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CAPÍTULO I – CONSIDERAÇÕES GERAIS

4. AS RELAÇÕES DE ESPECIAL SUJEIÇÃO

4.3 REJEIÇÃO À TEORIA DAS RELAÇÕES DE ESPECIAL

A exposição de algumas das opiniões favoráveis e contrárias às relações de especial sujeição revela existirem mais pontos de contato do que de divergência entre elas. Os que admitem tais relações reconhecem que elas não podem ferir direitos fundamentais. Já os que negam sua existência o fazem para preservar esses mesmos direitos. Portanto, quer se reconheça quer se negue a existência das relações de especial sujeição, há consenso de que os direitos fundamentais devem ser

84 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 17a. ed. São Paulo:

Malheiros, 2004. p. 723.

85 MOREIRA, Egon Bockmann. Direito das Concessões de Serviço Público: Inteligência da Lei 8.987/1995 (Parte Geral). São Paulo: Malheiros Editores, 2010. p. 180.

86 Ibid., p. 181.

87 Ibid., p. 181.

88 Ibid., p. 182.

assegurados.

Sob outro aspecto, os que sufragam a tese das relações especiais afirmam que sua existência permite a criação de deveres por meio de regulamento, embora concordem que a edição desse regulamento deva necessariamente estar autorizada e balizada pela lei. A doutrina que nega a existência das relações especiais, mas admite que a lei possa definir apenas os aspectos essenciais de determinadas obrigações, deixando para o regulamento a sua especificação, atinge resultado prático equivalente.

Assim, parece-nos mais acertada a posição de Fabrício MOTTA, para quem “a virtual celeuma, enfim, é resolvida com uma visão mais flexível do princípio da legalidade”89, que será abordado com mais detalhes no curso do presente trabalho.

Com efeito, reconhecendo-se que “é impossível fazer por uma lei uma enumeração expressa e direta das condutas infratoras”90 e que, assim, tanto nas relações gerais quanto nas relações especiais é admissível a colaboração do regulamento, cujo

“conteúdo está subordinado à lei”91, a distinção perde o sentido.

A distinção seria funcional se a mera invocação da sujeição especial já indicasse o regime jurídico aplicável a determinada relação. Não é, todavia, o que ocorre.

Primeiro, porque sequer existe uma definição clara a respeito de quais relações seriam de sujeição especial. Por exemplo, para Maria João ESTORNINHO os contraentes privados da Administração, “ao celebrarem com elas certos contratos, estariam a colocar-se voluntária e automaticamente numa relação especial de poder”.92 Já para Clarissa Sampaio SILVA essa relação não é de sujeição especial, porque os poderes exorbitantes de que dispõe a Administração seriam compensados pelo direito do contratante à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato e também porque “não há afetação a direitos fundamentais do concessionário pelo simples exercício, pela Administração, de seus poderes de titular do serviço”.93

Segundo, porque não há clareza sobre as consequências que derivam do reconhecimento de determinada relação como de sujeição especial. Como ensina

89 MOTTA, Fabrício. A Função Normativa da Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 224.

90 NIETO, Alejandro. Derecho Administrativo Sancionador. 4a. ed. Madrid: Tecnos, 2005. p. 294.

Tradução nossa.

91 Ibid., p. 293. Tradução nossa.

92 ESTORNINHO, Maria João. Requiem pelo Contrato Administrativo. Almedina: Coimbra, 2003.

p. 163.

93 SILVA, Clarissa Sampaio. Direitos Fundamentais e Relações Especiais de Sujeição: O caso dos Agentes Públicos. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 153.

Egon Bockmann MOREIRA, “esta relação especial não se submete a um modelo estático e uniforme”.94 “O que a doutrina tem perseguido é a sistematização de tais relações, a distinção de suas notas essenciais e respectiva classificação em grupos de relações extraordinárias”.95 Nesse esforço de distinção de suas notas essenciais, Rafael Munhoz de MELLO afirma que “a única diferença entre as relações de sujeição geral e de sujeição especial diz respeito à hierarquia da norma que tipifica a conduta”96, asseverando ele que, “no primeiro caso a lei formal deve tipificar previamente, com clareza e precisão, a infração administrativa”.97 Porém, não foi isso o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça relativamente à autuação de um fabricante de refrigerante – em situação de sujeição geral, portanto - pela inobservância do teor mínimo de suco de laranja:

“No campo das infrações administrativas, exige-se do legislador ordinário apenas que estabeleça as condutas genéricas (ou tipo genérico) consideradas ilegais, bem como o rol e limites das sanções previstas, deixando-se o detalhamento especificação daquelas e destas para a regulamentação, por meio de Decreto”.98

Por tais razões, a análise das infrações e sanções administrativas em licitações e contratos a ser procedida no curso do presente trabalho terá como plataforma o regime jurídico de Direito Administrativo Sancionador, modulado pelas legítimas opções legais pertinentes a esse campo específico, mas, tal como preconizado por

94 MOREIRA, Egon Bockmann. Direito das Concessões de Serviço Público: Inteligência da Lei 8.987/1995 (Parte Geral). São Paulo: Malheiros Editores, 2010. p. 182.

95 Ibid., p. 182.

96 MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios Constitucionais de Direito Administrativo Sancionador:

As sanções administrativas à luz da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. p. 167.

97 Ibid., p. 167.

98 STJ, 2a. Turma, REsp nº 1.135.515/SC, rel. Min. Herman Benjamin, DJ. 28/02/2012. A mesma orientação foi manifestada no Recurso Especial nº 1.102.578/MG, encaminhado ao Superior Tribunal de Justiça como recurso representativo de controvérsia, nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil. Discutia-se na espécie a regularidade de multa imposta sobre empresa de confecção com fundamento em Resolução do Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – CONMETRO. A Ministra resumiu a controvérsia dizendo que a instância ordinária havia concluído que somente lei em sentido formal poderia tipificar sanções administrativas. A 1a. Seção deu provimento ao Recurso Especial e reformou a decisão recorrida, assentando na ocasião que “estão revestidas de legalidade as normas expedidas pelo CONMETRO e INMETRO, e suas respectivas infrações, com o objetivo de regulamentar a qualidade industrial e a conformidade de produtos colocados no mercado de consumo, seja porque estão esses órgãos dotados da competência legal atribuída pelas Leis 5.966⁄1973 e 9.933⁄1999, seja porque seus atos tratam de interesse público e agregam proteção aos consumidores finais” (STJ, 1a. Seção, REsp nº 1.102.578/MG, rel. Min. Eliana Calmon, DJ. 29/10/2009).

Regis Fernandes de OLIVEIRA99, sem atentar para as distinções conceituais entre relação de sujeição geral e especial.

99 OLIVEIRA, Regis Fernandes. Infrações e Sanções Administrativas. 3a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 57.

CAPÍTULO II - AS INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS EM LICITAÇÕES E