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2. A ESTRUTURA DAS INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS

2.4 A CULPABILIDADE (OU REPROVABILIDADE)

2.4.1 Causas de exclusão da culpabilidade

José Roberto Pimenta de OLIVEIRA afirma que se tem “a obrigatoriedade de reconhecimento da inidoneidade da sanção administrativa quando presentes as causas de exclusão da culpabilidade (designadas dirimentes)”.463

2.4.1.1 Inexigibilidade de conduta diversa

A mais importante causa de exclusão da culpabilidade é a inexigibilidade de conduta diversa. Não é reprovável a conduta de quem não se pode exigir que agisse de modo diverso diante da anormalidade das circunstâncias de fato. Como ensina René Ariel DOTTI, “remanesce a ilicitude do fato, mas a culpabilidade é excluída pelas circunstâncias ou por motivos excepcionais que não permitiram a atuação segundo a existência da norma”.464

As primeiras hipóteses de inexigibilidade de conduta diversa, previstas no Código Penal, são a coação irresistível e a obediência hierárquica: “Art. 22. Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”.

A coação irresistível se verifica quando o administrado pratica o ilícito impelido por violência física ou séria ameaça. A obediência hierárquica excluirá a antijuridicidade se a ordem exarada pelo superior for legítima, pois, nessa hipótese, restarão configuradas as eximentes: estrito cumprimento de um dever legal ou exercício regular de um direito. Se, porém, a ordem for ilegal, mas não manifestamente ilegal, será excluída a culpabilidade. Caso a ordem seja manifestamente ilegal, o agente não está obrigado a executá-la, conforme se depreende, por exemplo, da Lei 8.112/90: “Art. 116. São deveres do servidor: (…);

IV - cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais”. Se, a despeito de não estar obrigado, o agente optar por executá-la, agirá de modo reprovável, sujeitando-se, consequentemente, às sanções legalmente previstas.

463 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta de. Os Princípios da Razoabilidade e de Proporcionalidade no Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 490.

464 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal. 4a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p.

111.

2.4.1.2 Caso fortuito e de força maior

A Lei 8.666/93 contempla o caso fortuito e a força maior, ora para justificar a alteração dos prazos de contratuais (art. 57, §1o, II), ora para motivar o reequilíbrio da equação econômico-financeira do contrato (art. 65, II, “d”) e ora como causa de rescisão, porque “impeditiva da execução do contrato” (art. 78, XVII). Egon Bockmann MOREIRA e Fernando Vernalha GUIMARÃES conceituam caso fortuito e caso de força maior como “todo e qualquer evento superveniente, ou de conhecimento superveniente, imprevisível ao licitante à época de formulação de sua proposta, capaz de acarretar o rompimento da equação financeira do contrato”465 ou, acrescentamos nós, de retardar ou impedir sua execução.

Tradicionalmente, o caso fortuito e a força maior têm sido tratados como excludente de culpabilidade466, razão pela qual estão sendo abordados no presente capítulo. Não obstante, entende-se que eles estariam melhor alocadas como excludentes da tipicidade, pois sua verificação exclui o dolo ou a culpa, como bem observa Francisco MUÑOZ CONDE:

“se admitirmos que o dolo e a culpa são já as duas únicas formas subjetivas de imputação no tipo de injusto, dever-se-á considerar que o caso fortuito, como ausência de dolo e culpa relativamente ao mal produzido, é uma causa de exclusão do tipo de injusto, que afasta o mal produzido fortuitamente do âmbito penalmente relevante”.467

Exemplo clássico de evento de força maior impeditivo da execução contractual é a greve. Todavia, Egon Bockmann MOREIRA e Andrea Cristina BAGATIN destacam que o “determinante para se estar diante de um caso de força maior não é a simples existência de greve, mas a demonstração de tal greve era

465 MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação Pública: A Lei Geral de Licitação – LGL e o Regime Diferenciado de Contratação - RDC. São Paulo: Malheiros, 2012.

p. 216.

466 Nesse sentido: TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5a. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 338; FERREIRA, Daniel. Teoria Geral da Infração Administrativa a partir da Constituição Federal de 1988. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 322.

467 MUNÕZ CONDE, Francisco. Teoria Geral do Delito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 118. No mesmo sentido: VITTA, Heraldo Garcia. A Sanção no Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 53. Em sentido diverso, Egon Bockmann MOREIRA e Andreia Cristina BAGATIN afirmam que “a força maior não incide como um excludente da culpa (que assim pode vir a se tornar irrelevante), mas do nexo de causalidade” (MOREIRA, Egon Bockmann; BAGATIN, Andreia Cristina. ontratos Administrativos, Direito à Greve e os “ ventos de Força Maior”.

Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 875, p. 41 et. seq., Set. 2008).

inevitável e impediu, de modo inconteste, a execução contratual”.468 Caso isso se confirme, restará configurada a atipicidade de eventual atraso ou inexecução contratual.

2.4.1.3 O Erro

Por fim, cumpre analisar o erro como causa de exclusão da culpabilidade.

Miguel REALE JUNIOR define o erro como “uma representação não correspondente à realidade, uma representação falsa da realidade fática ou normativa”.469 O erro é relevante para o Direito Penal e para o Direito Administrativo Sancionador, porque, como se antecipou, nem sempre é reprovável a conduta de “quem supõe, por erro, que atua conforme o direito”.470

Denomina-se erro de tipo quando este recai “sobre elementos ou circunstâncias do tipo”.471 Age com erro de tipo quem atira e mata um ser humano supondo ser um espantalho, pois o agente tem uma falsa percepção dos elementos do tipo (matar alguém). O atirador supunha que o seu alvo era um boneco, não alguém.

Segundo o Código Penal, o fato da pessoa não ter a intenção de atirar em alguém exclui o dolo: “Art. 20. O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei”. Se o erro restar plenamente justificado pelas circunstâncias - por exemplo, a vítima disfarçou-se de espantalho em um clube de tiro – o atirador será isento de pena, nos termos do art. 20, §1º, do Código Penal: “É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima”. Se, porém, o atirador houver sido imprudente, sua conduta poderá configurar homicídio na modalidade culposa, conforme se infere da parte final do art.

20, §1º, do Código Penal: “Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo”.

No erro de proibição a falsa percepção recai sobre “a antijuridicidade (ou

468 MOREIRA, Egon Bockmann; BAGATIN, Andreia Cristina. Contratos Administrativos, Direito à Greve e os “ ventos de Força Maior”. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 875, p. 41 et. seq., Set.

2008.

469 REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal: Parte Geral. 3a. Ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2009. p. 134.

470 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: A Nova Parte Geral. 8a. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1985. p. 211.

471 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5a. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 267.

ilicitude) da ação”.472 Nas palavras de Rafael Munhoz de MELLO, “a pessoa tem plena consciência da conduta que adota, mas erroneamente considera que sua prática é permitida pelo ordenamento jurídico. A falsa percepção tem por objeto a proibição, que o agente considera não existir”.473

É frequente afastar-se um alegado erro de proibição sob o argumento, extraído do art. 3o. da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei 4.657/1942), segundo o qual “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. Nem sempre, porém, a aplicação desse comando atende o disposto no princípio da culpabilidade, pois “as hipóteses em que se infringe a Lei por se desconhecer a norma aplicável não se podem equiparar punitivamente as de quem atua com plena consciência de violar o dever jurídico”.474 Sensível a essa circunstância o art. 21 do Código Penal preceitua: “O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço”.

Se o Direito Penal admite o erro como causa de redução da pena ou até de sua isenção, o Direito Administrativo deve admiti-lo com maior razão. O repertório de crimes geralmente é mais conhecido pela população. A lista de deveres e infrações administrativas é interminável e, como assevera Antonio Maria BUENO ARMIJO,

“pressupor seu conhecimento é uma ficção”.475 Isso se deve ao fato de que, como constata Heraldo Garcia VITTA, “todas as entidades, políticas e administrativas, editam leis e atos administrativos; diversas pessoas jurídicas, compostas por órgãos diferentes, têm competência para editar atos jurídicos, com conteúdos variáveis, em determinado espaço e tempo”.476 Diante dessa miríade de atos com conteúdo normativo, é possível que, apesar da diligência adotada, um cidadão incida em erro, supondo lícita determinada conduta proibida.

As situações mais comuns de erro derivam de dificuldades de interpretação.

472 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5a. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 267.

473 MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios Constitucionais de Direito Administrativo Sancionador:

As sanções administrativas à luz da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. p. 104.

474 GÓMEZ TOMILLO, Manuel; SANZ RUBIALES, Íñigo. Derecho Administrativo Sancionador.

Parte General. Teoria General y Práctica Del Derecho Penal Administrativo. 2a. ed. Navarra:

Arazandi/Thomson Reuters, 2010. p. 496.

475 REBOLLO PUIG, Manuel; IZQUIERDO CARRASCO, Manuel; ALARCÓN SOTOMAYOR, Lucía; BUENO ARMIJO, Antonio Maria. Derecho Administrativo Sancionador. Lex Nova:

Valladolid, 2010. p. 325. Tradução nossa.

476 VITTA, Heraldo Garcia. A Sanção no Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 55.

Marcelo Madureira PRATES ensina que

“o erro não deverá ser censurável se for decorrente de manifesta imprecisão da norma de regência, revelada por meio (1) da omissão de elementos essenciais do dever exigido ou da infração prevista;

(2) da contradição da norma com outras normas relacionadas; ou (3) da obscuridade ou da confusão de suas disposições, mormente quando devam ser complementadas por outras normas de fontes diversas”.477

Embora seja possível admitir o erro como causa de exclusão da culpabilidade nas infrações administrativas em licitações e contratos, entende-se que suas hipóteses serão restritíssimas. Primeiro, pela natureza contratual da relação travada entre o contratado e a Administração Pública. A proximidade propiciada por esse tipo de relação permite que eventuais dúvidas interpretativas sejam sanadas com antecedência, evitando-se a consumação de infrações. Segundo, pelo fato da empresa ou do profissional contratado possuírem, necessariamente, habilitação técnica para atuar na área objeto da avença, o que pressupõe amplo conhecimento da legislação aplicável. Tratando-se de empresas essa presunção é ainda mais acentuada, pois se a pessoa jurídica permitiu que atuasse em seu nome um profissional com qualificação insuficiente, terá agido com culpa por “defeito de organização”.478

2.5 OS TIPOS INFRACIONAIS NA LEI Nº 8.666/93

2.5.1 Recusa injustificada em assinar o contrato

O art. 81 da Lei 8.666/93 preceitua:

“Art. 81. A recusa injustificada do adjudicatário em assinar o contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo estabelecido pela Administração, caracteriza o descumprimento total da obrigação assumida, sujeitando-o às penalidades legalmente estabelecidas”.

Essa regra está relacionada ao art. 64 da mesma lei, segundo o qual:

477 PRATES, Marcelo Madureira. Sanção Administrativa Geral: Anatomia e Autonomia. Coimbra:

Almedina, 2005. p. 102.

478 GÓMEZ TOMILLO, Manuel; SANZ RUBIALES, Íñigo. Derecho Administrativo Sancionador.

Parte General. Teoria General y Práctica Del Derecho Penal Administrativo. 2a. ed. Navarra:

Arazandi/Thomson Reuters, 2010. p. 509.