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CAPÍTULO III – AS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS EM LICITAÇÕES E

3. AS FINALIDADES DA SANÇÃO ADMINISTRATIVA

A constatação de que algumas sanções esgotam seus efeitos no âmbito do contrato e que outras possuem efeitos pro futuro – daí a classificação interna e externa, adotada por Marçal JUSTEN FILHO – suscita outro questionamento, concernente às finalidades da sanção administrativa.

Claus ROXIN ensina que, desde a antiguidade, três teorias disputam sobre os fins da pena: a) a teoria da retribuição; b) a teoria da prevenção especial; c) a teoria da prevenção geral.570

3.1 A TEORIA DA RETRIBUIÇÃO

Segundo a teoria da retribuição, a pena não perseguiria nenhum fim socialmente útil. A pena seria um mal mediante o qual merecidamente se retribui ao autor o mal cometido. KANT intentou, na sua Metafísica dos Costumes, fundamentar as ideias de retribuição e justiça como leis universalmente válidas.571 Segundo ROXIN572, HEGEL estava de acordo com KANT ao não reconhecer metas preventivas como os fins da pena. Atualmente, contudo, tal teoria não é aceita na maioria dos países civilizados.

Para Carlos Santiago NINO, a dificuldade em aceitar o retribucionismo é que ele “requer de nós uma intuição ética compartilhada por muito poucos: que a soma de dois males dá como resultado um bem”.573 Opinião partilhada por ROXIN:

“Pois, se, como foi manifestado nos parágrafos anteriores, a finalidade do Direito Penal consiste na proteção subsidiária de bens jurídicos, então, para o cumprimento desta tarefa, não é permitido fazer uso de uma pena que de forma expressa prescinda de todos os fins sociais. A ideia de retribuição exige também uma pena ali, onde sobre a base da proteção de bens jurídicos não seria necessária; mas então a pena já não serve à finalidade do Direito Penal e perde sua legitimação social. Dito de outra forma: o Estado, como instituição

570 ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Tomo I. Fundamentos. La estructura de la teoria de delito. 2a. ed. Madrid: Civitas, 1997. p. 81.

571 Ibid., p. 82.

572 Ibid., p. 83.

573 NINO, Carlos Santiago. Introdução à Análise do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 506.

humana, não é capaz de realizar a ideia metafísica de justiça nem está legitimado para isso. A vontade dos cidadãos obriga-o a assegurar a convivência do homem em paz e liberdade; está limitado a esta tarefa de proteção. A ideia de que se pode compensar ou suprimir um mal (o delito) causando outro mal adcional (o sofrimento da pena), só é suscetível de uma crença ou fé, a de que o Estado não pode obrigar ninguém a partir do momento em que não recebe seus poderes de Deus, mas do povo”.574

Como se vê, a teoria da retribuição não é, hoje, cientificamente aceitável.

3.2 A TEORIA DA PREVENÇÃO ESPECIAL

A teoria da prevenção especial sustenta que a missão da pena é fazer o autor individual desistir da prática de novos delitos. Segundo a concepção de LIZT, citado por ROXIN como portavoz dessa teoria, “a prevenção especial pode atuar de três formas: protegendo a comunidade dos delinquentes, mediante o encarceramento destes; intimidando o autor, pela pena, para que não cometa futuros delitos; e preservando-lhe da reincidência mediante sua recuperação”.575

3.3 A TEORIA DA PREVENÇÃO GERAL

Por fim, para a teoria da prevenção geral a finalidade da pena é: a) instruir a comunidade sobre as proibições legais, de modo a evitar sua violação; b) reforçar a confiança da população no Direito e tranquilizar a consciência jurídica geral, o que ocorre quando o cidadão percebe que o Direito se aplica, “em virtude da sanção, sobre à violação da lei e considerado resolvido o conflito com o autor”.576

3.4 TEORIAS UNIFICADORAS

ROXIN unifica as teorias da prevenção especial e geral, e conclui: “a pena serve para os fins de prevenção especial e geral”.577 Manifestando o mesmo pensamento, Figueiredo DIAS resume assim sua posição:

574 ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Tomo I. Fundamentos. La estructura de la teoria de delito. 2a. ed. Madrid: Civitas, 1997. p. 84. Tradução nossa

575 Ibid.,p. 85-86. Tradução nossa

576 Ibid.,p. 92. Tradução nossa

577 Ibid.,p. 103. Tradução nossa

“(1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; (2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; (3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; (4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de seguranças individuais”.578

A finalidade de prevenção também é compartilhada por NINO, para quem é condição de legitimidade de toda pena que ela seja “o meio mais eficaz para evitar prejuízos sociais maiores que os que ela implica”.579

A doutrina de Direito Administrativo sufraga esta orientação no tocante aos fins das sanções administrativas. Cite-se, por todos, o magistério de Celso Antônio Bandeira de MELLO:

“Quando uma sanção é aplicada, o que se pretende com isto é tanto despertar em quem a sofreu um estímulo para que não reincida, quanto cumprir uma função exemplar para a sociedade. Não se trata, portanto, de causar uma aflição, um ‘mal’, objetivando castigar o sujeito, levá-lo à expiação pela nocividade de sua conduta. O Direito tem como finalidade unicamente a disciplina da vida social, a conveniente organização dela, para o bom convívio de todos e bom sucesso do todo social, nisto se esgotando seu objeto”.580

Logo, tanto para o Direito Penal e para a Teoria Geral do Direito quanto para o Direito Administrativo a finalidade da sanção é a prevenção. Trata-se de medida instrumental que visa assegurar o cumprimento da lei, a consecução do interesse público e a paz social.

3.5 A SUPOSTA ESPECIFICIDADE DA FINALIDADE DA SANÇÃO ADMINISTRATIVA CONTRATUAL

578 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral, tomo I. 1a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 84.

579 NINO, Carlos Santiago. Introdução à Análise do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 508.

580 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 17a. ed. São Paulo:

Malheiros, 2004. p. 745.

Não obstante, os autores costumam atribuir às sanções contratuais uma finalidade supostamente diversa, asseverando que sua finalidade precípua é assegurar o cumprimento da avença. Nesse sentido, confira-se o pensamento de Maria João ESTORNINHO:

“A função principal da sanção nos contratos administrativos não é, nem a de reprimir as violações contratuais nem a de compensar a Administração pelos prejuízos sofridos, mas sim a de obrigar o particular a cumprir a prestação a que está adstrito e, dessa forma, assegurar a prossecução do interesse público subjacente ao contrato”.581

Essa orientação é sufragada por Enrique SAYAGUES LASO: “Na contratação administrativa o fundamental é que o particular cumpra, sobretudo nos contratos estreitamente vinculados à execução dos serviços, e por isso as sanções se inspiram nessa finalidade”.582 E também por Pablo LEIZA ZUNINO:

“É importante compreender que o essencial nos contratos da Administração não é castigar ao co-contratante por suas faltas, senão assegurar a realização efetiva do serviço, da obra, do fornecimento, ou a satisfação da necessidade pública contratada”.583

Como se percebe, não há diferença substancial alguma entre as teorias atuais relativas aos fins da pena e as considerações dos administrativistas acerca dos fins específicos da sanção contratual. Do mesmo modo, também não há diferença substancial entre os fins visados com a aplicação de uma advertência ou multa (ditas sanções contratuais ou internas) e com a imposição de uma suspensão ou declaração de inidoneidade (ditas sanções gerais, externas ou com eficácia pro futuro).

A diferença é o alcance da sanção, proporcional à gravidade da conduta. Mas o fim é rigorosamente igual: a prevenção. Prevenção de infrações, prevenção de inexecuções contratuais, o que equivale a incentivar, assegurar, garantir o cumprimento do contrato. Toda sanção, e não somente as contratuais, objetiva o cumprimento da lei ou, sob outro ângulo, prevenir, evitar o seu descumprimento.

581 ESTORNINHO, Maria João. Requiem pelo Contrato Administrativo. Coimbra: Almedina, 2003.

p. 128.

582 SAYAGUES LASO, Enrique. Tratado de Derecho Administrativo, vol I. 3a. ed. Montevidéu:

FCU, 2010. p. 573. Tradução nossa.

583 LEIZA ZUNINO, Pablo. Contratos de la Administración Pública. Montevidéu: FCU, 2012. p.

460. Tradução nossa.

Por isso, não tem razão Gaston JÈZE quando afirma que:

“A repressão disciplinar dos agentes públicos que cometem faltas e a repressão penal dos agentes públicos delinquentes são duas coisas totalmente diferentes. A repressão disciplinar tem em conta o melhoramento do serviço público, enquanto que a repressão penal tem essencialmente por objeto a punição pessoal do agente delinquente, em nome da ideia de justiça, sendo secundária a ideia de exemplaridade. A repressão penal dos agentes públicos delinquentes não tem por finalidade o melhoramento do funcionamento de um serviço”.584

A dualidade acima apontada não mais existe. Como se viu, as teorias retributivas, que conferem à pena um sentido de punição pessoal, de retribuição de um mal com outro mal, estão superadas na maioria dos países civilizados. As modernas teorias atribuem à sanção o escopo de evitar que o infrator reincida e que outros incidam na conduta vedada, melhorando, assim, o ambiente social e, especificamente no campo administrativo, a marcha do serviço.

Ante o exposto, conclui-se que a advertência, a multa, a suspensão e a declaração de inidoneidade possuem, a um só tempo, a finalidade de assegurar o cumprimento da avença e de prevenir infrações à lei e ao contrato.