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Relações afetivas positivas-Modelo de Gonzalez-Mena e Eyer

Capitulo III – Propostas curriculares para creche

2. Relações afetivas positivas-Modelo de Gonzalez-Mena e Eyer

A filosofia de atendimento de Janet Gonzalez-Mena e Dianne Widmeyer Eyer (2009) enfatiza também o valor das interações com os bebés e as crianças. Segundo as autoras facilitam a construção de verdadeiras relações afetivas positivas. Estas ideias encontram-se desenvolvidas em dez princípios educacionais para a creche esquematizadas no Quadro 4.

Quadro 4 - Relações afetivas positivas

Linhas orientadoras para a creche: Curriculum of Respectful, Responsive Case and Education- da autoria de Janet Gonzalez-Mena e Dianne Widmeyer Eyer

o Envolver as crianças nas coisas que lhes dizem respeito;

o Investir em tempos de qualidade procurando estar completamente disponível para as crianças;

o Aprender a não subestimar as formas de comunicação únicas de cada criança e ensinar-lhe as suas;

o Investir em tempo e energia para construir uma pessoa “total”

o Respeitar as crianças enquanto pessoas de valor e ajudá-las a reconhecer e a lidar com os seus sentimentos;

o Ser verdadeiro nos nossos sentimentos relativamente às crianças; o Modelar os comportamentos que se pretende ensinar;

o Reconhecer os problemas como oportunidades de aprendizagem e deixar as crianças tentarem resolver as suas próprias dificuldades;

o Procurar promover a qualidade do desenvolvimento em cada fase etária, mas não apressar a criança para atingir determinados níveis de desenvolvimento;

o Construir segurança e ensinando a confiança.

Envolver as crianças nas coisas que lhes dizem respeito

Um exemplo para por em prática este princípio é a muda de fraldas, uma das muitas tarefas que se realizam durante um dia na creche. A educadora em vez de manter ocupada a criança com um brinquedo enquanto muda a fralda - o que se faz frequentemente, utiliza este momento para manter o bebé envolvido na interação, no seu próprio corpo e no que se está a passar. Este tempo é aproveitado como tempo de qualidade, porque ambos os intervenientes estão totalmente presentes e envolvidos numa mesma tarefa - a muda de fraldas pode ser um

tempo educativo por excelência.

É uma experiência altamente educativa conduzindo o bebé a focalizar a atenção, o conhecimento do corpo e a cooperação. Várias experiências como esta, permitem que este bebé desenvolva um conceito de internal working model (Bowlby, 1974) positivo, com base na interação com a educadora. O valor que a criança atribui a si própria é validado na interação com a figura adulta através de muitos gestos, tons de voz e contatos visuais, etc. A

144 criança constrói modelos do mundo e dela própria a partir dos quais interpreta os acontecimentos, constrói previsões e projetos. Neste trabalho de interiorização e representação do “eu” e de figuras de ligação são ponto-chave a noção de quão agradável ou aceitável é o “eu” aos olhos da figura adulta de ligação e a noção de acessibilidade e segurança emocional fornecida por essa figura. A criança que experiencia as principais figuras adultas como emocionalmente acessíveis e como fontes de segurança provavelmente construirá uma representação de si positiva.

Investir em tempos de qualidade procurando estar completamente disponível para as crianças

O tempo de qualidade constrói-se numa rotina diária quando a muda de fraldas, o vestir, o dar de comer se tornam ocasiões para interações diádicas íntimas. Num grupo onde o educador é responsável por várias crianças, prestar atenção a uma criança pode ser difícil a menos que os educadores se libertem uns aos outros num sistema de rotatividade, na supervisão do resto das crianças. Importa assegurar que cada educador se liberte de vez em quando da atenção dedicada a todo o grupo podendo dedicar-se à criança que no momento está a mudar, a lavar ou a dar de comer. Isto significa que pode ser permitido e mesmo encorajado que um educador se focalize numa só criança.

Damos como exemplo o que Magda Gerber (1979) designa “ tempo de qualidade em que se visa alguma coisa” – a criança e o educador estão envolvidos numa tarefa definida por este técnico, mudar as fraldas, dar de comer, lavar, vestir…entram nesta categoria. Se o educador presta atenção à criança e pede que a criança lhe preste atenção, o tempo de qualidade aumenta. Em situações coletivas como as que se vivem numa creche, estas ocasiões podem representar os verdadeiros momentos onde se estabelecem interações individualizadas, muitas vezes difíceis de obter em contexto de grupo.

Um outro tipo de “ tempo de qualidade” é o “ tempo de qualidade em que não se visa nada em especial”, mas que acontece quando os educadores estão disponíveis, sem dirigirem a ação, estando sentados perto das crianças, totalmente livres e responsivos. Estar junto dos bebés enquanto estes brincam, respondendo e não tanto iniciando a interação, descreve este tipo de “tempo de qualidade”. Muitos psicoterapeutas atestam da importância de se estar totalmente presente para outra pessoa sem se ser diretivo.

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Aprender e não subestimar as formas de comunicação únicas de cada criança e ensinar-lhe as suas

A criança comunica com o seu corpo, com as expressões faciais e com as vocalizações. É o que Brazelton (2005, p.57) enuncia num dos princípios do seu modelo “Touchpoints” - “ Utilizar o comportamento da criança como a sua linguagem”. Isto significa que a comunicação entre o bebé o adulto vai muito além das palavras.

Um programa ao nível da creche deve encorajar a ligação entre a criança e o adulto. No quadro da creche, uma das condições primordiais do bem-estar da criança reside no esforço constante para evitar modificações repetidas das pessoas que dela cuidam e por consequência, contatos superficiais e impessoais. Claro que o tamanho do grupo é importante: grupos mais pequenos associam-se a uma maior eficácia do educador e a ligações afetivas mais positivas.

Investir em tempo e energia para construir uma pessoa “total”

O desenvolvimento e aprendizagem da criança pequena efetua-se holisticamente e não de uma forma espartilhada em conteúdos ou áreas. São o dia-a-dia, as relações, as experiências, as mudas de fraldas, as refeições, o treino de controlo dos esfíncteres, o jogo, etc., que contribuem para o desenvolvimento intelectual. E estas mesmas experiências ajudam a criança a crescer física, social e emocionalmente.

Respeitar a criança enquanto pessoa de valor e ajudá-la a reconhecer e a lidar com os seus sentimentos

Respeito não é uma palavra muito usual quando utilizada com crianças pequenas. Mais vulgarmente fala-se da criança como devendo respeitar o adulto. Não há melhor maneira de ganhar o respeito das crianças por nós próprios do que modelá-lo para a criança.

O que é que quer dizer respeitar a criança? O educador antes de fazer alguma coisa explica, prepara a criança para o que se vai passar. Todos nós já observámos adultos que pegam numa criança e colocam-na numa cadeira ou andarilho sem lhe dizerem uma só palavra. Qualquer um de nós já fez isso. Este tipo de ação não respeita a criança.

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Ser verdadeiro nos nossos sentimentos relativamente às crianças

Autenticidade passa por procurarmos estar continuamente conscientes dos nossos sentimentos e comunicá-los de uma forma adequada à criança, sem a carregar ou culpabilizar como causa do nosso mal-estar: não se trata de comunicar à criança que é “má”, mas de comunicar que certos comportamentos são inaceitáveis.

Modelar os comportamentos que se pretende ensinar

Os educadores funcionam como modelos de comportamentos, aceitáveis tanto para as crianças como para os adultos. Como bons exemplos temos a cooperação, respeito, autenticidade e comunicação, entre outros. Há que prestar atenção à forma como este princípio atua numa situação mais difícil, como quando a agressividade está envolvida.

Reconhecer os problemas como oportunidades de aprendizagem e deixar as crianças tentarem resolver as suas próprias dificuldades

O educador dá espaço à criança no sentido de esta não só poder escolher atividades, expressar sentimentos e ideias, experimentar, como também, lhe confere oportunidade para negociar, resolver problemas e conflitos.

Construir segurança e ensinando a confiança

Para que a criança aprenda a confiar, necessita de poder contar com adultos confiáveis. Necessita de saber que as suas necessidades serão satisfeitas dentro de um período de tempo razoável. Necessita de contar com adultos que respondam às necessidades e que simultaneamente ofereçam força e apoio, que não a enganem.

Procurar promover a qualidade do desenvolvimento em cada fase etária, mas não apressar a criança para atingir determinados níveis de desenvolvimento

Cada criança tem um relógio interno que determina o momento de gatinhar, sentar, andar, falar, etc. O modo como os educadores podem ajudar no desenvolvimento é encorajando cada

147 criança a realizar as coisas que lhes interessam. O que conta nesta idade é a aprendizagem e não o ensino. A aprendizagem importante surge quando o bebé está pronto e não quando os adultos decidem.

Confiar na criança como melhor indicador do que é mais favorável ao seu próprio desenvolvimento, oferecendo-lhe o máximo de possibilidades e acompanhando-a no seu jogo, estando atento às suas dificuldades, desafiando-a e facilitando a sua autonomia parece ser a melhor forma de promover o seu desenvolvimento e bem-estar.