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AS FASES DO EVENTO COMUNICATIVO INSTITUCIONAL

No documento priscilafernandessantanna (páginas 71-76)

Excerto 10- “Quinta-feira da semana que vem? O que a senhora acha?”

3. CONSIDERAÇÕES SOBRE A ATIVIDADE COMUNICATIVA:

3.4 AS FASES DO EVENTO COMUNICATIVO INSTITUCIONAL

Assim como discutido na seção em que se descreve a entrevista como um gênero, faz-se relevante retomar o entendimento de que as práticas sociais de linguagem, a partir de uma perspectiva Bakhitiniana, apresentam formas relativamente estáveis em sua realização. Essa assertiva dialoga com os apontamentos de Ten Have (1999) – no âmbito da Análise da Conversa – a respeito dos formatos mais ou menos genéricos das interações, os quais são construídos situadamente no acontecer interacional. De acordo com Ten Have (1999), esses formatos são estruturas sequenciais da atividade de fala.

O autor vai, por meio de suas colocações, ao encontro de Drew e Heritage (1992) e da discussão estabelecida por eles quanto à “organização estrutural global”21 das interações. Tal estrutura é um dos fatores que marcam a distinção

entre as interações cotidianas e as interações institucionais. Segundo Heritage (2013), as interações institucionais apresentam formatos específicos – ou fases - construídos com base em sequências fundamentais que permitem a percepção de como os participantes se orientam em função das ações de seu interlocutor, ou seja, apresentam o caráter de monitoramento e de coconstrução das ações.

Embora não sejam estanques e rígidas, as fases são elementos importantes para a compreensão de um dado encontro comunicativo, visto que sinalizam a qualidade das ações dos participantes. Nesse sentido, um estudo sistemático sobre as fases de uma atividade de fala institucional, tal como a atividade de pré- mediação, pode auxiliar os profissionais envolvidos nessa tarefa a compreenderem, orientarem e monitorarem tanto as suas ações como as dos participantes, a fim de que a atividade possa cumprir seus objetivos.

Em estudos interacionais sobre a organização da interação institucional, encontramos discussões importantes a respeito das entrevistas clínicas. Clark e Mishler (2001), em um trabalho que descreve interações médico-paciente, analisam como residentes gerenciam e interferem nas narrativas de seus pacientes e como essas interferências através de determinadas estruturas discursivas, podem facilitar ou não a atividade de consulta médica.

Os autores afirmam, de forma crítica, que a entrevista, pautada em um modelo clínico tradicional, apresenta uma estrutura rígida, sendo constituída, predominantemente, por perguntas do tipo sim ou não. Clark e Mishler (2001) transparecem, com isso, que essa rigidez na estrutura do evento está atrelada à necessidade de manutenção da “voz da medicina”, visto que as perguntas realizadas pelos médicos tendem a restringir às respostas dos pacientes, fazendo com que eles se limitem ao papel de respondentes. As ações corretivas, aquelas que demandam repetições e reformulações por parte dos clínicos, são ações despreferidas nesse tipo de entrevista.

Esse modelo de entrevista clínica foi bastante discutido por Mishler (1984, 1986, 1992), que trouxe à tona o caráter de coconstrução das narrativas, ressignificando o papel do médico nesse tipo de atividade. O autor enfatiza em seus estudos a necessidade da escuta ativa como um recurso para a construção do diagnóstico clínico. Argumenta, ainda, que o discurso que constitui a atividade entrevista clínica é contextual e construído tanto pelo médico como pelo paciente.

Diante disso, no que se refere à organização do encontro e ao papel do médico nessa interação, Mishler (1992, 1995) afirma que as entrevistas médicas se estruturam em função de algumas ações médicas, a saber: pedidos de confirmação, explicação e informação. Tais ações são dispostas em fases do encontro e organizadas em pares adjacentes de pergunta e resposta. A tese de Mishler é, portanto, de que as estruturas discursivas podem favorecer ou dificultar a narrativa dos participantes e, consequentemente, a elaboração de diagnósticos eficazes e ancorados às necessidades dos pacientes.

Nesse sentido, os trabalhos de Clark e Mishler (2001) e Mishler (1992, 1995) demonstram a importância do relato da sintomatologia da doença do paciente. Eles ressaltam que uma estratégia eficiente na interação médico-paciente é a retomada e progressão do que está sendo narrado pelo paciente na pergunta do médico. Os autores enfatizam o fato de ser necessário dar atenção à fase da consulta médica voltada para a narrativa do paciente. Eles afirmam que a história do paciente é realizada em um contexto específico de pedidos e detalhamentos e, portanto, deve ser reconhecida como um esforço coconstruído para dar sentido a um problema dentro de um contexto de acontecimentos.

As colocações dos autores vão ao encontro da perspectiva adotada nesta pesquisa no que se refere às fases da entrevista de pré-mediação. Em defesa de um tipo de mediação mais humanista em que se valoriza o que o outro tem a dizer sobre suas questões, entende-se que o tipo de atividade pré-mediação deve ser construído considerando os objetivos institucionais da atividade, mas, sobretudo, acolhendo as demandas dos participantes da interação.

Ainda quanto ao campo médico, Heritage e Maynard (2006) afirmam, em consonância a Mishler, que os atendimentos médicos possuem uma estrutura rígida. De acordo com os autores, essa estrutura vem sendo reproduzida nas faculdades de Medicina ao longo do mundo como sendo um modelo a ser utilizado nas consultas médicas. Tal modelo se organiza, de acordo com o esquema reproduzido no Quadro04.

Quadro 04– Esquema padrão da consulta médica

Fases Organização

1ª fase Abertura

2ª fase Apresentação do problema

3ª fase Tomada do histórico e exame físico 4ª fase Diagnóstico

5ª fase Recomendação do tratamento 6ª fase Encerramento

Fonte: Reproduzido de Heritage e Maynard (2006, p.8).

Pereira (2010) apresenta a análise de cinco manuais do campo médico- psiquiátrico, buscando compreender a agenda clínica diante de suas regras e seu enquadre institucional. Como forma de delimitar o escopo de sua discussão, a autora refere-se ao trabalho de Swales (1990). O autor, também, inserido nos estudos sobre consulta médica, afirma que os gêneros discursivos apresentam características estáveis, porém não fixas; reconhecidas pelos participantes. Nesse sentido, postulou uma estrutura que resume o formato de uma consulta médica, a qual denominou de SOAP (SWALES, 1990, apud PEREIRA, 2010, p. 684).

S = subjetivo – o paciente descreve os sintomas;

O = objetivo – como os sintomas são interpretados pelo médico; A = análise – o médico analisa os sintomas com vistas ao diagnóstico; P = prescrição – o médico prescreve o tratamento adequado.

Diante das identificações dos manuais médicos, bem como considerando a noção de Estoque de Conhecimento Interacional22, Pereira (2010), ao contrastar

diferentes manuais do campo médico, discute que, basicamente, a estrutura da consulta médica é formada pelas ações de descrever sintomas, analisar dos sintomas e prescrever o tratamento. Contudo, segundo a autora, essas etapas da consulta podem ser compreendidas e realizadas a partir de diferentes concepções teóricas do médico. Em referência ao trabalho de Peräkylä e Vehviläinen (2003), Pereira (2010) afirma que o modelo de medicina centrada no médico e o de medicina centrada na doença geram paradigmas distintos de trabalho no campo médico, o que, por sua vez, influência na estrutura da consulta médica. Dessa forma, a análise dos roteiros prescritos nos manuais profissionais mostra-se relevante. Segundo ela,

Em virtude do importante papel que a entrevista ocupa na atividade da clínica, uma reflexão sobre os roteiros é fundamental, uma vez que é a partir dessas diferentes orientações que os médicos se comportarão discursivamente durante a entrevista. É necessário, portanto, que eles conheçam esses roteiros, e saibam avaliá-los para que essas orientações possam contribuir com esses profissionais em sua prática clínica, com vistas à compreensão do outro, atendendo aquele que busca um alívio para o sofrimento mental (PEREIRA, 2010, p. 701).

O exposto pelos autores demonstra a relevância do estudo das fases, principalmente, porque, por meio desse estudo, é possível compreender o paradigma teórico do profissional que desempenha sua profissão. No caso da mediação, embora os manuais apontem princípios da mediação e do mediador, não encontramos, muito provavelmente por conta do pouco tempo de institucionalização da atividade e devido ao modelo de solução de problemas ser o mais difundido no país, manuais que discutam as etapas das entrevistas de pré-mediação.

Desse modo, nosso objetivo, com a proposição de uma divisão de fases para o tipo de atividade entrevista de pré-mediação é contribuir com a profissão e com os sujeitos para além dos entrevistados (GUBRIUM; HOSLTEIN, 2001). Ou seja, é levar

22 Estoques de Conhecimento Interacional – Stocks of Interactional Knowledge – são os modelos normativos oriundos do conhecimento tácito de uma comunidade de profissionais acerca da realização de uma dada profissão (PERÄKYlÄ; VEHVILÄINEN, 2003).

ao profissional da mediação o conhecimento linguístico-interacional, a fim de que ele possa ressignificar ou validar suas estratégias profissionais, contribuindo para o bom andamento da atividade profissional em estudo.

Embora as a análise das fases do tipo de atividade em estudo seja de nosso interesse como pesquisadores, e não uma necessidade declarada pelos profissionais de mediação, acreditamos, tendo em vista o momento em que a mediação se encontra em nosso país, que esta proposta de análise possa favorecer a compreensão da atividade profissional como um todo, a partir de uma perspectiva interacional pautada em dados reais de fala-em-interação.

No próximo capítulo, apresentamos as ferramentas teóricas que nos auxiliam a compreender os fenômenos que emergem das entrevistas analisadas nesta pesquisa.

No documento priscilafernandessantanna (páginas 71-76)