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A MEDIAÇÃO EM VARA DE FAMÍLIA

No documento priscilafernandessantanna (páginas 36-40)

Excerto 10- “Quinta-feira da semana que vem? O que a senhora acha?”

2. A MEDIAÇÃO BRASILEIRA E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O

2.3 A MEDIAÇÃO EM VARA DE FAMÍLIA

Conforme foi possível perceber no breve histórico apresentado sobre a mediação no Brasil, os meios alternativos de resolução de conflitos vêm se fortalecendo como mecanismos de auxílio para a desobstrução do sistema judiciário e, principalmente, para a mudança de enquadramento da intervenção da força estatal na vida do cidadão. Nesse último aspecto, considerando o aspecto pedagógico das formas alternativas de resolução de disputas, sobretudo da mediação, tendo em vista o seu caráter dialógico e pouco interventivo; discute-se, neste trabalho, a relevância da mediação para a Vara de Família. Para tanto, apresentamos como esse tema é tratado no novo Código de Processo Civil (CPC), Lei nº. 13.105/2016, bem como dialogamos com os estudos de Águida Arruda Barbosa (2014), pesquisadora da mediação familiar.

No CPC (BRASIL, 2016), mais especificamente, no capítulo X, que circunda as questões pertinentes à Vara de Família, observa-se no art. 694, o segundo artigo do capítulo em destaque, a seguinte orientação:

Art. 694. Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação.

Parágrafo único. A requerimento das partes, o juiz pode determinar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem à mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar (BRASIL, 2016, p. 135, grifo nosso).

No documento que regulamenta as normas dos processos judiciais civis brasileiros, observamos o entendimento de que, em Vara de Família,devem-se buscar os recursos multidisciplinares necessários para auxiliar o cidadão que busca a justiça para lidar com questões de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação. Essas questões envolvem, para além de investimentos financeiros e materiais; expectativas, projetos de vida, emoções, afetos e sentimentos de pessoas. Dessa forma, a Lei brasileira compreende ser necessário o esforço para a solução consensual das controvérsias dessa natureza, incentivando a mediação e a conciliação.

Além disso, a Lei prevê a suspensão do processo, para que as partes possam buscar auxílio multidisciplinar; o que entendemos ser a tarefa de psicólogos, assistentes sociais e profissionais da área terapêutica, tendo em vista as habilidades desses profissionais para lidarem com relações continuadas.

Também no CPC (BRASIL, 2016) está estabelecido que, para a realização de um trabalho consensual de resolução de conflitos, o número de sessões de mediação ou de conciliação pode variar de acordo com as necessidades dos processos. Entende-se, por detrás das letras legais, a proposta de uma mediação transformadora, ou senão, de uma mediação que busque os reais motivos de um dado conflito, para que ele seja, verdadeiramente, solucionado pelos próprios interessados em resolvê-lo, como observa-se abaixo:

Art. 696. A audiência de mediação e conciliação poderá dividir-se em tantas sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução consensual, sem prejuízo de providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito (BRASIL, 2016, p. 136).

No texto legal do CPC (BRASIL, 2016), assim como no texto da Lei da Mediação, há referências à mediação e à conciliação, sem que sejam tratadas suas devidas distinções. Contudo, a partir da análise das especificidades das duas formas alternativas de contendas e do que foi exposto no documento em destaque, nota-se que o tipo de mecanismo alternativo de resolução de conflito que mais se aproxima do apresentado no CPC (BRASIL, 2016), no capítulo que discorre sobre a Vara de Família, é a mediação.

Percebe-se, portanto, que o CPC, Lei nº. 13.105, em vigor desde março de 2016, é mais um mecanismo de fortalecimento dos meios alternativos de resolução de controvérsias, como ferramenta necessária para a atual sociedade brasileira. Mais do que isso, compreende-se, por meio deste documento, a relevância do tratamento mais cuidadoso das questões familiares, tal como nos sugere, também, Barbosa (2014).

A respeito da distinção conceitual entre mediação e conciliação, a pesquisadora afirma que a sociedade brasileira precisa, com urgência, compreender que mediação e conciliação não são sinônimas, visto que o seu tratamento como formas equivalentes de resolução de conflitos tem impactado negativamente no fazer da mediação familiar.

Desse modo, na conciliação, segundo a autora, o foco está, inteiramente, na direção do litígio, ou seja, nas questões delimitadas no âmbito do processo, não importando as causas que levaram os querelantes a uma situação litigiosa nem os efeitos que a resolução estritamente formal pode provocar na vida dessas pessoas. Diante dessa premissa, Barbosa (2014) assim define o conceito de conciliação:

A conciliação é a reorganização lógica, no tocante aos direitos que cada parte acredita ter, polarizando-os, eliminando os pontos incontroversos, para delimitar o conflito, e, com técnicas de convencimento, o conciliador visa corrigir as percepções recíprocas, uma aproximação das partes em um espaço concreto. Por isso, a atividade do conciliador opera-se com sugestões de arranjos possíveis para que possam pôr fim à relação conflituosa. O objetivo da conciliação é a celebração do acordo, visando à liberação do constrangimento decorrente da relação litigiosa (BARBOSA, 2014, p. 11).

Segundo Barbosa (2014), a conciliação e seu enfoque na resolução do conflito aparente (o conflito exposto no texto de um processo) gerou, nos processos da Vara de Família, cuja característica principal é a continuidade das relações afetivas dos participantes, a reincidência desses litígios no judiciário. Segundo a autora, isso pode ser percebido por meio do número exorbitante de processos de execução de alimentos de incapazes.

Após essa reflexão, a partir das diferenças entre a mediação e a conciliação, a autora constrói o conceito de mediação defendido por ela e ao qual nos alinhamos neste trabalho:

[...] esta [a mediação] atua no nascedouro do conflito, portanto, não visa ao acordo, mas a compreensão da forma de comunicação reinante entre os conflitantes. O fundamento teórico da mediação é singular, pois tem linguagem própria, que não comporta julgamento e exclusão, mas, compreensão e inclusão. Eis a essência da diferença entre os dois institutos em exame. Trata-se de uma dinâmica fundamentada na intersubjetividade. Portanto, dada a complexidade do conhecimento teórico da mediação, ela não pode ser reduzida a um meio alternativo de solução de controvérsias, próprio da conciliação. A mediação visa à comunicação entre pessoas, com técnicas adequadas para promover a escuta mútua dos protagonistas, o que pode resultar no reconhecimento de seus respectivos sofrimentos, criando espaço para uma nova dinâmica (BARBOSA, 2014, p. 11, grifos nossos).

Destacamos dois pontos referentes à definição apresentada por Barbosa muito caros a esta pesquisa, principalmente no que tange ao caso de mediação familiar aqui analisado. Primeiramente, ressaltamos que a mediação atua na transformação da comunicação entre os sujeitos em conflito, e não na busca por um acordo. Tal premissa questiona o atual modelo de mediação adotado no sistema judiciário brasileiro, bem como as justificativas oferecidas quanto à criação de câmaras de mediação por exemplo, voltadas para minimização da morosidade da justiça. Sim, sabemos que há pressa para que os direitos dos sujeitos sejam restabelecidos; contudo, a mediação propõe-se à prevenção de conflitos, o que é extremamente necessário em relações contínuas, especialmente envolvendo crianças.

O segundo ponto por nós destacado refere-se à parte final da definição de Barbosa (2014). Segunda ela, o caráter de favorecimento na comunicação entre os sujeitos em conflito exige técnicas adequadas a fim de propiciar o entendimento mútuo entre as partes. Tais estratégias propiciam o exercício da alteridade e da empatia, tão difícil quando pessoas se confrontam por questões subjetivas, tais como a criação de filhos e a desvinculação afetiva.

Nesse sentido, entendemos a proposta de identificação das fases da entrevista de pré-mediação, com a respectiva análise dos discursos pertinentes a cada fase, como um meio de localizar e/ou refletir sobre as técnicas e estratégias utilizadas pelo mediador para auxiliar no processo de transformação das relações

familiares, ratificando a relevância de um estudo interacional pautado em dados reais de fala.

Para a realização do propósito da mediação familiar, Barbosa (2014) apresenta ainda uma reflexão necessária ao mediador atuante nesse contexto:

[...] a interdisciplinaridade não é a atuação de diferentes profissionais, como o trabalho conjunto, por exemplo, de advogado com psicólogo, mas se trata da ampliação do conhecimento de uma ciência pela colaboração de outros saberes. Esta é, aliás, a formação que se espera de um mediador (BARBOSA, 2014, p. 13)

A interdisciplinaridade, defendida pela autora, apresenta-se para nós com dupla acepção. A mediação, sobretudo a familiar, exige do profissional um amplo arcabouço teórico-metodológico, bem como uma série de habilidades que vão variar de acordo com o litígio a ser desenvolvido. De forma mais visível, entendemos que, para lidar com situações que, muitas vezes, envolvem frustrações e maus-tratos, os recursos de fundo psicológico e da assistência social são indispensáveis. No mesmo raciocínio, contudo relacionado à esfera linguística da profissão, ressaltamos o fato de a mediação ser uma profissão que se desenvolve, essencialmente, pelo uso da linguagem e, principalmente, pela interação entre mediador e as partes em conflito.

Na próxima seção, apresentamos as características da pré-mediação, etapa da mediação estudada nesta pesquisa.

No documento priscilafernandessantanna (páginas 36-40)