• Nenhum resultado encontrado

CONTRIBUIÇÕES DA ANÁLISE DA CONVERSA

No documento priscilafernandessantanna (páginas 77-80)

Excerto 10- “Quinta-feira da semana que vem? O que a senhora acha?”

4. FERRAMENTAS DE ANÁLISE

4.1 CONTRIBUIÇÕES DA ANÁLISE DA CONVERSA

A ACE, conforme Loder e Garcez (2004) e Gago (2005), teve o ponto de partida nas contribuições da Sociologia norte-americana (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, [1974] 2003) e na Etnometodologia (GARFINKEL, 1967), na década de 1960, no contexto da Sociologia norte-americana. Alicerçou sua base nos trabalhos do sociólogo norte-americano Harold Garfinkel, fundador da Etnometodologia, e nas ideias de Harvey Sacks, Emanuel Schegloff e Gail Jefferson, autores hoje considerados da “primeira geração” em ACE (cf. LERNER, 1995).

No Brasil, a ACE encontra-se, majoritariamente, ligada à linguística, tendo pouca expressão em sociologia. Diante dessas observações iniciais, apresentamos, nesta seção, uma discussão mínima e necessária a respeito dos postulados básicos da ACE, para entendermos sua base conceitual e manejarmos a análise dos dados23. Contudo, os postulados da ACE são cotejados em outras seções deste

trabalho, considerando a perspectiva de fala-em-interação privilegiada ao longo dos demais capítulos teóricos e, principalmente, na análise dos dados.

A ACE assume que a linguagem é fundadora da vida em sociedade, já que é por ela que as pessoas interagem. Dessa forma, admitimos que a conversa é

23 Ver Loder e Jung (2008), para uma introdução gerale Casson, Atkinson e Drew (1979), para uma aplicação ao direito.

fundamental na constituição do mundo social, uma vez que, através dela, as mais práticas tarefas cotidianas são realizadas, tais como ir ao teatro, participar de uma reunião de trabalho, assistir a uma palestra, interagir com amigos, conversar com familiares, entre outras (COULON, 1995; GAGO, 2005).

É principalmente na organização sequencial da fala-em-interação que se centram os estudos da ACE, cujo objetivo é evidenciar os métodos pelos quais os atores atualizam as regras sociais e descrever a organização das estruturas de padrões de ação presentes na interação social. Um exemplo seria a realização de uma ação do tipo “o que você vai fazer hoje?” como uma forma preparatória para a realização de um convite. Esse tipo de comportamento e outros podem ser observados sistematicamente nas interações sociais, tornando-se estruturas de ação social que podem ser analisadas, já que essas estruturas estão organizadas em uma sequência de ações.

A ACE pode ser, segundo Heritage (1985), resumida a três princípios básicos. O primeiro é o de que a interação social é organizada estruturalmente, sendo sua estrutura parte essencial da competência social dos falantes. O segundo princípio básico da ACE nos informa que há uma ação projetando para o “contexto adjacente imediatamente anterior, na fala do próximo falante, um espaço relevante para um determinado tipo de contribuição conversacional”, ou seja, que a ação verbal dos participantes é duplamente contextualizada (GAGO, 2005, p. 63).

Como terceiro princípio básico, podemos dizer que, na ACE, toda a afirmação sobre a ação social precisa ser pautada em dados empíricos, uma vez que é necessário observar o mundo para depois formular uma teoria e não encaixar uma teoria estabelecida aos fenômenos sociais existentes, como se essa relação fosse modelar. Acredita-se que os dados de fala-em-interação mostram propriedades sistemáticas e organizadas representativas dos participantes.

Diante da relevância da conversa para a compreensão do mundo social, 14 (quatorze) fatos gerais aparentes observados em uma conversa cotidiana foram postulados por Sacks, Schegloff e Jefferson ([1974], 2003), sendo elaborada, então, uma sistemática elementar para a organização da tomada de turnos para a

conversa. Os autores descreveram um conjunto de regras que governam tanto a construção quanto a tomada de turnos24.

De acordo com Sacks, Schegloff e Jefferson ([1974], 2003), a conversa é sustentada e desenvolvida, pelos participantes e coparticipantes ratificados, no turno-a-turno, orientada pelo princípio da ACE da sequencialidade das ações. Esse princípio estabelece que as ações subsequentes umas às outras são regidas pelas possibilidades retrospectivas-prospectivas. Ou seja, as ações, ao mesmo tempo em que se organizam em relação ao que foi dito no turno anterior, são preparadas com base no turno em curso e projetam uma ação para o próximo turno, que é duplamente contextualizado.

Ademais, Sacks, Schegloff e Jefferson ([1974], 2003) afirmam que a organização social da fala, mais do considerar questões de adequação ao interlocutor, objetivo comunicativo e código linguístico, realiza-se no conjunto das microações face a face coconstruídas e monitoradas pelos participantes de uma interação. Nesse sentido, o estudo da tomada de turnos torna-se essencial. Segundo os autores, a tomada de turnos ocorre em lugares relevantes de transição. Os participantes compreendem que o falante em curso encerra o seu turno ou, pelo menos, a sua unidade de construção de turno para que, seguindo algumas regras de alocação, possam começar a falar ou possam deixar o falante corrente continuar falando.

O turno conversacional ou turno de fala é considerado o organizador dos jatos de linguagem em uso no discurso oral. Em poucas palavras, os turnos representam a vez de cada um ter a palavra na fala (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON [1974], 2003).

No que se refere à especificidade dos turnos conversacionais, é importante destacar que as unidades de fala concretas que ocupam os turnos são as unidades de construção de turno, as UCTs (GAGO, 2005, p. 64). Essas, conforme dito anteriormente, podem ser de tipos diferentes: 1) lexical, composta de uma só palavra; 2) sintagmática, correspondente à ideia de sintagma (nominal, verbal, entre outras); 3) clausal, cuja característica é possuir um único núcleo verbal; e 4) sentencial, com mais de um núcleo verbal. As UCTs são sobremaneira significativas

24 Ver Sacks, Schegloff e Jefferson (1974) ou a tradução para o português em Sacks, Schegloff e Jefferson(2003) para um conhecimento mais aprofundado da sistemática elementar para a organização da tomada de turnos para a conversa.

para os participantes da interação devido ao princípio da projetabilidade acima descrito.

Ainda em relação aos turnos de fala, Schegloff (2007) afirma que essa base da fala-em-interação deve ser compreendida considerando as ações em curso, e não a topicalidade da conversa. Segundo o autor, os grupos de ação devem ser pensados em função dos “cursos de ação” dispostos em uma trajetória.

Outro conceito fundamental para a ACE é o de pares adjacentes, a organização básica de conversa. São exemplos de pares adjacentes sequências de ações verbais como: “oi/oi” (cumprimentos); “obrigado/de nada” (agradecimento e resposta); “aceita?/aceito” (convite e aceitação), entre outras.

Um par adjacente é constituído por uma sequência discursiva mínima de dois enunciados, produzidos por falantes diferentes e posicionados adjacentemente. Eles podem ser classificados em primeira parte do par (PPP) e segunda parte do par (SPP). Existe uma regra de relevância condicional quanto à organização da PPP e da SPP, segundo a qual “não é qualquer SPP que pode seguir uma PPP” (GAGO, 2005, p. 64). Isso porque, de acordo com a produção passível de reconhecimento na finalização de uma PPP, o próximo falante – quando selecionado – deve produzir uma SPP do mesmo tipo de par. Ou seja, não é qualquer SPP que pode seguir uma PPP; não se pode oferecer em reposta a um convite ("você aceita um café") um cumprimento (“oi”). Um par adjacente forma uma sequência mínima, não expandida. Podemos observar, no que se refere à organização dos pares adjacentes, que a sequência conversacional mínima de duas elocuções pode ser expandida quando uma SSP não se realiza imediatamente após a SPP.

A seguir, passamos para a seção que discorre sobre os estudos de (re)formulação, tão caros à tarefa do mediador.

No documento priscilafernandessantanna (páginas 77-80)