• Nenhum resultado encontrado

Contributos e desafios da teoria de vinculação

Capitulo II – Vinculação a aurora da ternura

3. Contributos e desafios da teoria de vinculação

Os contributos da teoria da vinculação são inúmeros, mas no âmbito desta abordagem vamos confiná-los em torno de dois aspetos relevantes. Um deles, pretende sensibilizar os profissionais que lidam com o bebé e a criança pequena, para os fenómenos da vinculação e da importância que o tema tem nos diferentes contextos que fazem parte da sua vida. A teoria da vinculação trouxe inúmeros benefícios para o aumento do conhecimento neste domínio, salientemos um dos contributos mais importantes e que tem a ver com a tomada de consciência por parte do adulto que deles cuida e atende em contexto institucional. O segundo aspeto tem a ver com a implicação da teoria na tomada de decisão ao nível da política da

118 infância. É um passo a favor da criança, pois, como bem sabemos, esta não pode escolher o que é melhor para si.

A tomada de consciência por parte do adulto

A noção de vinculação apresentada por Bowlby revolucionou as condições sobre a primeira infância. Os laços que unem o bebé e a mãe já não são tratados com base na evidência ou no mistério e as competências que permitem o seu estabelecimento são cada vez melhor analisadas. A passagem do ser limitado unicamente às funções biológicas ao indivíduo social, já não é um salto miraculoso, constrói-se com escutas e apelos trocados com a mãe, balbuciamentos do jogo de interações, abrindo à criança a via para o diálogo. As mímicas, o olhar, o sorriso, as posturas, os gestos, os contatos, a voz, ganham progressivamente sentido, tornam-se mensagens, trocam conhecimentos e emoções. A criança aprende a decifrar os estados e as interações da mãe, a distinguir as pessoas, a adaptar o seu comportamento aos objetos, desenvolvendo uma perceção integrada dos seres e das coisas, descobre que pode agir sobre uns e outros.

Montagner (1993), refere que muita confusão humana e social poderia ser evitada se os adultos tivessem mais consciência de que a criança é um ser cuja harmonia provém de dois tipos de comportamentos: “ uns presentes à nascença ou tributários dos fenómenos de maturação; os outros construídos durante as interações!” (p.83). Ambos devem ser reconhecidos e solicitados para que um ser de interação se desenvolva.

Os comportamentos de solicitação impelem e conduzem ao outro e fazem da criança um ser ativo que orienta e modifica o seu meio social. Seria importante que todas as pessoas responsáveis pelas crianças se consciencializassem profundamente e o recordassem na altura de as receber nas creches, jardins-de-infância, clínicas, hospitais, escolas, bem como nas famílias de acolhimento. Acontece com frequência, queos adultos – profissionais ou outros, quando recebem a criança dos braços dos pais ou outro familiar, não compreendem os sinais de solicitação dos bebés e ou das crianças pequenas, tal como refere Montagner (1993):

(…) quando uma criança chega a uma ou outra destas estruturas de acolhimento é frequente que ela procure ativamente o olhar da pessoa presente, incline a cabeça sobre o ombro, incline lateralmente o busto, toque na pessoa, estenda a mão em pronação, num plano oblíquo ou em supinação, vocalize de forma particular ou solicite verbalmente. É frequente que ela não obtenha resposta, por não ser ouvida, vista ou sentida, ou então, que a resposta seja mal ajustada e não conduza à interação: Um primeiro encontro que decorra segundo um tal esquema provoca muitas vezes na criança respostas que não facilitam as suas interações com os

119 adultos e com as crianças da estrutura de acolhimento: ela isola-se, chora e apresenta

comportamentos autocentrados, ou dedica-se a uma sucessão de atos de apropriação e de agressões. (p.217)

É importante a reflexão em torno desta situação dado o desconhecimento dos profissionais relativamente à existência na criança de competências diversificadas para a interação e comunicação e a intervenção dos profissionais pode ser desajustada, embora involuntária, reforçando as dificuldades que a desvinculação temporária e repetida da criança em relação à mãe e à família acarreta.

Na sua perspetiva, quando um bebé é separado da mãe, continua apto a perceber e a memorizar novas informações, pode desenvolver interações e vincular-se a outra pessoa, mesmo que isso se revele uma tarefa árdua, como é o caso dos bebés abandonados, rejeitados ou maltratados que parecem fechar-se num estado depressivo mais ou menos profundo, como aliás observaram pediatras, pedopsiquiatras e psicólogos. O importante é que os profissionais saibam que se podem reavivar as interações com um bebé de algumas semanas, apelando a todos os seus sentidos e apostando nas suas capacidades de aprendizagem.

Não existe portanto, nenhuma razão biológica, médica ou psicológica para que a interação e a vinculação não se possam estabelecer com um bebé ou com uma criança pequena, nos quais se detetou ou suspeitou de um défice ou de uma anomalia num sistema sensorial. Segundo Hubert Montagner é sempre possível alimentar os outros sistemas sensoriais do bebé desenvolvendo interações diversificadas. Damos como exemplo, o caso de um bebé que nasceu surdo, é possível desenvolver com ele interações a partir do olhar, do sorriso, das mímicas, das posturas, dos gestos, dos toques, dos odores, dos sabores e também das vocalizações e das palavras, embora, não os perceba senão imperfeitamente. O bebé pode efetivamente responder e ser iniciador de interações em todos estes registos, excetuando a palavra, como é óbvio.

Por outro lado, adultos condicionados a nível sensorial ou a nível motor podem desenvolver interações com um bebé através da utilização das capacidades que possuem. Deste modo, não há razão fundamental para que uma mãe surda ou que ouça mal não consiga alimentar interações dinâmicas com o bebé, pois pode sorrir, abanar a cabeça, tocar ou apertar a mão do filho, sentir olfativamente e ser sentida pelo bebé (Montagner, H., 1993). Felizmente pudémos verificar uma situação semelhante com uma das mães, cujo bebé integra a amostra deste trabalho, em que a interação, a relação e a vinculação estavam substancialmente

120 fortalecidas, o que vamos poder verificar no Capitulo da Análise dos Dados. Isto verifica-se também para outras anomalias sensoriais permanentes ou temporárias, tanto para os bebés como para as mães.

Um outro aspeto que iremos abordar, que embora não esteja diretamente ligado à problemática da creche, pode condicionar a interação e respetiva vinculação do bebé à mãe, agravando com isto a entrada na creche, nomeadamente no Berçário. Trata-se, pois, da necessidade de uma modificação dos comportamentos, dos hábitos e dos locais que, nas instituições, acolhem as mães para o parto:

Seria útil que essas instituições criassem, não só, sessões de preparação para o parto para grávidas, como acontece frequentemente, mas também sessões de conhecimento do bebé. Não se trata apenas de organizar conferências sobre a criança ou dar a conhecer brochuras e livros sobre a criança, mas preferencialmente de fazer com que as futuras mães vivam interações com bebés. (p.207)

Tomemos o exemplo do trabalho realizado por Berry Brazelton e da sua equipa, que ao tomar um bebé nas suas mãos, demonstra através do seu comportamento que desde os primeiros dias se encontram presentes as competências para ver, ouvir e desenvolver interações. Em Portugal, a equipa liderada pelo Professor Dr. João Gomes Pedro tem seguido esta metodologia, tanto a nível do serviço de neonatologia do Hospital de Santa Maria, bem como ministrando formação aos vários profissionais17 que lidam com o bebé e a criança pequena. Numerosas são as mães que, não sabendo como entender-se com o filho, consciencializam-se, deste modo, sem se sentirem culpabilizadas, de que podem atuar tão bem como o pediatra. Muitas já não hesitam em pegar no bebé, acariciá-lo, procurar com ele o contato olhos nos olhos e orientar o seu olhar movendo a cabeça. Elas verificam também que conseguem induzir movimentos e respostas de orientação no bebé, tendo este tipo de abordagem, a grande virtude de “despistar” logo após o nascimento dificuldades da mãe em relação ao seu bebé e vice- versa.

A ciência tem-nos revelado conhecimento cada vez mais exacto, contudo, subsiste um número enorme de questões sobre o desenvolvimento das interações e a vinculação entre o bebé e o seu meio social e que passamos a enunciar.

17 Os Cursos como Touchpoints e MBAS, são ministrados a profissionais de saúde: pediatras pedopsiquiatras, enfermeiros, terapeutas, psicólogos clínicos, e também os profissionais da educação: educadores de infância, professores e psicólogos.

121 Sobre a questão da existência dos períodos sensíveis no ser humano para a vinculação Hubert Montagner, refere: “vinculação não aparece como um fenómeno tributário de períodos sensíveis, mas como um processo dinâmico que se desenvolve dia a pós dia, em função daquilo que o bebé viveu e memorizou ao longo das interações precedentes e daquilo que vive a cada momento” (p.210).

Relativamente aos bebés prematuros sublinhamos as preocupações de Montagner (1993) quando equaciona sobre as suas competências percetivas e interativas. São pouco numerosos os estudos sobre bebés prematuros, devido, decerto, à sua fragilidade e às questões éticas que daí decorrem. Não são conhecidas especificamente quais as informações visuais, auditivas, olfativas, gustativas e táteis da mãe que podem ser descriminadas e percebidas por um bebé prematuro com este ou aquele tempo de gestação. Contudo, sabe-se que ele possui competências percetivas aos oito meses de gestação, já nesta fase a maior parte dos seus órgãos sensoriais se encontram funcionais e porque um feto com oito meses é suscetível de apresentar fenómenos de habituação e de condicionamento. Neste contexto, parece pertinente interrogarmo-nos sobre as competências interativas dos bebés prematuros: Em que idade de gestação conseguem seguir e dirigir o olhar da mãe ou de outra pessoa? Neste aspeto, serão diferentes dos bebés que, nascidos com gestação completa, têm a mesma idade cronológica? Com que idade gestacional responderão eles de forma diferente à voz da mãe, à voz de outra pessoa, às vocalizações e aos seus sorrisos? Com que idade gestacional conseguem os prematuros descriminar os odores corporais da mãe dos de outra pessoa? “Seria particularmente valioso saber como aparecem as interações entre o bebé prematuro e a mãe e em que idade cronológica vemos desenvolver o diálogo face a face” (p.210), sublinhado por Treverthen . Como se podem traduzir as separações de maior ou menor duração entre o bebé e a mãe, quando ele é colocado numa incubadora, ficando em seguida retido na clínica ou no hospital, enquanto a mãe volta para casa? Como se constrói em seguida a vinculação entre o bebé e a mãe? Também aí as instituições médicas não têm a consciência suficiente de que uma separação precoce e duradoura do bebé precoce em relação à mãe pode acarretar consequências prejudiciais não só para o desenvolvimento biológico da criança, mas também para o seu futuro relacional, afetivo e cognitivo. Montagner (1993) enfatiza que certas precauções poderiam evitar fenómenos de vinculação difícil, de não vinculação ou de desvinculação na criança e na família.

122 Por último, as relações causais que podem existir entre as características da vinculação inicial entre o bebé a mãe e as características comportamentais da criança alguns meses ou anos mais tarde. Embora se saiba que a ausência de uma vinculação inicial e as dificuldades de vinculação do bebé à mãe tem consequências evidentes no desenvolvimento corporal - nanismo, no desenvolvimento comportamental e psicológico e no desenvolvimento psicossomático do bebé - perturbações do sono, não se sabe ainda claramente quais são as suas consequências ao longo da infância e da adolescência. Por exemplo, as crianças dos 2 aos 4 anos consideradas como temperamentais, instáveis, associais, medrosas, tímidas ou agressivas devem as suas características apenas aos sistemas de interação desenvolvidos entre elas e a mãe quando eram bebés? As crianças que se remetem ao silêncio e não desenvolvem interações com os outros, ou então, se limitam a aproximações e a vocalizações não habituais ou a comportamentos estereotipados, crianças ditas prepsicóticas, psicóticas, terão construído mal a sua vinculação inicial? A este propósito, Montagner (1993), refere que é o que numerosos estudos e observações clínicas parecem evidenciar. Mas, fica por compreender em que momentos do desenvolvimento, a partir de que falhas, má vinculação à mãe, ao pai ou às outras pessoas presentes no ambiente quotidiano e através de que mecanismo a criança não se vincula ou já não se vincula, se vincula debilmente a várias pessoas e não de maneira sólida a uma delas, se desvincula progressiva e definitivamente, ou então, se desvincula para se vincular de novo e voltar a desvincular-se. “Os estudos sobre os outros sistemas de interação e de vinculação da criança, designadamente com outras crianças, começam a fornecer respostas sobre este aspeto tão dramático e penoso do sofrimento humano”. (p. 209)

Muitos outros aspetos poderiam ser abordados neste âmbito, selecionámos estes, por estarem mais diretamente ligados ao objeto do estudo.

A política da infância

Bowby, através da sua monografia - Cuidados Maternos e Saúde Mental - publicada em 1951, sob os auspícios da Organização Mundial de Saúde -OMS, trouxe uma importante contribuição para a reflexão sobre as carências maternas a que estavam expostas as crianças colocadas em instituições. Ele enfatizava a necessidade de permitir que estas crianças desenvolvessem relações de vinculação privilegiadas como os seus caregivers, avançando três noções importantes: a continuidade, a disponibilidade e a sensibilidade da resposta.

123 Desde então, e recorrendo ao exemplo de França, imensos projetos institucionais foram revistos neste sentido, não apenas nos infantários e residências de Apoio Social à Infância - Aide Sociale à L’Enfance – ASE, mas também nos serviços de apoio familiar. David, M. e Appell (1989) têm desenvolvido estudos a partir dos trabalhos de Bowby, em torno de pesquisas comuns sobre a separação e as carências maternas, assim como sobre a metodologia de observação das interações mãe-filho.

Assim, a teoria da vinculação contribui também para modificar as práticas noutros setores nomeadamente, no que diz respeito às condições de hospitalização nos serviços de pediatria, tornando-se possível e até encorajando a presença permanentemente dos pais junto do filho. O acompanhamento destes últimos, a bebés prematuros nos serviços de neonatalogia, o apoio das mães ao filho recém-nascido nas maternidades e as condições de acolhimento de crianças pequenas nas creches são outros exemplos.

No entanto, muitos esforços continuam por fazer. A teoria da vinculação, bastante difundida nos países anglo-saxonicos, só tardiamente o foi em França e numerosos trabalhos clínicos e de pesquisa pós-bowlbianos continuam ainda insuficientemente conhecidos. Acontece que as modificações das práticas são menos rápidas do que os avanços científicos e teóricos e existe uma distância considerável entre estes e a sua aplicação nas políticas da infância e da primeira infância, sem contar que algumas destas aplicações por vezes são pouco rigorosas ( Rutter e O’Connor, 1999).

Entre os projetos de reforma social que podem basear-se hoje na teoria da vinculação, salientamos o prolongamento da licença de maternidade, até aos seis meses, da facilitação da retoma da atividade profissional a tempo parcial e a licença paterna que são uma realidade que faz parte da maioria dos países da Europa. Parece igualmente necessário continuar a melhorar a qualidade dos locais de acolhimento de crianças pequenas – estabilidade do pessoal das creches, melhoria de condições de trabalho e de remuneração, melhor formação das auxiliares das creches e das amas. Ainda há a salientar um aspeto fundamental e que tem a ver com a formação inicial dos educadores de infância, segundo o estudo temático da OCDE sobre a Educação Pré-Escolar e os Cuidados para a Infância em Portugal que refere o seguinte:

(…) nota-se a falta de formação específica para os que trabalham com as crianças dos 0 aos 3 anos de idade, embora os educadores de infância, após a licenciatura, também se ocupem delas nas creches onde trabalham. As instituições que oferecem cursos especializados para a primeira infância, são responsáveis pela sua preparação.

124 Os conteúdos variam consideravelmente, porém os currículos destes cursos incluem

sempre disciplinas relacionadas com o desenvolvimento da criança. (1998, p.25)

No campo da intervenção precoce e dos cuidados, os trabalhos baseados na teoria da vinculação mostram a necessidade de despistar melhor e melhor tratar as depressões pós- natais, de apoiar melhor as mães jovens com o seu bebé e de dispor de mais unidades de hospitalização mãe-filho para as mais perturbadas. Ainda, se mencionam as situações de adoção internacional, atualmente cada vez mais numerosas, em que os pais adotivos são bastante mal apoiados e acompanhados (Rabouam, C. e Moralés-Huet, 2004).

Desafios

Cuidar e educar um bebé é sempre um desafio, independentemente dos modelos que estão subjacentes. Mas nesta perspetiva, cujo “olhar” se foca na disponibilidade, na

continuidade e na sensibilidade de resposta do adulto que tem o dever maravilhoso de ajudar

a crescer o bebé, é um verdadeiro “desafio”.

Prever e prevenir as dificuldades de vinculação é a primeira porta que é necessário abrir para reduzir as patologias não só no desenvolvimento da criança, mas também nos pais culpabilizados por uma vinculação falhada com o seu filho. Deixemos de encarar os bebés como meros organismos reduzidos ao simples funcionamento biológico cujo desenvolvimento só interessa à família. Eles são fundamentalmente seres sociais, são sujeitos que a partir da primeira vinculação tecem um sistema de laços, uma rede sólida que suporta todas as construções sociais ulteriores e que lhe permitirá adaptar-se às situações novas, complexas e imprevistas.

A forma como o bebé se vincula, como se criam interações entre ele e o seu meio, como se consolida a sua capacidade de comunicação e de aprendizagem, não são apenas questões abstratas de investigação teórica, são domínios que constituem bases de reflexão para nós, enquanto educadores. As atenções e atitudes dos principais implicados - maternidade, hospitais, creches - não se encontram ainda ajustadas e estes permanecem com frequência no desconhecimento ou indiferentes a novas descobertas. Os responsáveis políticos devem estar interessados numa melhor informação. E na elaboração de uma política ativa em favor da primeira infância, para que o bebé construa um sólido vínculo com o seu meio envolvente, é o contributo que podemos dar para que diminua o número de crianças e de adolescentes inadaptados.

125 Um outro desafio remete-nos para a reflexão em torno do papel do adulto que se ocupa profissionalmente de um bebé e ou de uma criança pequena. Golse (2007) refere que sempre que um adulto se ocupa de uma criança, estabelece-se entre eles um estilo interativo absolutamente específico deste par adulto-criança, que resulta das características próprias dos dois parceiros. “O adulto traz para a interação todas as suas capacidades de sintonia e de harmonização dos afetos, toda a sua história - nomeadamente infantil - e todo o peso da sua personalidade, mas também todo o impacto do lugar que esta criança em particular ocupa no seio do mundo representacional – daí a observação de que cada adulto se ocupa de maneira diferente de cada criança, como é evidente” (p. 295). A natureza das projeções que o adulto efetua na criança depende então em grande parte de todos estes elementos e da sua capacidade de identificação regressiva com o bebé, ou seja, com a capacidade de se manter numa ligação viva com as suas próprias partes infantis.

Por outro lado, o bebé traz para o sistema interativo a sua parte pessoal, não só através do que os autores anglo-saxónicos já chamam de “temperamento”, mas também pela competência em saber introduzir no seio das suas interações atuais alguma coisa que tenha a ver com as suas experiências precoces, quer estas experiências tenham sido vividas com o adulto que está em relação com ele atualmente, quer com outros. Enfim,

O encontro entre esse adulto e esse bebé é eminentemente específico e original e representa um espaço de narrativa no qual o adulto conta alguma coisa da sua história infantil e o bebé, simultaneamente, conta alguma coisa da sua história inicial. Cada um deles tenta provavelmente induzir no outro funcionamentos que lhe lembram os seus vividos antigos, existindo nisso uma espécie de dinâmica transferencial partilhada, a que, no entanto, cada um dos dois parceiros da interação deve saber resistir. O adulto não pode pedir ao bebé que funcione apenas segundo a imagem do bebé que ele próprio foi ou que crê ter sido - correr-se-ia então o risco de alienação constrangedora, mas o bebé não pode pedir aos adultos que encontra que funcionem apenas segundo o modelo das suas primeiras imagens. (p.298)

Significa que o adulto que se ocupa profissionalmente de uma criança tem certamente de