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Capítulo I – A interação na infância

1. O processo da interação

Brazelton e a sua equipa têm-se empenhado na pesquisa da interação pais-filho, enfatizando a ideia que uma interação tem de ser encarada como um processo, com ciclos de envolvimento e de afastamento. Dentro de cada ciclo, o comportamento pode ser qualificado intrusivo, recíproco, empático ou violador. Ou seja, em cada período, o mesmo

54 comportamento tem significados diferentes: por exemplo, uma interação pode repartir-se em períodos de iniciação, de regulação, de manutenção e de acabamento. Enquadrados nestas fases específicas da interação - assim como as reações emocionais de cada participante - os comportamentos adquirem um significado difuso. Vários comportamentos do progenitor podem ser encarados como um só estímulo e diversos comportamentos da criança podem encerrar uma só resposta, pois quando os comportamentos singulares se agregam, os padrões de comportamento e de resposta começam a ganhar significado.

O modelo de Brazelton assume influência mútua, ou seja, um membro age e modela o outro, mas outro também age sobre ele e também o modela. Cada um dos membros armazena uma memória ou a expectativa de que o outro modele as suas reações. Todas as diferenças individuais das crianças afetam os pais, cuja história e fantasia determinam a sua capacidade para serem modeladas e para reagir.

A interação na sua dimensão comunicadora também foi estudada. O comportamento pode ser encarado como um sinal que determina a reação do parceiro: as expressões faciais, o modo de brincar, o tom de voz podem ser utilizados como indicadores por cada uma das partes. A intensidade da demonstração do afecto possui um valor comunicativo e segundo o autor, estas mensagens têm duas componentes: a componente de satisfação e a componente reguladora (Brazelton, 2002). A satisfação tem como ponto de referência um acontecimento ou um objecto e assemelha-se ao que Watzlawick, Beavin e Jackson (1967) chamam “relato”. A componente reguladora contém informações sobre a aceitação, a rejeição ou a modificação do estado atual da interação pelo comunicante, sendo uma “meta comunicação”- uma comunicação sobre outra comunicação (Brazelton & Sparrow, 2005).

A comunicação não-verbal exige um nível de controlo na criança que se sobrepõe aos sistemas neuro-motor e psicofisiológico. As crianças têm de conseguir estar atentas e dar muita atenção aos estímulos cognitivos e afetivos vindos do exterior e ao mesmo tempo, têm de conhecer-se o suficiente para não serem sobrecarregados por estímulos externos. O sistema nervoso central à medida que se desenvolve, encaminha as crianças para o domínio de si próprias e do seu mundo e quando atingem um determinado nível de controlo, procuram uma espécie de homeostasia até que o sistema nervoso as leve a atingir o nível seguinte. O equilíbrio interno está sempre a ser perturbado por um novo impulso que se cria à medida que o sistema nervoso amadurece. A maturação do sistema nervoso, acompanhada de uma

55 diversidade crescente de capacidades, leva as crianças a reorganizar os seus sistemas de controlo. A cada passo, os pais têm também de reajustar-se, descobrindo uma nova e mais adequada forma de atingirem o seu objetivo (Gomes-Pedro, 2005).

Esta regeneração recíproca, com base num sistema mutuamente regulado, parece continuar a ser bem captada pelo conceito de cibernética. No seio de um ciclo de regeneração contínuo, destacam-se as duplas mãe-filho e pai-filho, assim como a tríade mãe-pai-filho (Tronick, E. Cohn &Shea, E. 1986). O bebé aprende a sincronizar-se, assim como a distinguir cada um dos parceiros e estes, por sua vez, aprendem com o bebé. Cada descontinuidade ocorrida no sistema favorece a diferenciação e a individualização de cada membro da tríade. Com a reorganização, cada um dos membros atinge a sensação de equilíbrio e retoma a sincronização.

As fontes de energia

Segundo Yogman et al (1986) existem duas fontes de energia que alimentam a maturação preciosa deste sistema de regeneração e círculos que se fecham ao completar-se um desempenho antecipado, afetam o bebé. Ora, a antecipação gera energia - a perceção pré- consciente de que o passo está dado constitui uma recompensa gratificante. Deste modo, a criança em desenvolvimento tem uma sensação de domínio, libertando energia que a encaminha para a conquista seguinte.

Em simultâneo, o contexto em que está inserida, se lhe é favorável, alimenta o seu desenvolvimento e realça todas as suas experiências. Se o bebé diz “ooh” por exemplo, os pais dizem “está bem”. Depois de um terceiro “ooh” têm tendência a exclamar “és mesmo um amor!”. Cada vocalização da criança é reforçada por uma resposta encorajadora. Não só os pais reconhecem e aprovam os novos sinais como aliados ao reforço positivo, estes sinais constituem fontes de energia para as crianças e levam-nas a ir ao encontro das expectativas dos adultos. Quando uma criança faz “ooh!” um dos pais pode acrescentar “muito bem!” e deste modo, os pais estão a dar um reforço positivo à criança e criam um novo objetivo.

Em condições ideais, Brazelton (2004) enfatiza que estas duas fontes de energia, interna e externa, equilibram-se e fornecem a energia suficiente para o desenvolvimento futuro. A experiência da criança de cada uma destas fontes alia-se a um reconhecimento prévio de

56 domínio, a uma sensação crescente de competência. Esta representação interna aliada à absorção cerrada de informação, proporciona um avanço enorme no controlo do sistema nervoso central e autonómico, constitui um elemento precursor do reconhecimento emocional e cognitivo da competência, contribuindo para o desenvolvimento da autoestima da criança.

O autor refere que, quando tudo corre bem para as crianças, cada nova ação bem sucedida proporciona esta dupla recompensa. Contudo, os atributos genéticos determinam o tipo de sistemas regeneradores internos e externos que estão disponíveis e quando um desses sistemas apresenta deficiências, o controlo da criança sobre os estados afetivos e cognitivos pode revelar anomalias. Isto verifica-se quando: uma criança, por várias razões, não reage a determinados estímulos; ou quando possui uma estreita margem para absorver os estímulos e é dominada por eles. Se o meio ambiente também não fornece respostas adequadas à criança - sejam elas insuficientes ou exageradas - as interações não serão compensadoras. Quando o erro é consistente, a criança pode não evoluir em certas direções críticas e fechar-se em si mesma, tornando-se apática ou mesmo não conseguir prosperar.

A criança e os objetos

O sistema regulador subjacente à atenção aos objetos foi definido pela primeira vez por T.G. Bower (1969), Jerome Bruner (1969) e Colwyn Trevarthan (1977), segundo Bruner (1985) quando concluíram sobre os comportamentos inerentes à atividade precoce de alcançar os objetos. Estudaram crianças atentas a um objeto que se encontrava ao seu alcance - 25-30 centímetros à sua frente, na linha do meio - e constataram que quando as crianças observam um objeto, todo o seu comportamento reflete uma atenção intensa e arrebatada. Não só se concentram no objeto que lhes é apresentado de uma forma evidente e previsível, como também todo o seu corpo reage de modo apropriado e previsível a esse objeto. Segundo Brazelton (1989), o comportamento descrito é mais evidente por volta das 12-16 semanas, mas pode observar-se numa criança com 4 semanas, muito antes desta conseguir agarrar num objeto.

A criança e os pais

Para estes autores, o contraste entre o comportamento e a atenção de uma criança perante um objeto e perante os pais pode detetar-se ao fim das primeiras quatro semanas de vida. Contudo Piaget (1977) refere que a expectativa criada pela interação com um objeto estático, por oposição à interação com uma pessoa que reage, é muito diferente. O que é surpreendente

57 é o fato dessa expetativa se refletir tão cedo no comportamento da criança e na sua capacidade de atenção. Quando as crianças interagem com as mães, parece desenvolver-se um ciclo de atenção a que se segue um de dispersão - um ciclo utilizado por cada um dos parceiros quando um deles se aproxima e depois se afasta, aguardando a reação do outro. Neste ciclo, os estímulos que controlam a frequência de respostas de cada parceiro são constituídos por sequências de comportamentos e não por comportamentos isolados. Um sorriso, só por si, não produz necessariamente outro sorriso e o mesmo acontece com a vocalização. Mas, se eles estiverem associados a outros comportamentos, a possibilidade de se obterem reações semelhantes aumenta consideravelmente. Para compreendermos quais as sequências de comportamento que determinam outras sequências no parceiro, temos de entender também o grau de vinculação existente entre ambos. Por outras palavras, a força da interação determina o significado do comportamento do parceiro. Se a mãe reage de uma maneira, aumenta a energia de interação; se reage de outra maneira, a criança pode afastar-se e o mesmo se aplica às reações da mãe face ao comportamento da criança. As previsões do comportamento interativo são, assim, muito mais complexas do que as da atenção de uma criança perante aos objetos. Brazelton et al. (1974) realizaram várias experiências, representando graficamente as características da interação mãe-filho em diversos períodos de tempo: de 16 e de 5 segundos. Verificou-se que a capacidade da interação para modelar o comportamento de cada um dos participantes pode ser observada a diversos níveis. Tomando o facto do bebé olhar ou não para a mãe como forma de medir a alternância atenção -distração, num minuto de interação, apurou-se uma média de 4,4 ciclos de atenção e de aparente distração. Não só os intervalos entre os períodos de atenção e de distração eram maiores do que os verificados com os objetos, como também são mais regulares quando a atenção à mãe aumenta, atinge o seu máximo e depois diminui gradualmente. Tanto o aumento como a diminuição da atenção são graduais e, em geral, processam-se a um ritmo lento e regular. A sensibilidade à capacidade de atenção e à necessidade – total ou parcial – de afastamento da criança, após um período de atenção à sua pessoa, parece ser a técnica mais eficaz da mãe para manter uma interação. Ciclos curtos de atenção e de distração parecem estar subjacentes a todos os períodos de interação prolongada. Embora o bebé pareça estar permanentemente atento à mãe, a análise

stop frame (Brazelton, 1986), revela a natureza cíclica da alternância olhar-não-olhar. Ao

afastar o olhar, as crianças mantêm um certo controlo sobre a quantidade de estímulos que recebem durante períodos intensos de interação.

58 Este ritmo de atenção-distração é segundo Brazelton et al (1978) fundamental para o modelo homeostático. As mães têm de detetar e respeitar a necessidade de controlo que isto implica, caso contrário estarão a sobrecarregar o sistema psicofisiológico imaturo dos filhos e estes terão de proteger-se a si próprios, abstraindo-se completamente da mãe. No seio desta configuração ritmada e coerente, mãe e filho podem introduzir os elementos mutáveis de comunicação: sorrisos, vocalizações, posturas e sinais táteis. Estes podem ser permutados, consoante a vontade de cada um, desde que se mantenha a sua estrutura rítmica. As diferenças individuais de ritmo desta estrutura estabelecem os limites e a mãe tem então a oportunidade de adaptar o seu ritmo, de acordo com esses limites. Se acelera o seu ritmo, pode reduzir o nível de comunicação do bebé, se o abranda, pode esperar um nível superior de envolvimento e de comportamento comunicativo da parte do bebé (Stern, D. (1995). O modo como utiliza o seu ritmo para influenciar a reação do bebé constitui talvez a base para que este aprenda a controlar os seus próprios sistemas. Como o nível de estimulação varia pouco, o bebé aprende a desenvolver este autocontrolo básico.

Por outro lado, a mãe aprende sobre si mesma e sobre o seu papel. As mães têm de aprender a manter uma base reguladora calma, sem sobrecarregarem o bebé com demasiados estímulos e a reduzir o seu fluxo para se sincronizarem com a necessidade dos bebés se afastarem e se controlarem a si mesmos. Em cada fase, a mãe aprende muito sobre o processo de educar um filho.

A mãe, o pai, o bebé, a interação e suas diferenças

Segundo Nugent, K. & Brazelton (2011), as diferenças entre a interação mãe-filho e pai- filho são aparentes, mesmo nas primeiras semanas de vida do bebé, sendo essas diferenças, em grande parte, qualitativas. O pai tende mais a entrar em jogos pesados e estimulantes - empurra o bebé e toca-lhe, aumentando a excitação deste. A reação de um bebé ao ouvir a voz do pai, ao reconhecer a sua cara e outros estímulos, consistirá em erguer os ombros, como se fosse lançar-se sobre ele. O bebé começa por observar atentamente o pai, depois ri-se, grita de entusiasmo e em seguida recolhe-se rapidamente, antes de encetar outro período de atenção. As interações de uma criança com o pai, em contraste com a mãe, caracterizam-se por um ritmo de picos mais altos e de períodos mais longos de recuperação. Estas diferenças mantêm- se estáveis ao longo do tempo e registam-se em sequências comportamentais previsíveis. Elas indicam ao adulto (mãe/pai/avós/educadores…) que a criança o reconhece e espera um certo tipo de resposta, sugerindo também diversas posturas da parte do adulto. Por exemplo, nos

59 comportamentos interactivos, a mãe fornece um invólucro e o pai uma base da qual pode surgir a brincadeira. A estabilidade destes padrões implica igualmente a necessidade da criança prever as reações que o pai e a mãe vão ter. Dois conjuntos diferentes de respostas enriquecerão a expectativa da criança perante o que a rodeia, em termos cognitivos e afetivos.

O pai aprende o seu papel à medida que vai contactando com o bebé e o mesmo sucede com a mãe. Ele ajusta o seu comportamento e os seus ritmos aos do bebé e mede a sua capacidade para reagir e para educar a criança. Os comportamentos especiais para ele fazem- no sentir-se importante e sossegam-no acerca do seu papel. Um pai responsável desenvolve o mesmo conjunto de fases que a mãe, e ambos aprendem muito sobre o seu papel de educadores ao reagirem aos estímulos não verbais do bebé.