqui, a mãe ou

63 o pai lideraram a interação e a maior parte dos “jogos” foram constituídos por um dos progenitores, com base nas exteriorizações do bebé.

Segundo Brazelton (2008) por volta dos quatro meses, é o bebé que lidera a escolha do jogo, com a mesma frequência dos progenitores. Nesta fase da interação, quando a autonomia desponta, a mãe torna-se repentinamente incapaz de prever o comportamento do bebé pois os sinais que ela aprendeu a reconhecer como negativos, tais como a aversão ao olhar, a omissão e o virar da cabeça, tendem a provocar-lhe um choque. Até que ela se aperceba de que esses sinais são forças, testemunhos da autonomia do bebé, tende a sentir-se desamparada. A sua ambivalência normal levá-la-á a questionar a sua própria imagem e se toma a sério a manipulação do bebé, pode sentir-se rejeitada. Durante este período, as mães que tomam conta dos seus bebés procuram o pediatra - “ Não será altura de desmamar o bebé?”, perguntam. Quando interrogadas evidenciam que o novo acesso de interesse do bebé pelo que o rodeia está a competir com o papel que elas desempenham na sua alimentação e para os pais, esta competição é um golpe. A reciprocidade intensa, as mensagens síncronas que flúem entre pais e filhos tornam-se muito importantes. Na sua necessidade de resposta, a mãe tende a redobrar os esforços para manter o bebé junto dela mas estes esforços redobrados não só recompensam a actividade lúdica do bebé como também a sobrecarregam, o que faz com que seja ainda mais importante para o bebé “ignorar” a mãe, de vez em quando. Esta rejeição pode fazer renascer na mãe velhos sentimentos de incapacidade ou de deserção que pertenciam ao passado e tanto podem levar a mãe a separar-se do bebé como obrigá-la a estar mais atenta, a ser mais sensível à necessidade que a criança tem de “tempo livre” e de espaço.

Segundo o autor, um pai ou uma mãe que não saibam tolerar a independência, ignorarão e esmagarão este sinal de desenvolvimento no bebé. Uma mãe com problemas, que esteja sob tensão - por exemplo, uma mulher só, que trabalha fora de casa e que se sente separada do seu bebé - terá dificuldade em reconhecer esta fase do desenvolvimento e precisará que a ajudem a fomentá-la. Se não o consegue, os custos futuros podem ser altos, pois o bebé terá necessidade de se rebelar ou de se afastar ainda mais. No entanto se tudo corre bem, a mãe e o pai aceitarão esta fase importante do desenvolvimento, valorizarão a autonomia crescente do filho e poderão mesmo encará-lo como um objetivo a atingir. Em termos psicanalíticos, o desenvolvimento da autoestima estará em curso.

64 A este propósito Emde, R. (1995) já havia referido que neste mesmo período, o eletroencefalograma da criança revela uma tendência para o amadurecimento. Isto assinala a capacidade crescente do cérebro da criança para armazenar dados cognitivos e afetivos. Além desta tendência, há outros sinais de que as capacidades cognitivas estão a aumentar rapidamente, como os primeiros sinais de perceção dos objetos, a que já aludimos. Esta é também a idade em que surgem os primeiros indícios de perceção dos desconhecidos, acompanhados de chamadas de atenção à mãe. Se um desconhecido se aproxima do bebé e olha para a cara dele muito depressa, o bebé desata a chorar ou a soluçar. A capacidade motora para tocar nas mãos das outras pessoas, como forma de antecipação e para apanhar objetos no ar e levá-los à boca ou brincar com eles, constitui uma verdadeira forma de fruição para o bebé, neste período. É também nesta altura que o sono noturno contribui para o amadurecimento. A maioria dos bebés começa a espreguiçar-se, num período de sono de oito horas. Aprender a dormir, a passar dos ciclos REM11 para o sono profundo, faz parte do avanço da autonomia. Todas estas capacidades cognitivas e motoras impulsionam o bebé para um nível de ajustamento totalmente novo, simultaneamente mais independente e mais aquisitivo, mas também dependente dos sólidos ensinamentos básicos fornecidos pelos pais. Embora o pai ou a mãe possam sentir-se rejeitados, também podem sentir que o bebé precisa cada vez mais deles, para lhe proporcionarem novas experiências e para confirmarem a sua competência, reforçando-a através do reconhecimento e do prazer (Brazelton e Cramer, 1989).